Argentina: um país em crise
Sem reformas estruturais, governo Macri perde controle da economia, vê inflação disparar e enfrenta a desconfiança da população
e dos investidores internacionais
e dos investidores internacionais
GREVE GERAL — Sindicatos peronistas controlados por Kirchner confrontam polícia para deter austeridade reformista |
A incapacidade dos sucessivos governos argentinos em executar as
reformas necessárias para colocar sua economia nos eixos produz, de
tempos em tempos, crises avassaladoras. A que está em curso no momento
coloca no chão a política de ajustes liberalizantes tentada pelo
presidente Mauricio Macri, que teve que subir os juros em 33% no final
de agosto — alcançando os 60% ao ano — e vê a inflação aumentar 10
pontos percentuais em 2018. Houve fuga em massa de investidores e o
governo precisou recorrer a empréstimos que já atingem US$ 57 bilhões
junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para fechar suas contas.
Com seu mandato se aproximando do último ano, Macri enfrentou uma greve
geral no dia 25.set.2018 que afetou 15 milhões de pessoas e praticamente
parou o país. A população está revoltada e saques a lojas e
supermercados têm sido registrados em várias cidades.
CARESTIA — Alta dos preços e escassez de produtos já provocaram saques em mercados em bairros periféricos |
Para completar o quadro, o presidente do Banco Central da Argentina
(BCRA) Luis Andrés Caputo pediu demissão após três meses no cargo por
alegadas “razões pessoais”. “Essa renúncia se deve a motivos pessoais,
com a convicção de que o acordo com o FMI restabelecerá a confiança
fiscal, cambial, financeira e monetária” disse, Luis Caputo, o
ex-presidente do BC argentino. Com trânsito em Wall Street, Caputo
discordava da equipe econômica e saiu no dia da greve geral, justo
quando Macri estava na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova
York, tentando demonstrar ao mundo que a Argentina não estava numa pior.
O problema é que esse clima de inferno astral político-econômico parece
não ter data para acabar, já que o peso é a moeda que mais perdeu valor
frente ao dólar neste ano e um acordo com o FMI sempre precede ajustes
de dolorosa austeridade, como ocorreu na crise argentina de 2001.
Enquanto Macri afirma na ONU que o país faz “esforços corretos”, a
questão central é determinar o que deu errado desde sua campanha
presidencial, em 2015, que de início tanto agradou aos bancos e
investidores internacionais. Com uma política econômica voltada ao
mercado, ele pretendia atrair recursos para conter a debilidade da
economia em um momento que as commodities agrícolas (em especial o
trigo) andam em baixa, afetando a balança comercial, e colocar as contas
públicas em ordem mediante corte nos gastos do governo e aumento nas
tarifas de serviços públicos. Um remédio amargo que só atraiu antipatia
popular e deu combustível à oposição peronista da ex-presidente Cristina
Kirchner, uma populista que anda às voltas com a Justiça, mas ainda
controla sindicatos e tem força política para ser eleita.
REVOLTA — Greve praticamente parou o país: temor de confisco de depósitos bancários |
As fragilidades internas argentinas são evidentes, porém o cenário
internacional pode pesar ainda mais. A guerra comercial entre Estados
Unidos e China, com a criação de barreiras alfandegárias, é um problema
para os argentinos, que aumentaram até 2020 a taxação das exportações de
produtos primários. Outro aumento perigoso é o das taxas de juros
promovidas pelo Banco Central norte-americano (Fed), o que retira o
interesse dos investidores das economias emergentes em prol da compra de
títulos públicos dos Estados Unidos, que já eram os mais seguros do
mundo e agora também estão entre os mais lucrativos. No aspecto interno,
há medo de um novo “corralito”, o confisco de depósitos bancários e
investimentos pessoais ocorrido em 2001. Nem o currículo liberal de
Macri evitou que ele tivesse que explicar em Nova York que não fará isso
de forma alguma.
Para analistas brasileiros, a crise argentina nasceu da demora em adotar
as reformas estruturais que o país tanto necessita. Um lembrete para o
que pode acontecer no Brasil no futuro próximo. “Ele contou com o
beneplácito dos investidores, só que o vencimento das contas externas de
curto prazo é muito grande em relação às reservas de moeda”, diz
Clemens Nunes, professor de economia da FGV. O desequilíbrio as contas e
o baixo crescimento (2% em 2017) consumiram o tempo do governo. “Ele
foi eleito para arrumar a casa e não o fez. Agora não tem reservas,
crédito e nem com fazer caixa com exportações. É o pior cenário”, diz o
professor de economia do Insper Alexandre Chaia. Para ambos os
economistas, o país não conseguiu sair do círculo vicioso da exportação
de commodities, que quando em retração, afetam a vida das economias
despreparadas. Algo que afetou o Brasil, mas atinge com mais força os
vizinhos Equador, Bolívia e, em grau muito maior, a Argentina e a
combalida Venezuela.
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