Lula “indignado com corrupção” ????
Josias de Souza |
“Hoje, se tem um brasileiro indignado sou eu, indignado com a
corrupção.” Com essa frase, dita por Lula num ato público na noite de
terça-feira (31.mar.2015), o Brasil escalou uma espécie de cume do
cinismo. Pior do que a presunção de Lula de que ninguém se lembraria da
sua própria cumplicidade com os escândalos é a conclusão de que a
presunção é desnecessária.
Mesmo sabendo que ninguém desconhece que os dois maiores escândalos da
República — o mensalão e o petrolão — têm origem no seu reinado, Lula
acredita piamente que ainda pode dizer o que bem entender. E no vácuo
moral em que se encontra mergulhado o país talvez possa mesmo. Tudo pode
ser dito e feito quando nada tem consequência.
Tanto que a “indignação” de Lula tem dois gumes. Serve para manifestar
sua repulsa à corrupção e também para realçar sua aversão às delações
que desnudaram a petrorroubalheira. Com a delação, “bandido vira herói”,
resmungou o morubixaba do PT, antes de sapatear sobre o trabalho
criterioso da Procuradoria e do juiz Sérgio Moro.
O delator “não precisa nem delatar”, prosseguiu Lula. “Vai lá e fala eu
acho, eu penso, eu ouvi dizer que fulano de tal fez tal coisa. E já vira
manchete. Não precisa mais de juiz, a imprensa já condenou, a manchete
já condenou, as pessoas estão perdendo o direito de andar na rua, as
pessoas estão sendo agredidas nos aviões, nos restaurantes, sem prova
nenhuma — apenas porque alguém que foi acusado disse: ‘olha, eu fiz isso
mas eu era tão bonzinho. Eu virei ruim depois.”
Num timbre antiatopeótico, Lula bradou: “Canalha já nasce canalha.
Bandido já nasce bandido.” Chama-se Paulo Roberto Costa o primeiro
“canalha” a celebrar com a força-tarefa da Lava Jato um acordo de
delação premiada. Foi nomeado diretor de Abastecimento da Petrobras no
primeiro reinado de Lula, que chamava o “bandido” de Paulinho. Só deixou
o posto, sob elogios escritos, em 2012, já sob Dilma.
Lula lamentou “o que estão fazendo com a Petrobras”. Tentam “mostrar que
é uma empresa corrupta”. Errou o tempo do verbo. O lamentável é o que
fizeram com a estatal. O dinheiro dos cofres da empresa só saiu pelo
ladrão porque os ladrões foram empurrados por partidos da coligação
oficial dentro do cofre. Tudo com as bênçãos de Lula, o indignado.
“Se teve corrupção lá dentro não foi corrupção de uma totalidade”,
constatou Lula, num flerte com o óbvio. “Foi corrupção de uma ou outra
pessoa, que terá que pagar o preço por ter enganado o povo brasileiro.”
Enganar o povo não foi nada. O inacreditável é que autoridades como Lula
e Dilma fujam de suas responsabilidades, refugiando-se atrás da lorota
do “eu não sabia”.
Sem mencionar-lhe o nome, Lula evocou a delação do ex-gerente Pedro
Barusco. Referiu-se a ele como o “cidadão que vai fazer delação premiada
e diz que tem não sei quantos milhões lá fora”. A Justiça não só
quantificou o desvio (US$ 97 milhões) como já está repatriando a grana,
que estava entesourada na Suíça.
“Esse cidadão repartiu com vocês?”, perguntou Lula aos militantes que o
ouviam. “Ele repartiu com algum partido político ou ele repartiu com a
conta bancária dele?” Lula deveria desperdiçar um naco do seu tempo
lendo os depoimentos prestados por Barusco. São peças públicas. Nelas,
lê-se que, na diretoria que abrigava Barusco, a de Engenharia e
Serviços, cabia ao diretor Renato Duque, seu chefe, cuidar do repasse da
parte da propina que cabia ao PT.
Para desassossego de Lula, Duque não era o único provedor do PT. A
propósito, em depoimento prestado horas antes de Lula despejar sua
“indignação” sobre o microfone, o doleiro Alberto Youssef contou que
mandou entregar petropropinas ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, na
porta do diretório nacional da legenda.
Lula nunca viu governos tão maravilhosos quanto os governos do PT.
“Ninguém em sã consciência deve deixar de agradecer aos nossos 12 anos
de governo, por ter tirado o tapete que escondia a corrupção da sala e
escancarar a investigação nesse país. Fomos nós que escancaramos. Fomos
nós que indicamos por quatro vezes representantes do Ministério Público
indicados pela categoria, sem interferência do governo. Fomos nós que
mais do que dobramos o número de agentes da Polícia Federal, mais que
dobramos o investimento em inteligência, fomos nós …”
A lista de Lula ficaria mais completa se o orador emendasse: fomos nós
que levamos a Petrobras ao balcão da baixa política; fomos nós que
entregamos diretorias da estatal a apaniguados do PT, do PMDB e do PP;
fomos nós que confiamos o comando da Transpetro a um apaniguado de Renan
Calheiros por 12 anos, fomos nós que permitimos que o melado do
petrolão continuasse escorrendo mesmo depois do envio da bancada do
mensalão para a Papuda, fomos nós …
“Só tem um jeito de um homem ou uma mulher não ser molestado nesse país
governado pelo PT: é ser honesto e não praticar nenhum desvio”, afirmou
Lula, desobrigando o país de fazer sentido. Lula indignado com corrupção
é algo tão inusitado quanto um comandante de navio rebelando-se contra o
mar. O enredo atingiu o ápice. A partir de agora tudo é epílogo.
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