O ex-ministro Antônio Palocci acusa Lula de interferir em fundos de pensão — do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Petrobrás (Petros)
O ex-ministro detalha em delação premiada a pressão do ex-presidente petista na Previ, Petros e Funcef para investirem na Sete Brasil, criada em 2010 para contratar para Petrobrás construção de navios-sondas para exploração do pré-sal
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Antônio Palocci |
Em delação premiada à Polícia Federal, o ex-ministro Antônio Palocci
relata suposta atuação criminosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva para viabilizar o projeto de nacionalizar a indústria naval e
arrecadar recursos para “quatro ou cinco” campanhas do PT — em especial,
a primeira eleição de Dilma Rousseff, em 2010 —, a reboque da
descoberta do pré-sal.
Segundo Palocci, Lula e Dilma teriam determinado indevidamente a cinco
ex-dirigentes dos fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da Caixa
Econômica Federal (Funcef) e da Petrobrás (Petros), indicados aos cargos
pelo PT, que capitalizassem o “projeto sondas”. A operação financeira,
que resultou na criação da Sete Brasil, em 2010, buscava viabilizar a
construção no Brasil dos navios-sonda — embarcações que perfuram os
poços de petróleo — para a Petrobrás explorar o pré-sal. A estatal
anunciara em 2008 que precisaria de 40 equipamentos — no mundo, existiam
menos de 100. “Dentro desse investimento, tinha todo ilícito possível”,
afirmou o ex-ministro, em depoimento à PF.
As “ordens” de Lula — que, assim como Palocci, está preso e condenado
pela Operação Lava Jato — eram cumpridas, diz o ex-ministro. Os
presidentes dos fundos, segundo ele, “eram cobrados a investir sem
analisar”.
A Polícia Federal levantou dados que corroborariam a delação ao indicar
que prazos, estudos técnicos detalhados e apontamentos de riscos e
prejuízos foram ignorados. O delator afirma que “todos” sabiam que
estavam “descumprindo os critérios internos” dos fundos “e também
gerando propinas ao partido”.
Cinco ex-dirigentes são citados: Sérgio Rosa e Ricardo Flores (Previ),
Guilherme Lacerda (Funcef) e Wagner Pinheiro e Luís Carlos Affonso
(Petros). Na sexta-feira (23.nov.2018), como parte da 56ª fase da Lava
Jato, a Justiça determinou a prisão de Affonso, enquanto endereços de
Pinheiro foram alvo de operações de busca e apreensão. Ambos são
investigados por supostas irregularidades em obra da sede da Petrobrás
na Bahia.
Palocci cita “reuniões” de Lula com os representantes dos fundos,
“muitas vezes em conjunto”, outras separadamente. A delação forneceu à
PF pistas para confirmação dos encontros, alguns em “reuniões oficiais”
com atas. O ex-ministro afirmou ter alertado Lula sobre os riscos, por
não serem “atas de reuniões, mas sim relatos de ilícitos”.
O delator disse ter sido procurado por ex-dirigentes dos fundos, que
demonstraram “preocupação”. “Eles pediam para que eu ajudasse a tirar a
pressão do Lula e da Dilma para que eles pudessem ter tempo de avaliar o
projeto e fazer (os investimentos) de forma adequada.” Segundo ele, “o
presidente reagia muito mal”. “Ele (Lula) falava ‘quem foi eleito fui
eu, ou eles cumprem o que eu quero que façam ou eu troco os
presidentes’”.
Delator. Palocci não é um colaborador qualquer. Preso desde
outubro de 2016 em Curitiba e condenado a 12 anos, além de ministro da
Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma, ele foi um dos coordenadores
das campanhas do PT, interface do partido com o empresariado e o setor
financeiro, membro do Conselho de Administração da Petrobrás e
responsável pela indicação de alguns dos presidentes dos fundos de
pensão de estatais.
O PT ocupou os comandos da Previ, Funcef e Petros desde o início do
governo Lula, em 2003, segundo o delator. O ex-ministro das Comunicações
Luiz Gushiken (que morreu em 2013) era o principal responsável pela
área. Palocci diz que foi padrinho político de Sérgio Rosa e Wagner
Pinheiro e que o ex-ministro José Dirceu indicou Guilherme Lacerda —
todos com aval de Gushiken.
O papel de liderança de Palocci no esquema político de corrupção alvo da
Lava Jato pesou na decisão da Polícia Federal em aceitar a delação. Os
termos acordados foram homologados em junho pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, que vai julgar nesta semana a eficácia da
colaboração para obtenção dos benefícios de redução de pena.
Sete. A nacionalização dos setor naval garantiu no final do
segundo mandato de Lula a promessa de 100 mil empregos nos estaleiros e
milhões em contratos vinculados à Petrobrás. Os 28 fechados entre 2011 e
2012 no primeiro pacote somavam US$ 22 bilhões.
Os aportes de recursos da Funcef, Petros e Previ foram fundamentais para
consolidação dos investimentos que resultaram na criação da Sete Brasil
Participações S/A. Sociedade da Petrobrás (que tinha 10% das cotas) e
do FIP Sondas (90%) — composto majoritariamente por dinheiro dos fundos
previdenciários e dos bancos BTG, Santander e Bradesco.
A Sete Brasil, criada em dezembro de 2010, ficou responsável por
contratar as construções dos navios-sondas de estaleiros “companheiros”,
instalados no País, e aluga-los em funcionamento para a Petrobrás — que
foi sócia, investidora e contratante da empresa.
Os estaleiros contratados foram o Enseada Paraguaçu, na Bahia, BrasFELS,
no Rio de Janeiro, Aracruz Jurong, no Espírito Santo, Atlântico Sul, em
Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Três deles controlados
por empreiteiras nacionais, como Odebrecht, OAS, UTC, Engevix, Camargo
Corrêa e Queiroz Galvão — do cartel acusado na Lava Jato de fatiar obras
de refinarias desde 2004.
As revelações sobre a “aventura da Sete Brasil” — como registra o
delator — servem para duas investigações em que Palocci colabora: a da
Lava Jato, em Curitiba, sobre corrupção de pessoas ligadas à Petrobrás e
a Sete Brasil, e a da Operação Greenfield, em Brasília, sobre desvios
nos fundos de pensão das estatais em benefício de políticos do PT e do
MDB.
Com a Lava Jato deflagrada em 2014 e a descoberta de que 1% de propinas
nos negócios, a Sete Brasil quebrou em 2016 sem entregar nenhuma das
sondas. Alguns dos estaleiros faliram. Petrobrás e os investidores ainda
calculam os prejuízos. Dos 28 equipamentos que começariam a ser
entregues em 2016, só quatro serão viabilizados.
Propinas. A interferência nos fundos estava diretamente ligada à
reunião no Palácio do Alvorada, no início de 2010, narrada por Palocci
no Termo 01 da delação — tornado público na semana final do primeiro
turno das eleições 2018 pelo ex-juiz federal Sérgio Moro. Nela, Lula
teria exigido do ex-ministro, de Dilma e de José Sérgio Gabrielli
(ex-presidente da Petrobrás) que os negócios das sondas bancassem as
campanhas do PT.
O episódio é citado por Palocci como a “cena mais chocante” de um
presidente que “sucumbiu ao pior da política no melhor dos momentos do
seu governo” e “marca uma mudança significativa” na forma como Lula
interagia com a corrupção nos governos do PT. “Ele (Lula) sempre soube
que tinha ilícito e sempre apoio as iniciativas de financiamento ilícito
de campanha, mas no caso do pré-sal ele passou a ter uma atuação
pessoal, direta”, afirmou Palocci, em uma das 63 vezes que deixou a
carceragem da PF, em Curitiba, para colaborar.
“Eu a Dilma e o Gabrielli ficamos um pouco perplexos da maneira sem
cerimônia que ele (Lula) abriu e fechou o assunto. Ele raramente fazia
dessa maneira, tão explícita e tão direta.”
Defesas. A Previ afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa,
que o “investimento em FIP Sondas foi realizado de acordo com as normas
regulatórias vigentes e estava em consonância com a política de
investimentos” da fundação. “Foram realizados diversos estudos técnicos
antes da aquisição do ativo, que foi realizada obedecendo toda a
governança de processo decisório da entidade.” Destacou que sua
participação foi de 9,9% das cotas do FIP e que o valor investido, de R$
180 milhões, “equivale a cerca de 0,1% das reservas dos planos da
Previ”.
“A Previ não coaduna com atos ilegais. Caso fique comprovado que o nome
da Previ foi utilizado para vantagens indevidas, serão adotadas todas as
medidas para reparação de danos.”
A Petros informou por sua assessoria que “não teve acesso à delação e
não comenta investigações em andamento”. E que “foram e continuam sendo
realizadas Comissões Internas de Apuração para averiguar eventuais
irregularidades em investimentos decididos no passado”. A Petros diz que
“continua colaborando de forma irrestrita com o Ministério Público”.
Procurada, a Funcef informou por meio de sua assessoria de imprensa que não se manifesta.
Negam. O ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma negam
todas as acusações e afirmam que Palocci mente para sair da prisão. O
ex-ministro está detido desde outubro de 2016, em Curitiba. Em nota
oficial, o advogado Cristiano Zanin Martins afirma que a delação de
Palocci foi recusada pelo Ministério Público Federal. Diz que “mais uma
vez Palocci mente, sem apresentar prova” para “obter generosos
benefícios”.
O advogado Rafael Favetti, que defende Guilherme Lacerda, informou
que “ainda não teve acesso ao inteiro teor da delação de Antonio
Palocci, o que limita a compreensão do relatado pelo criminoso
confesso”. “A defesa de Lacerda reafirma a lisura dos procedimentos
feitos por ele quando diretor-presidente da Funcef. Lacerda não teve
alteração patrimonial tampouco qualquer resquício de enriquecimento
ilícito durante ou depois de sua gestão”, disse o advogado.
Ricardo Flores afirmou ter mais uma vez ficado “indignado” com a citação
a seu nome “em acusações tão absurdas e maledicentes”. “Afirmo que as
acusações apresentadas são rigorosamente falsas. Não se sustentam à luz
dos fatos e serão desmascaradas e descobertos a que interesses escusos
atendem.” O ex-dirigente da Previ informou que não foi indicado ao cargo
por “questões políticas” ou de partido e que processará “criminalmente
por calúnia” Palocci e vai buscar “responsabilizá-lo por danos à minha
imagem e reputação”. “Já apresentei às autoridades competentes, por
iniciativa própria, provas documentais que atestam a falsidade e
leviandade dessas acusações.”
O ex-presidente da Previ Sérgio Rosa não comentou o caso. Os demais ex-dirigentes dos fundos não foram localizados.
Nacionalização do setor naval gerou prejuízo e demissões
Sonda DRU1 Urca (direita) e Sonda DRU2 Frade (esquerda), sendo construídas no Estaleiro BrasFELS — Angra dos Reis/RJ. |
A Sete Brasil quebrou cinco anos depois de montada. Dos 28
navios-sonda contratados com estaleiros no Brasil, quatro serão
entregues com atraso — eles deveriam estar funcionando desde 2016. São
as embarcações Urca, Frade, Arpoador e Guarapari, construídas em Angra
dos Reis (RJ), no Estaleiro BrasFELS, e em Vitória (ES), no Estaleiro
Jurong Aracruz. Os outros 13 tiveram construção iniciada e estão
parados, e 11 sequer saíram do papel.
Atingida pelas revelações da Operação Lava Jato de que todos negócios
tinham “acerto” de 1% de propinas para políticos do PT e agentes
públicos, a Sete Brasil viu a Petrobrás sair do seu quadro societário.
Em comunicado do início do ano, a estatal afirmou que cancelou 24
contratos e ficou apenas com os que estavam em estágio mais avançado.
Com a paralisação, o setor naval brasileiro afundou em crise. O
Sinaval, sindicato que representa os estaleiros nacionais, informa que
60 mil vagas de empregos foram fechadas nos últimos quatro anos. Dos 28
estaleiros associados à entidade, 12 estão parados.
A Sete Brasil teve pedido de recuperação judicial aprovado pela
Justiça do Rio em junho de 2016. A empresa afirmou que “a atual
administração apoiou e apoiará as investigações em curso” e que se
considera “prejudicada por conta dos fatos”.
Além de Antônio Palocci, ex-ministro dos governos Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff, três ex-executivos da Petrobrás que comandaram a
Sete Brasil, João Carlos de Medeiros Ferraz, Pedro Barusco e Eduardo
Musa, confessaram o esquema em delações fechadas em 2014 e 2015.
Assistente. A Sete Brasil foi autorizada pela Justiça, no início
do ano, a ser assistente de acusação da Procuradoria da República nas
ações penais da Lava Jato — como ocorre com a Petrobrás.
Como assistente, a empresa pleiteia o direito de ser declarada vítima da
corrupção e pede a restituição de US$ 180 milhões pelo prejuízo, com
US$ 70 milhões de propinas nos pagamentos efetuados, e pelos danos
causados. O Ministério Público Federal, no entanto, se posicionou contra
o pedido com o argumento de que a empresa foi parte do esquema.
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