DENÚNCIA - Em 11 de junho de 2008, ISTOÉ revelou o esquema de João Vaccari e Ricardo Berzoini na Bancoop |
RELEMBRANDO A DENÚNCIA - REVISTA ISTOÉ -
11 DE JUNHO DE 2008
O laranja da BANCOOP
Depoimento de ex-funcionário da
cooperativa do Sindicato dos Bancários de São Paulo, acusada de desviar
dinheiro de mutuários para campanhas políticas, complica a situação do
presidente do PT, Ricardo Berzoini
De 1999 a 2005, Hélio Malheiro foi funcionário do Bancoop, a cooperativa
do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Ele é irmão de Luís Eduardo
Malheiro, ex-presidente da Bancoop que morreu num acidente
automobilístico em 2004. No dia 29 de maio último, Malheiro foi ao
Ministério Público Estadual de São Paulo e fez revelações
comprometedoras. Ele disse que suas contas bancárias foram usadas para
desviar dinheiro da cooperativa para o financiamento ilegal de campanhas
do PT. A confissão confirmou suspeita do Ministério Público de que a
Bancoop foi usada para arrecadar recursos de caixa 2 do partido,
fraudando cerca de três mil mutuários. De acordo com o depoimento de
Malheiro, obtido com exclusividade por ISTOÉ, entre as campanhas
irrigadas estariam a do deputado Ricardo Berzoini (SP), em 1998, e a do
próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.
Ao Ministério Público, Hélio Malheiro admitiu que, entre 2001 e 2002,
valores de notas fiscais superfaturadas foram depositados por
subempreiteiros em contas correntes de sua titularidade para que sa
cooperativa pudesse alimentar as campanhas do PT. Segundo o MP, nada
disso foi declarado ao TSE. “Tal esquema de doações ilegais para
campanhas eleitorais teve início em 1998, com valores destinados à
campanha eleitoral para deputado federal do senhor Ricardo Berzoini, que
à época era diretor da Bancoop”, diz trecho do depoimento. Para o
promotor de Justiça José Carlos Blat, que instaurou inquérito para
apurar a prática de crimes de apropriação indébita, estelionato,
formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, as declarações de Malheiro,
somadas a outros depoimentos tomados pelo MP desde abril de 2007,
incriminam os dirigentes do PT, sobretudo Berzoini. Segundo Malheiro e
outros depoentes, Berzoini era tratado como “o chefe”. “Com esse
depoimento, não temos mais dúvidas de que a Bancoop serviu não apenas
para favorecer seus dirigentes, como para irrigar o caixa 2 petista”,
disse o promotor que encaminhou a investigação à Procuradoria Regional
Eleitoral. Os documentos também já estão sendo analisados pelo
procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza.
Malheiro contou ao MP que em 2004, quando várias obras da cooperativa
foram paralisadas por falta de recursos, ouviu de seu irmão Luís Eduardo
que a situação financeira da Bancoop estava cada vez mais comprometida
justamente porque, a cada eleição, valores de “grande monta” eram
desviados para as campanhas do PT. Entre os dirigentes petistas que
faziam pressões pelo desvio de recursos da cooperativa estaria João
Vaccari Neto, então dirigente do Sindicato dos Bancários e diretor
financeiro da cooperativa, hoje presidente da Bancoop. Malheiro disse
que Vaccari não apenas sabia dos “esquemas criminosos” montados na
Bancoop como também fazia parte deles.
Em depoimento em março deste ano, também ao MP, o engenheiro responsável
pelos empreendimentos da Bancoop de 2000 até 2002, Ricardo Luiz do
Carmo, já havia acusado Hélio Malheiro de ser o responsável pela
arrecadação de dinheiro para campanhas do PT. Agora, veio a confissão do
próprio Malheiro, que jurou ter abandonado o esquema no final de 2002,
após uma conversa com o irmão. Na ocasião, ele teria sido informado por
Luís Eduardo que os recursos desviados da Bancoop para suas contas
correntes iriam financiar a campanha de Lula à Presidência. Foi quando,
segundo Hélio Malheiro, ele disse ao irmão que não mais aceitaria “ser
laranja de ninguém”.
De acordo com a investigação do MP de São Paulo, o esquema começou a
partir da fundação da Bancoop em 1996, quando os dirigentes da
cooperativa passaram a superfaturar valores na compra dos terrenos. A
partir de 2001, o esquema foi aperfeiçoado com a contratação de
subempreiteiras e empresas de fachada criadas pelos próprios dirigentes
da cooperativa com o objetivo de “sangrar” recursos da Bancoop. É o caso
da Mizu Gerenciamento e Serviços e da Germany Comercial. A Germany, por
exemplo, criada em junho de 2001, tinha como sócio- fundador o próprio
presidente da Bancoop Luís Eduardo Malheiro. O endereço da empresa era o
mesmo da Bancoop. Documentos em poder do MP mostram que a Mizu pagou
com regularidade fornecedores da Bancoop, reforçando os indícios de que,
a exemplo das outras empresas, ela atuava como se fosse a própria
cooperativa. Entre os documentos da investigação consta um controle
bancário de uma conta corrente no Bradesco em nome da Mizu que registra
seis pagamentos feitos em outubro de 2002, às vésperas do segundo turno
das eleições. Os pagamentos aparecem no controle bancário como “Doação
PT”. As doações somam R$ 43 mil, mas não foram declaradas.
VÍTIMA - Nivaldo Nappi, mutuário fraudado |
Até meados de 2000, o esquema urdido com o propósito de desviar recursos
da Bancoop para campanhas petistas, do qual Malheiro era o principal
agente, era menos sofisticado. Em depoimento, o engenheiro Ricardo Luiz
do Carmo contou que Hélio Malheiro determinou que os empreiteiros
emitissem notas fiscais frias em valores de até R$ 1 mil cada uma,
visando uma arrecadação mínima mensal de R$ 10 mil. Os empreiteiros
dirigiam- se a uma agência da Caixa, realizavam os saques e repassavam
os valores para a conta de Hélio Malheiro. O empreiteiro Valter Amaro,
da Amaro Oliveira Construções, que de 1998 a 2006 serviu a Bancoop,
confirmou ao MP que chegou a emitir notas fiscais de serviços não
prestados para a cooperativa, entre as quais a de número 000072, no
valor de R$ 5 mil, à qual ISTOÉ teve acesso. Amaro disse que era
obrigado a realizar tais operações. Do contrário, a Bancoop romperia o
contrato com sua empresa. Segundo relato do empreiteiro ao MP, Ricardo
do Carmo, perguntado por Amaro sobre a destinação do dinheiro, dizia que
os valores depositados na conta de Hélio Malheiro eram destinados a
campanhas políticas de petistas, em prejuízo dos cooperados da Bancoop.
Em nota oficial, a Bancoop disse que já interpelou judicialmente todos
que fizeram denúncias ou acusações “levianas” contra a entidade. A
cooperativa ainda acusou Hélio Malheiro de não honrar os pagamentos da
sua casa, pertencente a uma seccional da cooperativa, e acrescentou que
foi apenas após a morte de Luís Eduardo que a atual diretoria tomou
conhecimento de que ele tinha um irmão. Procurado, o deputado Berzoini
não retornou até o fechamento desta edição.
A derrocada da Bancoop, que chegou a ser a segunda maior incorporadora
do País, teve início logo depois das eleições municipais de 2004, ano em
que foram paralisadas as obras dos empreendimentos por falta de
recursos. Para os cerca de três mil cooperados, o sonho da casa própria
virou pesadelo. Ainda em 2004, a Bancoop vendeu papéis no mercado
financeiro e recebeu um aporte de R$ 43 milhões de fundos de pensão como
Previ, Funcef e Petros. Esse dinheiro, no entanto, desapareceu, diz
Blat. Desde 2005, nenhum prédio é entregue, segundo Marcos Migliaccio,
um dos líderes da associação dos cooperados. Dos 45 empreendimentos, 14
não foram sequer iniciados. Só 15 estão totalmente concluídos.
Há casos como o do Residencial Ilha d’Itália, localizado na avenida Paes
de Barros, na Mooca, em que, das três torres previstas para ser
construídas, apenas uma foi entregue. Com a cooperativa no vermelho,
muitos proprietários, que tinham sido seduzidos pela promessa de que
comprariam um apartamento com valor 40% abaixo do de mercado e que já
haviam quitado seus imóveis, foram solicitados a fazer pagamentos
adicionais. Em alguns casos, depois do acréscimo de novas parcelas, o
preço do imóvel dobrou. Quem não paga os adicionais corre o risco de ter
o imóvel retomado pela Bancoop. “Quando as obras foram paralisadas,
disseram para a gente que eles precisavam de um empréstimo solidário
para que o empreendimento continuasse a ser tocado”, disse Valéria
Musketo, que até entrou em depressão e está tendo que pagar R$ 23 mil a
mais do que o previsto em contrato. “Essa situação é um absurdo”,
completa Nivaldo Nappi, mutuário no mesmo condomínio. Atualmente,
existem mais de 500 ações judiciais contra a cooperativa.
Curiosamente, o presidente Lula, cuja campanha em 2002, segundo
Malheiro, teria sido alimentada por recursos desviados da Bancoop,
também adquiriu, em 2005, por intermédio da cooperativa, um apartamento
de três quartos em um condomínio no Guarujá (SP). As obras do condomínio
Mar Cantábrico, no qual Lula comprou o imóvel, por pouco não foram
paralisadas. Para que continuassem em andamento, foi necessário que cada
proprietário, entre eles o próprio Lula, fizesse novos aportes mensais
no valor de R$ 2 mil.
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