O medo da degradação econômica
... tchau, Brasil !
Os milionários brasileiros estão
investindo cada vez mais fora do país. Há boas oportunidades
de ganhar dinheiro no exterior, mas o que essa turma quer
mesmo é se proteger
Vista de Miami: alguns bancos já têm assessoria imobiliária no exterior para clientes brasileiros |
Pouco depois do estouro da crise financeira mundial em 2008, os
brasileiros despontaram como compradores de imóveis nos Estados
Unidos, especialmente na Flórida. Com a queda dos preços provocada
pela recessão, casas e apartamentos de luxo em cidades como Miami e
Nova York chegaram a ficar mais baratos do que os vendidos em
bairros de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Nos últimos meses, porém, ficou claro que os brasileiros ricos não
querem só passar férias com a família no exterior. Eles estão
investindo uma parcela maior de seu patrimônio fora do país, em
ações, títulos de renda fixa e, claro, imóveis, majoritariamente nos
Estados Unidos e na Europa.
Os números desse movimento ainda não foram divulgados pelo Banco
Central, que só reporta anualmente o total de recursos enviados por
investidores para fora do país.
Mas dez executivos de alguns dos principais bancos e assessorias
financeiras do Brasil disseram que o percentual do patrimônio que
seus clientes aplicam no exterior é o maior dos últimos dez anos. Os
ricos, em suma, estão dando um “bye-bye, Brasil” coletivo.
Na GPS, maior assessoria financeira do país, com 17 bilhões de reais
sob gestão, a parcela do patrimônio dos clientes de altíssima renda
alocada fora do país dobrou nos últimos 12 meses, para 30%. No
Santander, o aumento foi de 110% desde dezembro, e hoje a fatia está
em cerca de 30% do volume total.
Os demais bancos consultados — Bradesco, HSBC, UBS e outros que não
quiseram ter o nome divulgado — disseram que o percentual oscila
entre 20% e 30% e que as remessas para o exterior começaram a ganhar
força no fim de 2013. A estimativa é que, no primeiro semestre deste
ano, cerca de 4 bilhões de dólares tenham saído daqui (em 2013, o
total foi inferior a 6 bilhões de dólares).
A imensa maioria desses investidores aplica, no mínimo, 1,5 milhão
de dólares no mercado externo: enviar um volume abaixo desse não
compensa em razão das taxas bancárias e dos custos de movimentação.
Mas vale a pena investir fora do país agora? Os ricaços brasileiros
estão agindo por ganância ou por medo? “Quem manda dinheiro para
fora está mais preocupado em proteger seu patrimônio do que ter
retornos elevados”, diz o diretor de um banco nacional que pediu
para não se identificar.
A principal preocupação dos investidores, segundo os profissionais
ouvidos, é a perspectiva de uma nova desvalorização do real —
aplicando no exterior, eles conseguem proteger seus recursos desse
risco. “Isso costuma acontecer quando há um cenário de incerteza.
Hoje, as dúvidas são provocadas pela eleição presidencial”, diz
Paulo Corchaki, diretor de investimentos do banco UBS. A maioria dos
economistas acredita que, qualquer que seja o resultado das
eleições, o câmbio deverá desvalorizar até o fim de 2015, devido ao
aumento do déficit externo.
A projeção média é que o dólar feche o próximo ano em 2,50 reais, o
que representa queda de 10% em relação à cotação atual. Mas vai
saber como o câmbio vai reagir ao novo governo — e, na dúvida, a
turma está comprando lá fora.
Uma parcela dos investidores diz estar mandando recursos para o
exterior por temer que as condições econômicas piorem no Brasil. Na
conta deles, está o risco de reajustes de tarifas e preços como o
dos combustíveis, que estão defasados cerca de 11% em relação aos
preços internacionais do petróleo pagos pela Petrobras na
importação.
Há ainda os alarmistas, que temem que o novo governo eleve impostos
sobre investimentos ou limite remessas para o exterior. Os
executivos de mercado disseram que não viam essa “apreensão” entre
os investidores desde a primeira eleição do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, em 2002.
Na época, o movimento foi muito mais intenso: os investidores
mandaram cerca de 9 bilhões de dólares para fora do país, o dólar
bateu os 4 reais e o Ibovespa caiu 17% em 12 meses (neste ano, o
índice está subindo 16%).
Mas vale olhar também o que está acontecendo lá fora. Além do medo
do que pode se passar por aqui, o interesse dos investidores em
aplicar no exterior se deve ao bom desempenho de vários mercados. A
bolsa de Nova York subiu 79% em cinco anos, e a do Japão, 48%,
enquanto o Ibovespa valorizou só 3,5%.
Desde dezembro de 2009, o preço de imóveis nas 20 maiores cidades
dos Estados Unidos aumentou quase 20%. Os juros pagos pelos governos
de países europeus, como Espanha, França e Itália, caíram
drasticamente desde a crise de dois anos atrás — quem apostou na
queda ganhou muito dinheiro.
Na tentativa de abocanhar parte desses ganhos, dezenas de fundos
multimercados brasileiros passaram a comprar ações e títulos no
exterior, mantendo os recursos dos cotistas no país (só em 2013, o
patrimônio desses fundos aumentou cinco vezes, para 3 bilhões de
reais, segundo a consultoria Risk Office).
Está tudo muito bem até agora, mas o risco parece alto olhando à
frente. A dúvida é se essa alta de preços em muitos desses mercados
é sustentável ou se tem sido inflada pelos juros baixíssimos
praticados nos países desenvolvidos.
É bolha?
Cada vez mais analistas estão apostando na segunda opção: o BIS, o
banco central dos bancos centrais, vem alertando em artigos — o
último deles publicado em junho — para a formação de bolhas
financeiras em diversos países.
Os bancos e as assessorias consultados recomendam que seus clientes
endinheirados apliquem no exterior uma pequena parcela do
patrimônio, entre 10% e 15% do total. O objetivo, dizem, é
diversificar riscos. Atualmente, a principal indicação é aplicar em
fundos de ações que invistam nas bolsas dos Estados Unidos e da
Europa, que podem ganhar com a esperada retomada da economia.
Os especialistas também recomendam imóveis, principalmente os
comerciais, que podem ser alugados e dar um rendimento mensal. O
banco Santander montou uma área para assessorar seus clientes nisso,
e o Credit Suisse, o HSBC e o Itaú estão vendendo fundos
imobiliários nos Estados Unidos e na Europa.
Para quem prefere a renda fixa, o conselho é investir nos países
desenvolvidos, porque o risco é menor, mas procurar opções que
rendam mais do que os títulos públicos, com suas taxas próximas de
zero. As alternativas são papéis de empresas sem grau de
investimento e fundos que apostam na alta dos juros nos Estados
Unidos e estão ganhando dinheiro.
O rendimento não é nenhuma maravilha — tem ficado em torno de 5% ao
ano —, mas pode fazer sentido para quem está querendo dar um tempo
no risco Brasil.
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