terça-feira, 8 de julho de 2014


Portugal - recuperação incerta em clima de devastação e descrença

Carlos  Fino
No final do passado mês de maio, Portugal saiu oficialmente do plano de resgate financeiro internacional no montante de 78 mil milhões de euros a que esteve submetido nos últimos três anos.
O governo e as instituições internacionais que concederam o crédito, a chamada “troika” – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE) – falam de êxito. E para reforçar a confiança dos mercados, prescindiram inclusive de estabelecer - como muitos prudentemente recomendavam - qualquer programa cautelar.
Puxada pelo turismo e pelas exportações, a economia apresenta, é certo, desde 2013, alguns tímidos sinais de recuperação e o executivo voltou a poder contrair empréstimos nos mercados internacionais a taxas de juro mais baixas.


Mas a situação econômica e financeira do país está longe de se encontrar consolidada. Enquanto o défice orçamental, graças a um brutal e sufocante aumento de impostos, parece estar controlado (4,9% em 2013), a dívida pública não para de aumentar. Foi de 129 % do PIB em 2013 e atingiu, no primeiro trimestre deste ano, os 132,9% , muito acima dos 107,8% que registrava em 2011, primeiro ano de intervenção da “troika”!
Um dos principais objetivos do programa de resgate não só não foi alcançado como a sua prossecução vai exigir do país esforços continuados por muitos anos, comprometendo o seu desenvolvimento.
Por outro lado, mesmo estes parcos resultados foram conseguidos à custa de um duríssimo programa de austeridade que fez retrair a economia numa recessão sem precedentes e deixou atrás de si um quadro social devastador: cortes substanciais de salários e pensões, com consequente retração do consumo das famílias, redução das despesas do Estado com a saúde, a educação e os serviços públicos em geral, baixa generalizada dos apoios sociais, que conduziram ao aumento da pobreza, recorde de falências e desemprego.
No primeiro trimestre de 2013, Portugal registrou a mais alta taxa de desocupação de sempre - 17,7%, calculando-se que haja, entre declarados e não declarados, mais de um milhão de pessoas sem trabalho. Este índice recuou, no último trimestre do ano passado, para os 15,3%, e baixou de novo nos primeiros meses deste ano, situando-se agora nos 14,3%.

Emigração volta ao nível dos anos 60
Mas esta evolução positiva ficou a dever-se em boa parte à emigração, que subiu em flecha, voltando a atingir níveis idênticos aos da grande vaga da década de 1960, ainda durante a ditadura de Salazar, quando centenas de milhar desafiaram a proibição da lei atravessando clandestinamente as fronteiras para fugir à miséria e às guerras coloniais em África.


Em média, desde 2011, têm saído mais de 100.000 pessoas por ano, o que equivale a dizer que de cinco em cinco minutos um português deixa o país!
Com a agravante de que, desta vez, não saem apenas as pessoas menos qualificadas, mas também – cerca de 20% - muitos jovens com diploma. Os quadros que, nas últimas décadas, Portugal formou, vão agora contribuir, a custo zero, para o desenvolvimento de outros países. Uma verdadeira hemorragia que traduz a falta de confiança no futuro.
A palavra solidariedade praticamente desapareceu do léxico oficial, sucedendo-se as medidas socialmente gravosas, numa cavalgada desenfreada de opções neo-liberais, de acordo com a velha receita aplicada nos anos 80 na América Latina, que os brasileiros tão bem conhecem.
A legislação laboral foi alterada no sentido de facilitar o despedimento e as regras tornaram-se mais desfavoráveis para quem perde o seu posto de trabalho. Pior - do total de desempregados, mais de metade não recebe qualquer subsídio!


As desigualdades sociais acentuam-se e apesar do limiar da pobreza ter baixado devido à quebra generalizada dos rendimentos, a taxa de pobreza em Portugal é hoje uma das mais elevadas da União Europeia. Sem os apoios sociais (incluindo pensões), cerca de metade da população estaria na pobreza. E mesmo depois das transferências, continuam pobres entre 18% a 19%, ou seja, um total entre 1,7 a 1,8 milhões de pessoas.
O sonho de progressiva convergência com a Europa, que nos anos 90 parecia poder concretizar-se, recuou dramaticamente no horizonte e hoje mais parece uma longínqua miragem.
Preso nas malhas do euro, a moeda única europeia, impossibilitado de recorrer à desvalorização para relançar a economia como sempre fazia no passado, Portugal depende mais do que nunca dos seus parceiros e de uma eventual atenuação da austeridade draconiana até agora imposta pela Alemanha com mão de ferro.
Até que isso aconteça e os tímidos sinais de recuperação eventualmente se consolidem, com o regresso do crescimento econômico, o sentimento generalizado é de cansaço e descrença.

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