Decidindo com a fé
Evangélica desde o fim da década de
90, Marina Silva costuma recorrer à Bíblia para tomar decisões
em momentos difíceis, como quando virou vice de Campos
Marina Silva e seu vice, Beto Albuquerque, ao sair do edifício da candidata, em São Paulo. |
Em momentos difíceis, a presidenciável Marina Silva (PSB) costuma
recorrer em seu processo decisório à orientação de uma companheira
que esteve ao seu lado em boa parte de seus 56 anos de vida, a
Bíblia.
Católica que quase se tornou freira na adolescência, ela
converteu-se à fé evangélica no fim da década de 1990. Adotou o
pentecostalismo, corrente que professa a intervenção direta do
Espírito Santo na vida das pessoas, após receber de médicos "a
terceira sentença de morte" devido a problemas de saúde.
Curada, segundo diz, graças a uma mensagem divina, Marina Silva é,
desde 2004, missionária da Assembleia de Deus do Plano Piloto (Novo
Dia), na capital federal. Antes, pertenceu à Assembleia Bíblica da
Graça, de Brasília.
Em pelo menos dois momentos serviu-se da chamada "roleta bíblica"
para tomar decisões. Trata-se de uma escolha aleatória de versículos
das escrituras para obter orientação espiritual.
Uma delas, conforme um auxiliar próximo, foi na madrugada de 4 de
outubro de 2013, horas antes de surpreender o mundo político com o
anúncio da adesão ao projeto presidencial de Eduardo Campos (PSB).
O então governador de Pernambuco, morto em um acidente aéreo no
último dia 13 de agosto, também relatou, na ocasião, que a união
decorrera de uma inspiração bíblica.
A outra experiência é descrita em sua biografia autorizada, "Marina,
a Vida por uma Causa", de Marília de Camargo César (Editora Mundo
Cristão, 2010).
Antes de concordar com o livro, Marina precisou "ouvir a opinião de
outra pessoa". "Levantou-se do sofá e foi buscar uma Bíblia",
descreveu a autora. O aval para o projeto veio após "um recado
pessoal de Deus", expresso no salmo obtido na abertura aleatória.
"Ela, para tomar uma decisão, santo Deus, demora, porque, além de
consultar a terra, ela tem que consultar o céu. Tem de ouvir todo
mundo, aí amadurece", afirma a pastora Valnice Milhomens, da Igreja
Nacional do Senhor Jesus Cristo, amiga de oração há mais de uma
década. "Ela nunca [misturou fé e política], não faz parte da
bancada evangélica."
Apesar da forte religiosidade, Marina sofre resistência de setores
da igreja por não se posicionar firmemente em questões como aborto e
casamento gay. Entretanto, desidratou sua proposta para a comunidade
LGBT em meio a críticas do pastor Silas Malafaia na internet no
sábado (30 de agosto).
Nos tempos de ministra do Meio Ambiente (2003-2008), além de
frequentar cultos junto a servidores nas dependências do ministério,
costumava levar pastores para orar pelo então presidente Lula.
Sobre o acidente de Eduardo Campos, atribuiu à "providência divina"
o fato de não ter embarcado no avião.
REVELAÇÃO
A relação de Marina com a religião começou no catolicismo, pelas mãos da avó paterna, quando vivia no paupérrimo seringal Bagaço (AC), a 70 km de Rio Branco.
A relação de Marina com a religião começou no catolicismo, pelas mãos da avó paterna, quando vivia no paupérrimo seringal Bagaço (AC), a 70 km de Rio Branco.
Vítima seguidas vezes de malária, hepatite, leishmaniose e
contaminação por metais pesados (como mercúrio) que a levam até hoje
a ter uma dieta bastante restrita, a presidenciável diz ter tido a
epifania que a levaria a se tornar evangélica após mais um problema
de saúde, em 1997.
Foi seu médico quem a colocou em contato telefônico com um jovem
pastor da Assembleia de Deus, André Salles. "Achava que aquilo era
uma coisa fora do prumo para um médico", relatou Marina em um vídeo
de pregação disponível na internet. "Aí o pastor André falou para
mim: Olha, eu tenho o dom de revelação do Espírito Santo'."
O pastor André Salles hoje está em uma igreja de São Paulo, a
Plenitude do Trono de Deus, que tem como um de seus principais
pregadores convidados o deputado Marco Feliciano (PSC-SP),
protagonista de polêmicas com ativistas LGBT na Comissão de Direitos
Humanos.
Marina então se converteu à Assembleia de Deus e, dois anos depois,
ainda doente, disse ter tido uma revelação divina na fila da unção
para os enfermos da igreja.
Veio à sua mente as letras "DMSA". Lembrou-se mais tarde se tratar
de um remédio dos EUA que se recusara a tomar anos antes. Ela tomou
a droga, e o mercúrio em seu corpo foi reduzido.
O atual pastor presidente da igreja de Marina, Hadman Daniel, afirma
que a ex-senadora não precisa de guia espiritual. "Ela tem o
relacionamento dela com Deus, ela conhece Deus."
Segundo ele, Marina recorre à igreja em momentos difíceis, como
quando aceitou ser vice de Campos e quando um incêndio se abateu
sobre a região Norte ainda na gestão dela no ministério. "Nós
oramos. Choveu no mesmo dia, em um tempo que não era de chuva",
conta Daniel.
FÉ SEM FINS POLÍTICOS
Não uso minha fé com fins políticos, afirma candidata
A candidata Marina Silva afirmou, por meio de sua assessoria de
imprensa, que nunca instrumentalizou sua fé com fins políticos.
"Não faço de palanques púlpitos nem de púlpitos, palanques. Minhas
decisões políticas são elaboradas, discutidas e implementadas nos
espaços da institucionalidade da política. [...] Nunca
instrumentalizei minha crença religiosa para um fim político."
Marina afirmou ainda que, para as pessoas de fé, "a vida é uma
oração, um processo constante e intenso de relacionamento com Deus".
Acrescentou: "Para os cristãos de qualquer corrente teológica, a
Bíblia é a base de sua fé. O exercício da fé é um direito de ordem
pessoal, assegurado pela Constituição do Brasil. Apenas aqueles que
se pautam pela intolerância religiosa encaram esse direito como
elemento que conspira contra o Estado laico e o Estado de Direito".
Ela também argumenta que mesmo "o presidente tem direito de
vivenciar espaços de sua vida num ambiente restrito à sua
pessoalidade sem a obrigatoriedade de compartilhar essa experiência
com a chamada opinião pública".
Ela ressaltou que Eduardo Campos também era um homem de fé. "Esse
elemento de sua persona era mais um dos tantos dos quais tínhamos
grande identidade. Atribuir-lhe agora a autoria de uma declaração
sobre nosso relacionamento, sem que ele tenha o direito de
confirmá-la ou refutá-la, é um desrespeito à sua memória."
Aliados de Marina afirmam ainda que foi Lula quem chamou pastores
evangélicos para orar por ele no Planalto, durante a crise do
mensalão.
PROGRAMA DE GOVERNO DO PSB
Vice diz que houve 'vacilo' em proposta sobre casamento
gay
O candidato a vice na chapa de Marina Silva (PSB), Beto Albuquerque
(PSB), disse que houve "exagero" e "vacilo" da coordenação do
programa de governo na inclusão de propostas como o casamento civil
gay e a criminalização da homofobia.
Segundo ele, as propostas estão fora da alçada do Executivo, cabendo
ao Congresso Nacional legislar sobre o assunto.
"O exagero e o vacilo da nossa coordenação de programa foi
estabelecer compromisso com aquilo que só o Parlamento pode fazer.
Não há recuo", disse o deputado.
Divulgado na sexta-feira (29 de agosto), o programa de governo
defendia o apoio a propostas legislativas em defesa do casamento
civil igualitário entre pessoas de mesmo sexo e fazia menção à
aprovação do projeto que criminaliza a homofobia. No dia seguinte, o
texto foi alterado e o partido emitiu uma nota.
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