Mercado de trabalho começa a desaquecer
Há sinais de esgotamento e corte de vagas em alguns segmentos
O economista austríaco Friedrich Hayek escreveu certa vez que quando se
usa o estado como ferramenta para estimular a criação de vagas, uma
série de desequilíbrios é desencadeada. O Brasil vive essa realidade. A
cantilena repetida à exaustão em época eleitoral é a de que o pleno
emprego que se vê hoje leva a assinatura dos governos petistas. O outro
lado da moeda é que os desequilíbrios criados pela política econômica da
gestão de Dilma Rousseff se tornam cada vez mais patentes e afetam não
só a renda dos brasileiros, mas também o mercado de trabalho. Com a
inflação no teto da meta, os juros começaram a subir e o emprego,
consequentemente, deu sinais de esgotamento. A criação de vagas com
carteira assinada em 2014 (até agosto) é a mais baixa desde 2002, início
da série histórica disponibilizada pelo Ministério do Trabalho. Apesar
da desaceleração, a taxa de desemprego mais recente, que remonta a
abril, está em 4,9% — um dos resultados mais baixos da história.
Especialistas explicam que a menor geração de postos só não impactou a
taxa de desemprego porque a oferta de mão de obra diminuiu: passou de
24,32 milhões em abril do ano passado para 24,11 milhões no mesmo mês
deste ano, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que leva em conta
as seis maiores regiões metropolitanas do país.
Levantamento feito pelo economista Hélio Zylberstajn, da Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com base na PME, mostra outro
fator estatístico que impede o aumento da taxa de desocupação. O estudo
constata que, entre abril do ano passado e deste ano, 528 mil
brasileiros em idade ativa preferiram não trabalhar. Esse número é
equivalente à população de uma cidade como Ribeirão Preto (SP). No
jargão econômico, esses brasileiros são conhecidos como ‘nem-nem’:
aqueles que não estudam, nem trabalham. De acordo com o cálculo de
Zylberstajn, se estivessem trabalhando, a taxa de desemprego saltaria
dos 4,9% atuais para 7%. “Ao retornarem para um mercado de trabalho
desaquecido, procurando emprego, esses indivíduos devem engordar as
estatísticas de desemprego. A tendência é que não preencham novas vagas,
que agora estão mais escassas”, alerta o economista e professor da
Universidade de São Paulo (USP), José Paulo Chahad.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram
que, em 2014, alguns segmentos já registram mais demissões do que
contratações. É o caso do Comércio, que fechou mais de 6 mil vagas nos
oito primeiros meses deste ano. Não à toa, justamente o setor varejista,
que foi o que mais cresceu durante o boom econômico dos últimos anos, é
a ponta mais sensível à variação no bolso da população. Com a inflação
acima do teto da meta (de 6,5% ao ano) e os juros em seu maior patamar
desde 2011 (11% ao ano), a renda se arrefece e o consumo titubeia. Neste
exemplo enxerga-se a teoria de Hayek de forma clara. Ele defende que
políticas de governo que estimulam o consumo trazem dois resultados: o
aumento do emprego em determinados setores e o avanço da inflação. Mas,
quando medidas anti-inflacionárias são aplicadas, como é o caso do
aumento dos juros, esses mesmos empregos são fechados. "Quanto mais a
inflação durar, maior será o número de trabalhadores cujas vagas
dependerão da continuidade da inflação", diz o economista austríaco em
seu livro Full Employment at Any Price (Pleno Emprego a Qualquer Preço,
em tradução livre).
Outro setor que vinha sendo a âncora do mercado de trabalho nos últimos
anos é o de Serviços, que criou 490 mil vagas até agosto deste ano, 65%
do total. Em 2010, esse número era de 1 milhão. No setor industrial, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta queda de
2,6% no emprego até julho deste ano, o que equivale ao fechamento de 11
mil vagas. “Como a indústria representa apenas 15% do emprego total,
mesmo com as demissões, o nível de emprego ainda não foi afetado. Mas,
do ponto de vista qualitativo, é um desastre, porque os melhores
empregos estão na indústria”, afirma Zylberstajn, da Fipe.
Um indicador que inspira os economistas a projetarem taxa de desemprego
superior a 7% no ano que vem é o investimento. No primeiro semestre, a
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede o peso dos investimentos
na economia brasileira, acumula queda de 6,8% em relação a 2013. Não à
toa, a economia está em recessão técnica no primeiro semestre — e não
são poucos os analistas que já projetam o encolhimento do PIB no
consolidado do ano. “O investimento de hoje é o emprego de amanhã. E, se
o investimento continuar baixo, do jeito que está, mesmo com todo o
benefício demográfico que temos, a taxa de desemprego não vai permanecer
baixa”, afirma o economista José Pastore, da Universidade de São Paulo
(USP).
Diante da situação de alerta, o governo, em vez de mergulhar num
exercício de autocrítica para descobrir como reverter os muitos erros
cometidos, insiste no discurso de que “tudo vai bem, obrigado”. Após a
divulgação dos dados do Caged, o ministro do Trabalho, Manoel Dias,
afirmou que o Brasil “é campeão na geração de empregos” e que os
resultados de setembro e outubro serão ótimos. "Todo o conjunto da
economia está em recuperação e o emprego faz parte", disse. Dias afirmou
que o Brasil terá um saldo de criação de 1 milhão de vagas este ano – o
que seria, na série com ajustes, o pior resultado desde 2003, o
primeiro ano do governo Lula. O problema é que os economistas esperam
menos que isso. Segundo Zylberstajn, pelo menos 450 mil vagas serão
fechadas em dezembro por fatores sazonais. “O resultado de 2014 será
pífio. Mas ainda não se pode afirmar que será negativo”, diz o
economista.
Para que haja uma criação sustentável de vagas, é preciso investimentos
pesados em educação e inovação, além da abertura do mercado para
estimular a concorrência entre as empresas e melhorar, assim, a
produtividade. E justamente nesta segunda etapa mora o erro do governo
petista: a inovação foi relegada a último plano e o protecionismo da
indústria tornou-se a regra básica. Os efeitos negativos estão aí: o
setor recuou 2,6% em 2014, ainda que o governo negue a ineficácia de seu
modelo. Segundo dados do Relatório de Competitividade do Fórum
Econômico Mundial, um dos problemas mais graves do Brasil é sua
capacidade de inovar. Num ranking de 144 nações, o país, que é a sétima
maior economia do mundo, ocupa a 62ª posição em Inovação. Em
produtividade no trabalho, está em 109º.
Todos os políticos que chegam ao Palácio do Planalto desejam que seus
governos sejam marcados pela criação de emprego. O que os difere é o
caminho que adotam para alcançar tal objetivo. Há os que criam um bom
ambiente regulatório e concorrencial para que floresça o
empreendedorismo, o investimento, a inovação e, por consequência, a
criação de vagas. Outra opção é usar o estado como indutor do consumo e
intervir em setores escolhidos a dedo para beneficiá-los, não importando
os desequilíbrios que as políticas possam criar. Esse foi o caminho
escolhido pela presidente Dilma. O desempenho econômico ruim e a
desaceleração do emprego deixam claro que essa escolha não é
sustentável. Caso Dilma não se reeleja, o governo que se iniciará em
2015 terá a missão árdua de rever os erros e buscar o equilíbrio
estrutural. Para que se alcance esse objetivo, o emprego nos setores
beneficiados ao longo dos últimos anos pode ser sacrificado num primeiro
momento. A profundidade desse impacto só será conhecida, no entanto,
quando também vier à luz o tamanho do problema econômico criado pela
equipe da presidente. Quanto antes o bom caminho for retomado, melhor.
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