Segundo Itamaraty, ex-mulher afirmou ter sofrido
ameaça de morte de Bolsonaro
ameaça de morte de Bolsonaro
Segundo documento de 2011, Ana Cristina afirmou que viajou à Noruega por medo de Bolsonaro; relato não é real, diz ela hoje
Ex-mulher do candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, Ana
Cristina Valle afirmou ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil
(também conhecido como Itamaraty) em 2011 que foi ameaçada de morte por
ele, o que a levou a deixar o Brasil. O relato consta de um telegrama
reservado arquivado no órgão, ao qual a reportagem teve acesso. Na época
Bolsonaro e Ana Cristina travavam uma disputa judicial no Rio de
Janeiro sobre a guarda do filho do casal, então com cerca de 12 anos.
A ex-mulher do candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, Ana
Cristina Valle, durante ato pró-Bolsonaro nas ruas de Resende, interior do estado do Rio de Janeiro — 17.set.2018 |
“A senhora Ana Cristina Siqueira Valle disse ter deixado o Brasil há
dois anos [em 2009] ‘por ter sido ameaçada de morte’ pelo pai do menor
[Bolsonaro]. Aduziu ela que tal acusação poderia motivar pedido de asilo
político neste país [Noruega]”, diz o telegrama.
Em outro trecho do documento, Ana Cristina disse considerar que, ao
procurá-la, o vice-consulado do Brasil na Noruega “estava agindo em nome
do deputado federal Jair Bolsonaro”.
O mesmo telegrama havia sido liberado a reportagem pela Lei de Acesso à
Informação, porém com esses e outros trechos cobertos por tarja preta.
Duas fontes ouvidas pela reportagem e o então embaixador, Carlos
Henrique Cardim, que assina os textos, confirmaram a íntegra dos
documentos.
Atualmente Ana Cristina, ex-servidora da Câmara Municipal de Resende
(RJ), usa o sobrenome “Bolsonaro” e é candidata a deputada federal pelo
Podemos. Ela disse apoiar a candidatura do ex-marido ao Planalto e
considerou “superado” o episódio na Noruega, apesar de ter admitido ter
sido pressionada por ele à época.
Bolsonaro mobilizou o Itamaraty, em 2011, como deputado federal, para
que o órgão intercedesse em seu favor depois que Ana Cristina viajou
para a Noruega com o filho do casal.
Segundo o site do Itamaraty e resposta enviada à reportagem, o órgão não
pode interferir em assuntos pessoais de brasileiros no exterior. No
entanto, em 2011 localizou e manteve contato com Ana Cristina a pedido
de Bolsonaro.
Telegrama com acusação contra Bolsonaro - Reprodução |
A afirmação dela sobre a suposta ameaça de morte consta da íntegra de um
telegrama de julho de 2011 enviado a Brasília pela Embaixada Brasileira
em Oslo e escrito por Cardim a partir de informações prestadas pelo
vice-cônsul naquele país.
Procurado pela reportagem, o diplomata, professor do Instituto de
Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), disse se recordar do
conteúdo do documento. Ele contou que, em julho de 2011, foi acionado
por escrito pelo Itamaraty, em Brasília, e também procurado por
Bolsonaro, com quem conversou por telefone. Segundo Cardim, Bolsonaro
estava contrariado com o fato de sua ex-mulher ter viajado, sem a sua
autorização, com o filho para a Noruega.
Depois da conversa com o deputado, o então embaixador recebeu as
informações do vice-cônsul do Brasil em Oslo, que havia entrado em
contato telefônico com Ana Cristina. Segundo Cardim, o procedimento
“segue uma rotina das embaixadas do Brasil”.
“Foi explicada a ela a legislação do Brasil, da Noruega. E aí ela
mencionou para o vice-cônsul que estava pensando em pedir asilo. E que
teria dito ao vice-cônsul que sofreu uma ameaça de morte do deputado
Bolsonaro. E o vice-cônsul me transmitiu isso”, descreveu o
ex-embaixador.
Cardim disse ainda que, com o telegrama, fez apenas “um relato” da
situação. “Não estou aqui [no telegrama] julgando se houve ou não essa
ameaça. Só estou registrando o fato que ela falou para o vice-cônsul. E
ponto. Lá [embaixada] não é delegacia de polícia. Se ela quiser
apresentar uma queixa, ela vai a uma delegacia de polícia no Brasil,
apresenta, é outro processo, compreende?”, explicou o diplomata.
A conversa de Ana Cristina com o funcionário do Itamaraty, um oficial de
chancelaria que exercia a função de vice-cônsul, ocorreu porque
Bolsonaro havia procurado, dias antes, a sede do Itamaraty em Brasília
para pedir uma intervenção do órgão a respeito do paradeiro de seu
filho.
O vice-cônsul na época era Matheus Henrique Zóqui, que, procurado, não se manifestou sobre o assunto.
Por lei, segundo o embaixador, uma criança só podia sair do país
acompanhada de apenas um dos pais desde que houvesse junto uma
autorização do pai ou da mãe que não estivesse na viagem.
A íntegra de outro telegrama mostra que Bolsonaro relatou ao Itamaraty
que Ana Cristina havia obtido um passaporte para seu filho “com base em
certidão de nascimento expedida antes do reconhecimento de paternidade
feito pelo deputado Bolsonaro”. Dessa forma, no documento constaria
apenas o nome da criança como Renan Valle, sem o sobrenome do deputado,
e, no campo da filiação, não aparecia o nome do pai. O telegrama não
esclarece quando Bolsonaro reconheceu a paternidade do menino.
Na reunião em Brasília, Bolsonaro disse, segundo o telegrama, que seu
filho morava há dois anos em sua residência do Rio de Janeiro, “onde
frequenta escola e tem sua vida estruturada”. O deputado disse ainda que
o gesto da ex-mulher “constituiria falsidade ideológica com intuito de
sequestro” e, por isso, pediu a “gestão do Itamaraty para averiguar as
condições em que estaria o menor”.
O OUTRO LADO — Procurado por meio de sua assessoria, Bolsonaro não havia
se pronunciado até o fechamento desta reportagem. Ele está internado no
hospital Albert Einstein, em São Paulo, se recuperando de um atentado a
faca sofrido em Juiz de Fora (MG) no último dia 06.set.2018.
Em entrevista na sexta-feira (21.set.2018), Ana Cristina disse que o deputado
estava equivocado porque ela não tinha a intenção de fugir com a
criança, e sim passar um período de férias na Noruega porque o menino
reivindicava a presença da mãe ao seu lado. Ela disse que a ligação
telefônica dada pelo pessoal da Embaixada foi para seu marido norueguês,
e não para ela.
“Foi uma pressão que [Bolsonaro] fez. Mas é uma questão de pai, de foro
íntimo, entendeu, de família mesmo. Eu achava que ele nem deveria ter
feito isso, mas se ele fez ... E depois acabou tudo bem, ele tirou a
ação [que corria no Rio] e ficou tudo bem. [...] É coisa de pai, que eu
respeito ele, porque ele tem um amor fora do comum pelos filhos”, disse
Ana Cristina.
Na terça-feira (25.set.2018), novamente procurada pela reportagem, Ana
Cristina disse por mensagem de aplicativo de telefone celular que “não
falou com nenhum cônsul ou vice”. Indagada se falaria com a reportagem
ao telefone, ela respondeu: “Sobre este assunto não tenho nada a dizer”.
Questionada se houve ameaças de morte de Bolsonaro contra ela por volta
de 2009, ela respondeu que havia conversado com seu marido norueguês e
ele “falou que não disse nada disso”. “Acho que vocês estão pegando
pesado falando isso”, escreveu Ana Cristina.
Procurado pela reportagem na terça-feira (25.set.2018) o Itamaraty
informou, por meio de sua assessora, que, “em razão do direito
constitucional à privacidade, reafirmado na Lei de Acesso à Informação, o
Ministério das Relações Exteriores não se pronuncia sobre questões
específicas envolvendo brasileiros no exterior”.
Ex-mulher de Bolsonaro ataca jornal, nega ameaça e faz campanha para o
presidenciável — Ana Cristina Valle publicou vídeo em rede social
Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL),
atacou o jornal Folha de São Paulo em vídeo divulgado nas redes sociais
na terça-feira (25.set.2018) e negou ter sido ameaçada de morte pelo seu
ex-marido.
Hoje ela utiliza o nome Cristina Bolsonaro para fazer campanha a
deputada federal pelo Podemos em Resende (RJ). Ela afirmou que Bolsonaro
será eleito presidente da República “se depender” dela.
Pouco antes, o jornal Folha de São Paulo revelou que um telegrama do
Itamaraty de julho de 2011 registrou que Ana Cristina afirmou então ter
sido ameaçada de morte pelo ex-marido por volta de 2009 e que, por isso,
ela teve que deixar o Brasil.
No vídeo, Ana Cristina não esclareceu se deu as declarações ao
vice-consulado do Brasil na Noruega, conforme está escrito no telegrama
de 2011. Ela afirmou no vídeo de pouco mais de um minuto:
“Venho aqui muito indignada desmentir a suja Folha de S.Paulo, [que] publica que o Jair me ameaçou de morte. Nunca. Pai do meu filho, meu ex-marido, ele é muito querido por mim e por todos. Ele não tem essa índole para poder fazer tal coisa. Bom pai, bom ex-marido, foi um bom marido também. Espero que vocês acreditem que essa mídia suja só quer denegrir a imagem dele, porque ele tá em primeiro lugar nas pesquisas e assim vai ficar. Porque eu acredito que ele ganhe em primeiro turno, espero que vocês acreditem também. Então fica aqui meu recado, mídia suja, não adianta, nada vai fazer com que ele caia. Ele tá em pé, depois de tudo o que aconteceu e vai continuar, e vai chegar à Presidência, se depender de mim.”
Jair Bolsonaro mobilizou Itamaraty para resolver assunto pessoal em 2011
— Órgão contatou ex-companheira que viajara com filho do presidenciável
para a Noruega
Ana Cristina Valle com o filho Jair Renan Bolsonaro em ato
pró-Bolsonaro nas ruas de Resende, interior do estado do Rio de Janeiro — 17.set.2018 |
Telegramas do Itamaraty revelam que, em 2011, durante o governo de Dilma
Rousseff (PT), o hoje presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) pressionou o
Itamaraty como deputado federal e teve o apoio do órgão para resolver um
assunto pessoal.
Em seu site, no tópico sobre “o que nós não podemos fazer por você”, o
Itamaraty informa que não pode “interferir em questões de direito
privado, como direitos do consumidor ou questões familiares”. Em 2011,
contudo, o órgão mobilizou seu setor consular na Noruega a pedido do
parlamentar e foi atrás de uma mulher com quem Bolsonaro havia tido um
filho.
O episódio se passou em julho de 2011, quando Ana Cristina Valle, mãe
que tinha a guarda de Jair Renan, à época com cerca de 12 anos de idade,
embarcou com o menino para Oslo, Noruega. Inconformado com a viagem,
que teria ocorrido à sua revelia, Bolsonaro abriu uma ação judicial no
Rio de Janeiro e procurou o Itamaraty para que o órgão intercedesse em
seu favor.
Segundo os telegramas, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação
com vários trechos ainda cobertos por tarjas pretas, Bolsonaro procurou a
assessoria parlamentar do Itamaraty, destinada a atender demandas dos
congressistas, e esteve na Sere, unidade do ministério responsável pelo
serviço consular.
Bolsonaro “solicitou gestão do Itamaraty para averiguar as condições em que estaria” seu filho, segundo trecho do telegrama.
O documento diz que ele pediu número do telefone do embaixador em Oslo,
Carlos Henrique Cardim, e sugeriu “um simples contato da embaixada” com
alguém, provável referência a Ana Cristina.
A mulher foi de fato procurada pelo vice-cônsul em Oslo — segundo Ana
Cristina, seu marido norueguês é que recebeu a ligação telefônica. O
gesto demandou explicações do vice-cônsul, que depois escreveu em
telegrama que o norueguês “pareceu compreender que o contato foi feito à
luz do princípio da impessoalidade”.
Localizado pela reportagem, Cardim confirmou ter sido procurado por Bolsonaro por telefone a respeito do paradeiro do filho.
Ele disse que repassou ao deputado os contatos do chefe do setor
consular da embaixada para que o acionasse a fim de obter informações
sobre legislação dos dois países, e não mais que isso.
Segundo Cardim, a praxe é apenas “ouvir o que ele [brasileiro] vai
dizer, explicar a situação, que leis existem na Noruega sobre o assunto e
as leis brasileiras. [...] O consulado não sai atrás das pessoas, as
pessoas vão até o consulado”.
O ex-embaixador, que naqueles mesmos dias entrou em férias e viajou ao
Brasil, disse não se recordar de alguém do Itamaraty ter ido ao encontro
de Ana.
“O Itamaraty não vai entrar em assunto pessoal, seria uma violência até,
compreende, o Itamaraty dizer o que tem que ser. O trabalho consular é
um trabalho de apoio aos brasileiros no exterior.”
A reportagem ouviu dois especialistas em direito consular. Falando em
tese, sem conhecer o caso concreto, um disse que o Itamaraty não pode
procurar pessoas sobre assuntos pessoais no exterior; outro considerou a
ação legal e inserida nas atribuições do órgão.
Localizada por telefone na sexta-feira (21.set.2018), Ana Cristina, hoje
candidata a deputada federal com o nome Cristina Bolsonaro
(Podemos-RJ), disse que seu marido foi procurado pelo serviço
diplomático brasileiro com o objetivo de que ela regressasse ao Brasil.
Ela explicou a divergência com Bolsonaro na época: “A briga foi que ele
[Bolsonaro] não queria nem que o menino passasse férias comigo lá. O
menino sentia a minha falta, ‘mãe, eu quero ir com você’. Eu fiz o que
meu filho pediu, levei. Depois eu comuniquei [a viagem]”. Ela disse que
ficou com o filho na Noruega não mais que 20 dias.
Por lei, ela precisaria de autorização do pai para viajar com o filho —
questionada, ela não comenta detalhes de como conseguiu viajar.
Ana afirma considerar o episódio totalmente superado. “Foi uma pressão
que fez. Mas é uma questão de pai, de foro íntimo, entendeu, de família
mesmo. Eu achava que ele nem deveria ter feito isso, mas se ele fez ... E
depois acabou tudo bem, ele tirou a ação e ficou tudo bem.”
“É coisa de pai, que eu respeito ele, porque ele tem um amor fora do comum pelos filhos”, afirmou Ana.
“Nós dois nos damos bem. Nosso filho é a nossa prioridade e não tem
problema nenhum [no relacionamento], faço campanha para ele aqui. Quero
que ele chegue, torço para que ele melhore e chegue à Presidência da
República no primeiro turno.”
Em nota, o Itamaraty reafirmou que o serviço consular “não interfere em
questões familiares”. “Limita-se a informar e a orientar as partes sobre
questões jurídicas aplicáveis.” Afirmou também que não comenta questões
específicas envolvendo brasileiros no exterior em razão do direito à
privacidade.
Disse ainda que uma de suas principais atribuições é “prestar
assistência aos nacionais brasileiros no exterior, dentro dos limites
permitidos pelo direito internacional, como prevê a Convenção de Viena”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário