Delator da Petrobras diz que a campanha de Dilma em 2010 foi beneficiada por dinheiro desviado
O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto
Costa e o doleiro Alberto Youssef afirmam que o PT foi o partido mais
contemplado pela propina. As revelações estarrecedoras escancaram a
falência moral do Estado nos últimos anos
Na quarta-feira, 08.out.2014, vieram à tona áudios de depoimentos feitos
em regime de delação premiada na Justiça Federal em Curitiba por Paulo
Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e pelo doleiro Alberto Youssef –
considerados hoje dois dos maiores arquivos vivos da República e
detentores dos segredos mais explosivos da maior estatal do País. As
declarações dos delatores descrevem uma gigantesca rede de corrupção
formada por dirigentes da Petrobras, empreiteiras e partidos políticos
integrantes da base de sustentação do governo Dilma Rousseff. As
revelações são estarrecedoras. A corrupção estatal poucas vezes foi
exposta de maneira tão crua e direta narrada abertamente por seus
executores a serviço do Estado. Nos áudios, os depoentes apontam PT,
PMDB e PP como as legendas beneficiadas pelo propinoduto e colocam sob
suspeição a campanha de 2010 da presidenta Dilma Rousseff. “Dos 3% da
Diretoria de Abastecimento, 1% seria repassado para o PP e os 2%
restantes ficariam para o PT. Isso me foi dito com toda a clareza”,
afirmou o ex-diretor da Petrobras. “Outras diretorias também eram PT. O
comentário que pautava dentro da companhia era que em alguns casos os 3%
ficavam para o PT”, acrescentou. Um dos operadores dos desvios na
Petrobras, de acordo com os depoimentos, era João Vaccari Neto,
tesoureiro do PT. Indicado para o cargo pelo ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu, o ex-diretor de Serviços Renato Duque e Nestor Cerveró,
ex-dirigente da Área Internacional da Petrobras da cota do PMDB, também
recebiam propina. “Bom, era conversado dentro da companhia e isso era
claro que sim. Sim. A resposta é sim”, afirmou Paulo Roberto Costa,
questionado sobre o pagamento de suborno aos dois. As movimentações
irregulares, segundo disseram, continuaram até 2012, quando Costa deixou
a estatal, e pode ter contaminado a atual campanha de Dilma à
reeleição.
É fato que se a sociedade brasileira encarar como natural esse assalto à
coisa pública terá de estar preparada para aceitar todo e qualquer tipo
de desmando de seus governantes. Os limites estarão rompidos
indissoluvelmente. Mas, sabe-se, não é da índole do brasileiro
compactuar com malfeitos. Neste caso, malfeitos perpetrados no coração
da maior estatal do País, motor do desenvolvimento e outrora símbolo da
soberania nacional. O dinheiro desviado tinha origem no superfaturamento
dos contratos da Petrobras. A taxa média do sobrepreço, além da boa
margem de lucro, girava em torno de 3%. Paulo Roberto Costa explicou
como funcionava a fábrica de dinheiro para as campanhas políticas e o
bolso dos corruptos. Costa confessou que atuava como guardião dos
numerários da corrupção. Ele intermediava contatos políticos, gerenciava
o pagamento de propina das empreiteiras e cuidava dos critérios da
distribuição dos lucros aos partidos envolvidos. O ex-diretor foi
assertivo ao apontar o PT como o maior beneficiário dos desvios. Cada
partido tinha seus próprios operadores. De acordo com os depoimentos, o
ex-deputado José Janene (PR), que faleceu em 2010, e Youssef eram os
responsáveis por distribuir o dinheiro da propina no PP. Eles também
entregavam a parte que cabia ao ex-diretor da Petrobras por sua atuação
nas irregularidades. Costa não detalhou como era feita a divisão dos
recursos no PT, tarefa do tesoureiro João Vaccari. No organograma do
crime, o delator aponta o ex-diretor de Serviços Renato Duque,
apadrinhado de José Dirceu, como o contato do tesoureiro do PT na
estatal.
O MAGISTRADO - Os depoimentos, colhidos pelo juiz Sérgio Moro, impressionaram pela riqueza de detalhes e pela sofisticação do esquema corrupto narrado |
A farra da base aliada na estatal se iniciou, de fato, em 2007, quando a
Petrobras direcionou o orçamento para grandes projetos, como a
construção de refinarias. Mas a idealização e a montagem da rede de
corrupção remetem a 2004, com a nomeação de Paulo Roberto Costa para a
Diretoria de Abastecimento. Na cúpula da estatal, ele teve grande
importância na ampliação do poder do cartel das empreiteiras e na
geração de mais divisas para a ala de políticos da quadrilha. Por isso,
contou com o lobby de fortes lideranças do cenário nacional para chegar
ao posto, com o aval do Palácio do Planalto. Nesse ponto, o doleiro
Youssef fez uma das revelações mais importantes de seu depoimento. “Para
que Paulo Roberto Costa assumisse a cadeira de diretor da Diretoria de
Abastecimento, esses agentes políticos trancaram a pauta no Congresso
durante 90 dias. Na época o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou
louco, teve que ceder e realmente empossar o Paulo Roberto Costa”,
contou Youssef no interrogatório.
Ao afirmar que Lula se curvou aos interesses de um bando especializado
em drenar dinheiro dos cofres da Petrobras, o doleiro pode ter fornecido
um dos fios da meada para se entender como os governos petistas
contemplaram as práticas ilícitas. Registros do Congresso trazem
indícios de que o doleiro, realmente, tinha razão. Na primeira quinzena
de abril de 2004, um mês antes de Costa ser nomeado diretor da
Petrobras, o governo Lula sofreu com uma rebelião da base, capitaneada
pelo PMDB. À época, o presidente mandou ao Congresso uma medida
provisória que reajustava o salário mínimo para R$ 260. Para retaliar o
governo, a base passou a exigir o cumprimento de uma promessa de
campanha de Lula, que previa o salário mínimo a US$ 100, o equivalente a
R$ 289. O PT trabalhava, ainda, para aprovar um projeto que criava
2.800 cargos de confiança no governo. O PP de José Janene passou algumas
semanas sem sequer registrar presença no plenário, com o único objetivo
de prejudicar o governo do Planalto. Renan Calheiros (PMDB-AL), hoje
presidente do Congresso e também citado nas investigações da Lava Jato,
comandou a rebelião no Senado.
Presos no início do ano durante a Operação Lava Jato da Polícia Federal,
Costa e Youssef aceitaram contribuir com as investigações em troca do
abrandamento de suas penas. Nos depoimentos em Curitiba, eles não tinham
autorização para explicitar os nomes das autoridades com direito a foro
especial, caso de parlamentares, por se tratar de Justiça de primeira
instância. Esses casos são apurados somente no Supremo Tribunal Federal
(STF).
OS SEGREDOS DO DOLEIRO - Preso em Curitiba, Alberto Youssef disse que o Congresso ameaçou paralisar a pauta e Lula capitulou às pressões para que Paulo Roberto Costa fosse nomeado |
Mesmo sem poder citar nomes, o ex-diretor forneceu informações que, de
forma indireta, tiram o sono de muitas autoridades. O delator descreveu,
por exemplo, uma consultoria prestada a um político fluminense candidato a cargo majoritário,
que queria fazer um plano de governo direcionado ao setor de energia
para captar recursos de financiamento de campanha das empresas da área.
Costa também envolveu o PMDB ao citar a Diretoria Internacional da
Petrobras como feudo da sigla. Segundo o ex-diretor, o responsável por
fazer o serviço sujo do recolhimento da propina junto às empreiteiras
seria Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano. “Na Diretoria
Internacional, o Nestor Cerveró foi indicado por um político e tinha
ligação forte com o PMDB”, disse o delator. Nos bastidores do Congresso,
atribui-se a indicação de Cerveró a Renan Calheiros.
“Em diretorias como gás, energia e exploração, o comentário na companhia é que 3% ficavam com o PT”
Chamou a atenção dos investigadores o tom de deboche muitas vezes
adotado nas conversas dos envolvidos nas práticas corruptas. Nesse
contexto, uma das expressões mais usadas pelos interlocutores era um
trecho da Oração de São Francisco de Assis, aquele que prega “é dando
que se recebe”. “Nós tínhamos reuniões, com certa periodicidade, com
esse grupo político e nesses encontros comentava-se, recebemos isso,
recebemos aquilo”, afirmou o ex-diretor, sobre os acertos de propina. As
cifras astronômicas que abasteciam o esquema são tratadas com
naturalidade pelo ex-diretor, mas deixam confusos até mesmo os
experientes investigadores do caso. Ao narrar episódio em que recebeu R$
500 mil das mãos do presidente da Transpetro, Sérgio Machado, por ter
ajudado a intermediar contratação de empresas de navios, os
interrogadores não esconderam o espanto e questionaram Costa sobre a
forma de pagamento da propina. “Uma parcela”, respondeu.
“Tem uma tabela e ela revela valores de agentes de vários partidos relativos à eleição de 2010”
Meio milhão de reais é uma cifra desprezível no universo de dígitos dos
contratos firmados entre as empreiteiras que compunham o cartel que
dominou a Petrobras. Relatório da Polícia Federal estima que, de R$ 5,8
bilhões em transações firmadas, R$ 1,4 bilhão escoou pelo ralo graças a
obras superfaturadas para abastecer a quadrilha. Paulo Roberto Costa
apontou 11 empresas envolvidas nos desvios. Ele detalhou a ação
orquestrada das companhias, mas faz questão de dizer que nem todos os
contratos da estatal estão contaminados. Como exemplo, ele cita a
Refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco. De acordo com Costa, o
empreendimento reúne aproximadamente 50 empresas, mas o cartel não
encampa todas as contratadas. A máquina de irregularidades era tocada
pelas empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes
Júnior, UTC, Engevix, Iesa, Toyo Setal, Galvão Engenharia, OAS e Queiroz
Galvão. O delator listou, também, o nome de diretores responsáveis por
negociar as condições especiais proporcionadas às firmas. As
empreiteiras repudiaram publicamente as denúncias. O ex-diretor envolveu
os altos escalões das empresas: “Os presidentes das companhias tinham
conhecimento do esquema”. As empresas agiam como se fossem donas da
Petrobras, segundo relato do delator. Rateavam os contratos conforme a
disponibilidade de suas equipes e determinavam a taxa de lucro que
queriam. Quando uma firma fora do grupo conseguia romper a barreira do
cartel, as empreiteiras protestavam. “Às vezes participaram empresas que
não eram do cartel, ganhavam a licitação e isso deixava as empresas do
cartel muito zangadas”, afirmou.
O cartel formado pelas empreiteiras para sangrar as contas da Petrobras,
segundo Paulo Roberto Costa, agia também em alguns ministérios. A rede
de pagamento de propina da estatal funcionaria para abrir portas em
pastas com gordos orçamentos para obras de infraestrutura. “Empresas que
tinham interesses em outros ministérios, capitaneados por partidos,
participaram de obras de rodovias, saneamento básico, do Minha Casa
Minha Vida. No meu tempo na Petrobras, nenhuma empresa deixou de pagar
propina. Se você cria um problema de um lado, pode gerar de outro”,
afirmou.
“Na refinaria Abreu e Lima a Camargo Corrêa participou do cartel e efetuou os repasses a políticos”
Ao fim do trabalho de análise e recolhimento de provas, os empresários
atrelados à fraude responderão a processo criminal. Além dos relatos do
ex-diretor, os investigadores da Lava Jato conseguiram obter de uma das
companhias um tipo de colaboração no formato de um acordo de leniência. A
empresa está ajudando a reunir provas financeiras para demonstrar a
atuação do cartel. A ajuda garantirá a essa empreiteira a possibilidade
de evitar sanções, como firmar novos contratos com o poder público. Seus
diretores, no entanto, terão de responder penalmente pela participação
nas negociatas.
“Recebia em espécie na minha casa, no shopping ou escritório. Recebi da Transpetro R$ 500 mil e quem pagou
foi Sérgio Machado”
foi Sérgio Machado”
A divulgação do interrogatório do doleiro e do ex-diretor da Petrobras
incendiou o ambiente eleitoral e os citados se apressaram em repudiar as
acusações. O ex-presidente Lula usou um repertório que já lhe é
peculiar ao reagir às novas denúncias. Em discurso em Campo Limpo, São
Paulo, bradou como se vítima fosse e como se ele e o seu partido
estivessem acima do bem e do mal: “Eu já estou de saco cheio (das
denúncias contra o PT). Daqui a pouco eles estarão investigando como nós
nos portávamos dentro do ventre da nossa mãe”. No governo,
intensificam-se as pressões para a demissão de Sérgio Machado, da
Transpetro, que teria entregado R$ 500 mil para Paulo Roberto Costa. O
objetivo é evitar mais desgastes para o Planalto. O PT, como Lula,
também cumpre roteiro conhecido. Pretende procurar o ministro Teori
Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, para pedir que não ocorram novos
vazamentos, durante o segundo turno das eleições, dos depoimentos feitos
em sigilo de justiça. Zavascki desempenha papel de protagonista nas
investigações. Como ministro do STF, instância responsável por julgar
políticos e autoridades com foro privilegiado, coube a ele validar os
depoimentos colhidos pelo juiz Sérgio Moro. Na etapa atual, ele analisa
as provas colhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público
Federal que envolvem parlamentares e ministros do Estado na rede de
corrupção. Não são poucas.
“Dentro do PT a ligação do diretor de serviço era com o tesoureiro, o senhor João Vaccari”
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