Supremo abre caminho para o inferno
Às vésperas do início das férias do meio do ano, a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal anulou provas contra um petista, suspendeu uma
ação penal contra um tucano, manteve solto um lobista ligado ao MDB e
consolidou sua política de celas abertas, libertando dois condenados em
segunda instância.
Muita gente vem chamando a atenção do Supremo. Mas os alertas têm se
revelado insuficientes. Quanto mais se critica a Suprema Corte, mais
desmoralizada ela se empenha em ficar. A instância máxima do Judiciário
revela-se incapaz de resistir aos seus impulsos autodestrutivos.
Isolado, Edson Fachin, o relator da Lava Jato, empurrou o julgamento do
recurso sobre a libertação de Lula para agosto, transferindo a decisão
para o plenário do Supremo. Fachin pressentiu que, na Segunda Turma, era
real a possibilidade de libertação de Lula.
Esse ambiente de guerrilha pulveriza a supremacia da Corte, desmoraliza o
esforço anticorrupção e aproxima as togas do que há de pior no
Legislativo e no Executivo. A diferença é que os outros poderes foram
arrastados para o lodo pela Lava Jato. O Poder Judiciário toma o caminho
do brejo por conta própria.
HISTÓRICO — A sessão de terça-feira (26.jun.2018) escancarou o conflito
que se estabeleceu na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. De um
lado, o minoritário relator da Lava Jato, Edson Fachin. Do outro, a
maioria formada pelos votos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski. Isolado, Fachin assistiu à abertura da cela de presos
condenados em segundo grau — entre eles José Dirceu —, presenciou a
anulação de provas e testemunhou a suspensão de investigações. Se o
recurso de Lula estivesse na pauta, a possibilidade de libertação do
principal preso da Lava Jato era real. Foi por essa razão que, na
véspera, Fachin transferiu o julgamento do recurso do líder máximo do PT
para o plenário do Supremo.
O caso de Lula é muito semelhante ao de Dirceu. Por 3 votos a 1, a
Segunda Turma colocou o ex-chefe da Casa Civil em liberdade até que o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgue recurso da defesa contra a
condenação imposta por Sergio Moro e confirmada pelo TRF-4, o tribunal
de segunda instância que cuida dos casos da Lava Jato. Relator do
recurso de Dirceu, o ministro Dias Toffoli votou a favor da concessão do
habeas corpus. Fachin ainda tentou manter Dirceu atrás das grades. Ele
pediu vistas do processo. Em condições normais, o pedido provocaria a
suspensão do julgamento. Mas Toffoli estava mesmo decidido a abrir a
cela.
Ex-assessor do PT na Câmara, ex-subordinado do próprio Dirceu na Casa
Civil da Presidência e ex-advogado-geral da União do governo petista,
Toffoli votou a favor da concessão de um habeas corpus “de ofício”. Os
magistrados agem assim, “de ofício”, mesmo sem a formalização de um
pedido da defesa, quando há a necessidade de evitar uma ilegalidade
flagrante. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam Toffoli. O
decano Celso de Mello, que também integra a Segunda Turma, não
compareceu à sessão. Mas ainda que estivesse presente, seu voto não
alteraria a maioria pró-Dirceu.
“O Fachin estava antevendo esse desastre”, disse, sob o compromisso do
anonimato, um ministro do Supremo que não compõe a Segunda Turma. “Ele
fez muito bem em lançar mão das prerrogativas de relator para afetar o
julgamento do recurso do Lula ao plenário. Nessa hora, é preciso
assegurar o respeito ao princípio da colegialidade. A prisão em segunda
instância prevaleceu no plenário do Supremo em mais de uma oportunidade.
Ou respeitamos isso ou vamos para um ambiente de absoluta insegurança
jurídica.”
Normalmente comedido, Fachin não se conteve diante do voto de Toffoli.
Insinuou que o colega ignorava a posição do plenário da Suprema Corte,
que confirmou recentemente, por 6 a 5, no julgamento de um habeas corpus
de Lula, a regra sobre a prisão. Toffoli deu de ombros. Declarou que o
fundamento do seu voto não tem nada a ver com o debate sobre a execução
imediata da pena. Apenas considerou que o recurso de Dirceu apresenta
argumentos plausíveis sobre um hipotético exagero na fixação da pena (30
anos e 9 meses de cadeia). Para Toffoli, a queixa quanto à dosimetria
da pena pode ser considerada procedente quando o mérito for efetivamente
julgado. Portanto, manter Dirceu atrás das grades antes de esgotada a
análise da reclamação poderia representar uma injustiça.
A certa altura, Toffoli pôs em dúvida a própria capacidade intelectual
de Fachin: “Eu estou falando ‘A’ e vossa excelência está falando ‘B’.” A
resposta de Fachin veio de bate-pronto: “Nós dois estamos entendendo o
que estamos falando”. Ficou subentendido que, para o relator da Lava
Jato, seus colegas da Segunda Turma manobram para transformar em letra
morta a decisão do Supremo que autorizou o encarceramento de condenados
na segunda instância do Judiciário.
Além de Dirceu, a Segunda Turma libertou João Claudio Genu, um
ex-tesoureiro do PP igualmente condenado na segunda instância. Mais:
contra o voto de Fachin, os ministros mantiveram em liberdade Milton
Lyra, um lobista ligado ao MDB que responde a inquérito por desvio de
verbas de fundos de pensão de estatais. Ele havia sido solto por uma
liminar de Gilmar Mendes. Não é só: a Segunda Turma anulou as provas
obtidas contra o ex-ministro petista Paulo Bernardo em batida de busca e
apreensão no apartamento funcional da mulher dele, a senadora Gleisi
Hoffmann (PT-PR). Como se fosse pouco, os ministros suspenderam a ação
penal contra o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP) num caso de
desvio de merenda escolar.
Foi contra esse pano de fundo que Fachin agiu para evitar que Lula fosse
incluído no rol de beneficiários da políticas de celas abertas da
Segunda Turma. Na sexta-feira (22.jun.2018), ele pediu que fosse
retirado da pauta o recurso da defesa de Lula. Fez isso depois que o
TRF-4 considerou que o recurso não era admissível. Os advogados de Lula
pediram a Fachin que reconsiderasse sua decisão. Ou submetesse a
encrenca aos colegas. O relator da Lava Jato preferiu transferir a
batata quente para o plenário. E encomendou parecer à Procuradoria,
concedendo prazo de 15 dias. Com isso, manteve Lula preso pelo menos até
agosto, irritou os colegas de turma e comprou briga com o PT. De resto,
expôs a conflagração que tomou do Supremo.
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