A questão agora é de “governabilidade”
O vocábulo governabilidade tornou-se uma assombração para Jair
Bolsonaro. Nos seus pesadelos raposas da política se juntam para apoiar o
seu governo. Depois, mandam pendurar uma tabuleta na porta: “Base
Aliada”. Para o capitão, já ficou demonstrado que esse tipo de arranjo
passou a dar cadeia no Brasil. Daí dizer que não lhe passa pela cabeça
desperdiçar os seus dias jogando dominó com Lula e Temer atrás das
grades.
Resta responder: como governar? Ao atravessar na traqueia de Bolsonaro
as emendas de bancada impositivas, a banda fisiológica da Câmara exibiu
sua musculatura. Com seus interesses maldisfarçados atrás do apoio a
Rodrigo Maia na troca de caneladas do presidente da Câmara com a família
Bolsonaro, a turma do balcão está assanhada. Respira-se em certas
bancadas uma atmosfera conhecida.
Os partidos pedem, eles reivindicam, eles exigem. Desatendidos, eles
adotam a velha tática do 'levanta-que-eu-corto'. Recusando-se a saciar
os apetites, Bolsonaro receberá novos trocos. Quando o capitão der por
si, os votos do centrão estarão gritando 'NÃO' no painel eletrônico da
Câmara, quiçá do Senado. Vem aí a votação da medida provisória que
reestruturou o organograma do governo: a redução do número de
ministérios de 22 para 15. Ela se presta às piores maldades.
Não é que Bolsonaro esteja se recusando a encostar o estômago no balcão.
O problema é que a mercadoria que ele ofereceu — um conta-gotas de
emendas orçamentárias e cargos federais mixurucas nos Estados — não
saciou os apetites das raposas da política. A fome aumenta na proporção
direta da diminuição dos índices de popularidade do presidente.
Para complicar, Bolsonaro não é visto no zoológico como avis rara. Ao
contrário. Os ministros suspeitos, o laranjal do PSL, as encrencas do
primogênito Flávio Bolsonaro levam a ala gulosa do Legislativo a chamar o
presidente de “um dos nossos”.
Num cenário assim, ou Bolsonaro negocia ou a reforma da Previdência pode
virar suco. A história recente demonstra que ignorar o pedaço
fisiológico do Congresso pode não ser um bom negócio. Bem alimentada,
essa turma fornece estabilidade congressual. Submetida a dietas
forçadas, desestabiliza o que vê pela frente. Dilma Rousseff, como
Bolsonaro, fez cara de nojo. Caiu. Michel Temer entregou todas as
vantagens que o déficit público pode pagar. E sobreviveu a duas
denúncias criminais.
Na quinta-feira, 28.mar.2019, Bolsonaro tratou como 'chuva de verão' seu
arranca-rabo com Maia. “O sol está lindo. O Brasil está acima de nós.
Da minha parte não há problema nenhum. É página virada.” As palavras do
presidente foram recebidas pelos líderes partidários não como um
armistício, mas como conversa fiada. Os 28 anos de mandato fizeram de
Bolsonaro um personagem manjado na Câmara. Ali, sabe-se que o capitão
costuma virar a página para trás. Prefere os temporais às chuvas de
verão. Avalia-se que Bolsonaro não demora a disparar novos raios.
Se quiser fugir da bifurcação que condena os presidentes à queda ou à
cumplicidade, Bolsonaro terá de tentar uma terceira via. Precisa parar
de dizer “desta água não beberei”. O segredo está em ferver antes. As
demandas que chegassem ao Planalto iriam para a chaleira. As que saíssem
do processo purificadas seriam atendidas. Aquelas cujos germes
sobrevivessem às altas temperaturas iriam para o esgoto, com escala no
noticiário policial.
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