O elo entre os escândalos do mensalão e da Petrobras
Empresário conta à polícia como o
ex-deputado José Janene, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e
o doleiro Alberto Youssef levaram para a estatal parte do esquema do
mensalão
Os dois períodos de Lula na Presidência foram marcados por crescimento
econômico, disseminação de programas sociais – e também por dois grandes
escândalos de corrupção. No primeiro mandato, reinou o mensalão. Ele
acabou na prisão de seus principais operadores e articuladores, depois
de julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No segundo
mandato – soube-se nos últimos meses, por meio de investigações da
Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) –, floresceu
um esquema de pagamento de propina em troca de contratos bilionários com
a Petrobras, esquema que continuou durante o governo de Dilma Rousseff.
Neste momento, as autoridades investigam a conexão entre os dois
escândalos. Já se sabia que parte da estrutura financeira do mensalão
fora usada no esquema da Petrobras. As últimas investigações vão além da
questão financeira e se debruçam sobre os personagens comuns aos dois
enredos. O ex-deputado federal José Janene (que morreu em 2010), o
doleiro Alberto Youssef e o executivo Paulo Roberto Costa aparecem no
mensalão e no esquema da Petrobras.
ELO O ex-deputado José Janene, que morreu em 2010. Em depoimento, o empresário Hermes Magnus afirma que o esquema de propina da Petrobras foi uma “extensão do mensalão” |
Um depoimento dado no dia 22 de julho deste ano, ajuda a detalhar o
papel dos atores que participaram dos dois esquemas. O autor do
depoimento é o empresário Hermes Freitas Magnus, de 43 anos. Ele
reafirma a participação do mensaleiro Janene – deputado do PP que, em
troca de apoio político, embolsou R$ 4,1 milhões do mensalão petista –
como figura central que liga os dois escândalos. Magnus foi sócio de
Janene – e, segundo diz no depoimento, frequentava sua casa e ouvia
confidências dele. Segundo Magnus, o esquema da Petrobras “era a
extensão do mensalão, um cala-boca para que (Janene) permanecesse
quieto”. Janene sempre dizia, segundo o depoimento de Magnus, que
poderia “derrubar Lula”, porque sabia do esquema do PT tanto quanto o
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado por corrupção (assista
ao trecho no vídeo).
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Segundo Magnus, na hierarquia dos dois esquemas, Janene estava acima do
doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras
Paulo Roberto Costa. De acordo com o depoimento de Carlos Alberto
Pereira da Costa, advogado de Youssef, foi Janene quem apresentou
Youssef a Paulo Roberto. O trio operou junto em dois momentos. Youssef
ajudou Janene a lavar o dinheiro do mensalão. Ainda no primeiro mandato
de Lula, Janene indicou Paulo Roberto à Diretoria de Abastecimento da
Petrobras. No segundo mandato de Lula, os três operaram juntos no
esquema da Petrobras. Investigações da Operação Lava Jato revelam que
Youssef intermediava pagamento de propina na estatal. Por meio de
empresas de fachada, Youssef recebia dinheiro de empreiteiras
interessadas em assinar contratos com a Petrobras. Usando um emaranhado
de depósitos bancários feitos por laranjas, fazia o suborno chegar a
Paulo Roberto, o homem que tinha a caneta para fazer as contratações –
e, agora preso, começa a entregar os participantes do esquema. Enquanto
isso, Janene, por ser guardião dos segredos do PT, ganhava espaço na
Petrobras. Ele continuou como deputado apenas no início do segundo
governo Lula. Por causa de uma doença no coração, Janene arrancou em
2007 uma aposentadoria por invalidez na Câmara dos Deputados, embora já
respondesse à acusação de receber dinheiro do mensalão. Continuou ativo
na política, agindo nos bastidores.
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O relato que Magnus fez à Justiça Federal revela o grau de influência
dele na Petrobras. “Lá, mando eu”, costumava dizer Janene, conforme o
relato de Magnus – embora houvesse outros partidos e esquemas na
Petrobras. “Alguns deputados federais queriam falar com diretores da
Petrobras sem a intervenção de José Janene, e não conseguiam. Então,
entravam em contato com Janene pelo telefone”, afirmou Magnus. Ele disse
ainda que presenciou uma performance debochada de Janene ao telefone.
Ele ironizava um parlamentar que tentara contato sem sua ajuda. “E aí, a
espera tá grande?” Segundo Magnus, Janene tinha “acesso livre” e
intermediava negócios entre a Petrobras e empresas de grande porte, como
as construtoras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. Ele não deu detalhes
que possam identificar que tipos de contrato seriam ou se houve algum
tipo de ilegalidade. Procurada, a construtora Queiroz Galvão afirmou que
não há “irregularidades nem ilegalidades” em seus contratos, que são
negociados “dentro das regras estabelecidas pela legislação e sem a
intermediação de terceiros”. A Camargo Corrêa disse que só presta
serviços à Petrobras por meio de licitações públicas.
SEGUNDO ESCALÃO O doleiro Alberto Youssef. De acordo com Hermes Magnus, ele estava um degrau abaixo de Janene na hierarquia do esquema |
Magnus começou a contar o que sabia à Polícia Federal ainda em 2009,
quando o escândalo de corrupção na Petrobras ainda era desconhecido.
Concluiu a história com riqueza de detalhes no depoimento de julho
passado. Ele parece ter credenciais para falar. A Operação Lava Jato
teve início justamente a partir da investigação sobre um negócio de
Magnus com Janene. De acordo com o MPF, Janene lavou dinheiro do
mensalão ao investir parte da quantia recebida na Dunel Indústria e
Comércio, fabricante de componentes eletrônicos que pertencia a Magnus.
Janene usou a empresa de fachada CSA Project Finance, uma sociedade
mantida pelo doleiro Youssef, para aplicar R$ 1,16 milhão dos R$ 4,1
milhões que ganhara no mensalão na Dunel. Isso ocorreu em julho de 2008.
Era mais um golpe aparentemente perfeito idealizado por Janene. Magnus
tinha as características de vítima ideal para operadores experientes do
mercado negro. Sua firma de eletrônicos automotores precisava de
dinheiro para crescer, e ele buscava um investidor. Janene e Youssef
estavam atrás de uma oportunidade para esquentar dinheiro frio de
corrupção. O primeiro encontro com Magnus foi em junho de 2008, na sede
da CSA, em bairro nobre de São Paulo. Acompanhado de Youssef, o afável
Janene – já ex-deputado – chegou abraçando afetuosamente o futuro sócio,
ou melhor, a futura vítima. O doleiro e o mensaleiro traziam soluções
rápidas e práticas, quase um sonho para quem precisava de uma injeção de
capital. “Olha, podemos viabilizar seu negócio: se quiser dinheiro do
Estado do Espírito Santo para cima, tenho a opção do Banco do Nordeste.
Se não quiser se meter com banco, temos uma solução mais tranquila, um
recurso nosso. Se quiserem, coloco 1 milhão de início”, disse Janene.
As imagens do depoimento obtidas mostram que, no momento em que Magnus
conta essa história, Youssef senta-se ao lado do advogado dele e,
apontando para Magnus, reclama: “Ele está mentindo, ele é mentiroso”. O
juiz Sérgio Moro, que ouvia Magnus, interrompe Youssef. Ele só se cala
quando é ameaçado por Moro de ser retirado da sala. Em pouco tempo,
Magnus foi alijado da Dunel e virou, como ele mesmo se definiu, uma
espécie de zumbi na firma. Os equipamentos encomendados não chegavam, e a
produção emperrava. Ao consultar um advogado, Magnus descobriu que
estava no meio de uma trama de lavagem de dinheiro. Resolveu procurar a
PF para contar o que sabia. Afirma que Janene o ameaçou de morte e que,
na época, um incêndio misterioso destruiu uma casa dele.
Youssef, mais uma vez, se deu bem. Lavou o dinheiro para Janene e, ainda
naquele ano de 2008, estreitou relações com Paulo Roberto, o executivo
dos grandes contratos da Petrobras. Mal se livrara de uma condenação a
sete anos de reclusão graças a uma delação premiada, Youssef reincidia
em sua especialidade, a lavagem de dinheiro. Tinha o amigo e sócio
Janene como cliente. Juntos, tinham um hotel, uma agência de viagens em
Londrina e uma locadora de automóveis. A proximidade da dupla ia além
dos negócios. Os dois se visitavam e se tratavam pelos títulos de
compadre e padrinho. “Youssef chegava à casa de Janene e era padrinho
pra cá, padrinho pra lá... Compadre pra cá, compadre pra lá. E era muito
íntimo na lida das coisas”, afirmou Magnus à Justiça Federal. Numa
dessas reuniões, Janene prometeu pagar o que chamou de “lua de mel” na
Europa para Youssef e a mulher. Em seguida, explicou a ele o motivo da
generosidade: “Ela só não pode pensar que você vai fazer aqueles câmbios
para mim na França. Não deixe ela sonhar que você está fazendo isso”.
DEBOCHE O empresário Hermes Magnus. Segundo ele, Janene zombava de deputados que procuravam diretores da Petrobras sem sua intermediação |
Os desvios de dinheiro por meio de contratos superfaturados na Petrobras
identificados até agora ocorreram de 2009 a 2014. A morte de Janene por
infarto, na fila do transplante de coração, em 2010, não interrompeu a
afinada e conveniente parceria entre Youssef e Paulo Roberto. Ao
contrário, os laços ficaram ainda mais estreitos. Durante a Operação
Lava Jato, a PF interceptou e-mails recebidos por Youssef. Uma das
mensagens veio de um ressentido João Claudio Genu, ex-chefe de gabinete
de Janene e um dos condenados do mensalão. Genu expressava seu
“inconformismo” com a aproximação de Youssef e Paulo Roberto.
Aparentemente, àquela altura, o doleiro e o diretor da Petrobras tinham
estabelecido uma linha direta, sem intermediários, e Genu perdera seu
quinhão no esquema. Paulo Roberto se tornara milionário. A Justiça
descobriu que ele mantinha R$ 51,3 milhões em 12 contas secretas na
Suíça.
O depoimento de Magnus reitera uma conclusão: o mensalão e o escândalo
da Petrobras são dois esquemas distintos, mas com métodos, causas e
consequências semelhantes. A causa é o fisiologismo: garantir apoio no
Congresso usando cargos que deveriam ser preenchidos por critérios
estritamente técnicos. O método: desvio de dinheiro público para
financiar campanhas ou enriquecer os políticos envolvidos. A
consequência: corrupção. Com a descoberta do mensalão, em 2005, quando o
primeiro mandato de Lula se aproximava do fim, foi preciso assegurar a
fidelidade dos mesmos partidos – e dos mesmos políticos – ao governo do
PT. Com a reeleição de Lula, o governo continuaria a precisar de apoio
no Congresso. E o Congresso não mudara. As regras de Brasília também
não. Lula e o PT acomodaram-se às práticas políticas de sempre. E
distribuíram aos partidos da base os cargos que os políticos tanto
queriam. São aqueles que servem tão somente para gerar favores e
dinheiro, seja para campanhas, seja para o bolso de quem está no
esquema. Nenhum cargo era tão desejado pelos políticos quanto uma
diretoria na Petrobras, a mais rica e poderosa empresa do país. No
segundo mandato de Lula, a Petrobras, mais que qualquer outra estatal,
ocupou o vácuo deixado pelo mensalão.
Janene está morto, não pode mais ameaçar nem delatar ninguém. Parentes
seus são réus com Youssef na ação penal sobre a lavagem de dinheiro do
mensalão. Um deles é Meheidin Jenani, primo de Janene. Magnus, o
ex-sócio de Janene, afirma que Meheidin é especialista em assar
carneiros e ia constantemente do Paraná a Brasília para preparar
carneiros para a então ministra da Casa Civil, e hoje presidente Dilma
Rousseff. Procurado, Meheidin desconversou. A assessoria do Planalto
disse que Dilma Rousseff não conhece Meheidin, muito menos era fã de
carneiros preparados por ele.
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