Portugal - recuperação incerta em clima de devastação e descrença
Carlos Fino |
No final do passado mês de maio, Portugal saiu oficialmente do plano de
resgate financeiro internacional no montante de 78 mil milhões de euros a
que esteve submetido nos últimos três anos.
O governo e as instituições internacionais que concederam o crédito, a
chamada “troika” – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central
Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE) – falam de êxito. E para reforçar
a confiança dos mercados, prescindiram inclusive de estabelecer - como
muitos prudentemente recomendavam - qualquer programa cautelar.
Puxada pelo turismo e pelas exportações, a economia apresenta, é certo,
desde 2013, alguns tímidos sinais de recuperação e o executivo voltou a
poder contrair empréstimos nos mercados internacionais a taxas de juro
mais baixas.
Mas a situação econômica e financeira do país está longe de se encontrar
consolidada. Enquanto o défice orçamental, graças a um brutal e
sufocante aumento de impostos, parece estar controlado (4,9% em 2013), a
dívida pública não para de aumentar. Foi de 129 % do PIB em 2013 e
atingiu, no primeiro trimestre deste ano, os 132,9% , muito acima dos
107,8% que registrava em 2011, primeiro ano de intervenção da “troika”!
Um dos principais objetivos do programa de resgate não só não foi
alcançado como a sua prossecução vai exigir do país esforços continuados
por muitos anos, comprometendo o seu desenvolvimento.
Por outro lado, mesmo estes parcos resultados foram conseguidos à custa
de um duríssimo programa de austeridade que fez retrair a economia numa
recessão sem precedentes e deixou atrás de si um quadro social
devastador: cortes substanciais de salários e pensões, com consequente
retração do consumo das famílias, redução das despesas do Estado com a
saúde, a educação e os serviços públicos em geral, baixa generalizada
dos apoios sociais, que conduziram ao aumento da pobreza, recorde de
falências e desemprego.
No primeiro trimestre de 2013, Portugal registrou a mais alta taxa de
desocupação de sempre - 17,7%, calculando-se que haja, entre declarados e
não declarados, mais de um milhão de pessoas sem trabalho. Este índice
recuou, no último trimestre do ano passado, para os 15,3%, e baixou de
novo nos primeiros meses deste ano, situando-se agora nos 14,3%.
Emigração volta ao nível dos anos 60
Mas esta evolução positiva ficou a dever-se em boa parte à emigração,
que subiu em flecha, voltando a atingir níveis idênticos aos da grande
vaga da década de 1960, ainda durante a ditadura de Salazar, quando
centenas de milhar desafiaram a proibição da lei atravessando
clandestinamente as fronteiras para fugir à miséria e às guerras
coloniais em África.
Em média, desde 2011, têm saído mais de 100.000 pessoas por ano, o que
equivale a dizer que de cinco em cinco minutos um português deixa o
país!
Com a agravante de que, desta vez, não saem apenas as pessoas menos
qualificadas, mas também – cerca de 20% - muitos jovens com diploma. Os
quadros que, nas últimas décadas, Portugal formou, vão agora contribuir,
a custo zero, para o desenvolvimento de outros países. Uma verdadeira
hemorragia que traduz a falta de confiança no futuro.
A palavra solidariedade praticamente desapareceu do léxico oficial,
sucedendo-se as medidas socialmente gravosas, numa cavalgada desenfreada
de opções neo-liberais, de acordo com a velha receita aplicada nos anos
80 na América Latina, que os brasileiros tão bem conhecem.
A legislação laboral foi alterada no sentido de facilitar o despedimento
e as regras tornaram-se mais desfavoráveis para quem perde o seu posto
de trabalho. Pior - do total de desempregados, mais de metade não recebe
qualquer subsídio!
As desigualdades sociais acentuam-se e apesar do limiar da pobreza ter
baixado devido à quebra generalizada dos rendimentos, a taxa de pobreza
em Portugal é hoje uma das mais elevadas da União Europeia. Sem os
apoios sociais (incluindo pensões), cerca de metade da população estaria
na pobreza. E mesmo depois das transferências, continuam pobres entre
18% a 19%, ou seja, um total entre 1,7 a 1,8 milhões de pessoas.
O sonho de progressiva convergência com a Europa, que nos anos 90
parecia poder concretizar-se, recuou dramaticamente no horizonte e hoje
mais parece uma longínqua miragem.
Preso nas malhas do euro, a moeda única europeia, impossibilitado de
recorrer à desvalorização para relançar a economia como sempre fazia no
passado, Portugal depende mais do que nunca dos seus parceiros e de uma
eventual atenuação da austeridade draconiana até agora imposta pela
Alemanha com mão de ferro.
Até que isso aconteça e os tímidos sinais de recuperação eventualmente
se consolidem, com o regresso do crescimento econômico, o sentimento
generalizado é de cansaço e descrença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário