Irã e Israel: o confronto que está por vir
Avião israelense abatido no sábado (10.fev.2018), após um bombardeio na Síria |
Perder sua força aérea para Israel já é quase uma tradição na Síria.
A última vez que isso aconteceu em grande escala, foi em junho de 1982,
no começo da Guerra do Líbano.
Resultado: 82 caças sírios de fabricação soviética derrubados (de um
total de 100), 30 baterias antiaéreas destruídas. Sobrou uma. Israel
teve dois caças avariados. Foi a maior batalha aérea desde a II Guerra
Mundial.
Os combates entre os dois países, com enorme desvantagem tática e
estratégica para a Síria, só tiveram um cessar-fogo por imposição do
presidente Ronald Reagan. A imprensa soviética divulgou na época uma
notícia não só falsa, como delirante: Israel tinha perdido 67 caças.
Como a parte mais importante para quem inventa uma fake news é não
acreditar nela, a superioridade do material bélico fornecido pelos
Estados Unidos a Israel ficou evidente.
David Ivry, o comandante da Força Aérea israelense na época, disse ter
ouvido confidencialmente que os soviéticos identificaram muito bem seus
pontos fracos — os mesmos, em termos tecnológicos, que acabaram levando
ao desmanche do império vermelho.
Diante de um histórico assim, por que sírios e aliados não estão
comemorando com grande festas o primeiro caça israelense que derrubam
desde 1982?
Provavelmente porque sofreram perdas que estão procurando esconder. Ou seguindo instruções de seus amigos.
Ter amigos importantes é a estratégia de sobrevivência do Regime Sírio.
Rússia, Irã e Hezbolllah, hoje a força dominante no Líbano. Com esse
tipo de apoio, o presidente sírio Bashar al-Assad conseguiu o que
parecia impossível: manter-se no poder depois de uma guerra civil de
proporções bíblicas, com a grande maioria do país, os muçulmanos
sunitas, lutando ou torcendo contra.
Ir para um confronto com Israel agora seria uma loucura. Mas o regime
sírio não tem muito poder de decisão. Quem vai decidir é o Irã.
O primeiro avião israelense atingido desde 1982 — Um avião
israelense foi abatido, no sábado (10.fev.2018), após um bombardeio na
Síria. Pouco depois, caças de Israel voltaram a atacar alvos iranianos
no país vizinho.
O caça F-16 da força aérea israelense atacava bases de lançamento de
drones iranianas instaladas em território sírio quando foi abatido.
Baterias antiaéreas sírias derrubaram o jato, que caiu nas colinas de
Golã, no norte de Israel, numa região disputada pelos dois países.
Os dois pilotos conseguiram se ejetar antes da queda e estão internados.
O governo de Israel disse que ordenou o ataque à Síria depois que um
drone iraniano invadiu o espaço aéreo israelense e foi derrubado.
O Irã apoia o presidente sírio Bashar al-Assad e enviou forças especiais para combater os rebeldes que tentam derrubar o regime.
O governo iraniano negou que o drone tenha invadido o espaço aéreo
israelense. Um porta-voz militar israelense disse que a Síria está
“brincando com o fogo” ao permitir que o Irã use seu território para
atacar Israel.
Avião israelense abatido no sábado (10.fev.2018), após um bombardeio na Síria |
Confronto na surdina: provocação via drone levou a ataque aéreo
— O confronto do último fim de semana foi praticamente entre iranianos e
israelenses. Começou 4 horas e 30 minutos da madrugada do dia
10.fev.2018, quando um radar israelense detectou um avião não-tripulado,
chamado em geral de drone, entrando no país pelo espaço aéreo da
Jordânia.
Um helicóptero Apache já estava esperando quando o drone operado à
distância por um técnico iraniano entrou em território israelense. Foi
derrubado num ponto onde poderia ser recuperado e estudado — exatamente
como os iranianos fizeram com o avião não-tripulado americano abatido em
2011, cuja tecnologia copiaram.
Quinze minutos depois, aviões israelenses bombardearam o veículo móvel
no qual estavam os equipamentos para operar o drone, perto de Palmira, a
cidade com ruínas milenares onde o Estado Islâmico praticou
barbaridades, antes de ser expulso. Os ocupantes do veículo, iranianos,
foram mortos.
As baterias antiaéreas sírias, modernizadas pelos russos, reagiram em
massa. Estilhaços de um míssil dirigido por calor atingiram um F-16
israelense. O caça de 18 milhões de dólares caiu em território de
Israel.
Piloto e artilheiro se ejetaram. O primeiro sofreu ferimentos sérios.
Estão sendo investigados por possível erro técnico. O F-16 é um avião de
alta performance, com equipamentos que detectam quando é alvo de um
míssil antes que seja disparado.
Israel reagiu com uma segunda onda de ataques aéreos contra doze
instalações militares na Síria, inclusive o principal centro de comando e
controle.
Dos doze alvos, quatro era iranianos. Num deles, um aeroporto do
exército sírio usado pela Guarda Revolucionária iraniana, havia pessoal
militar russo, o que dá uma ideia do tamanho dos problemas em potencial.
Aliás, o maior dos problemas. O governo israelense segue uma política de
jamais criticar a Rússia publicamente, Benjamin Netanyahu fala
regulamentar com Vladimir Putin e, como outros agentes envolvidos no
caldeirão sírio, tem acordos tácitos para não desencadear confrontos
indesejados.
A encrenca é que no Oriente Médio a lei das consequência indesejadas
impera com um vigor letal. A Guerra do Líbano é um exemplo clássico:
Israel entrou no país com a força arrasadora de sua superioridade
bélica, demonstrada na destruição da Força Aérea Síria, para resolver
rapidamente problemas imediatos. Enrolou-se no pantanal libanês que, no
fim, foi mais corrosivo.
A Síria pode ser, e tem sido, um Líbano ampliado, com o envolvimento de
atores representando diferentes interesses nacionais, internacionais,
sectários e étnicos.
Só um exemplo: o porta-voz de um grupo ligado à Al Qaeda na Síria
elogiou o ataque israelense contra o maior de seus inimigos, Bashar
Assad.
Já a comemoração mais consequente da derrubada do caça-bombardeiro
israelense foi feita pelo Hezbollah, mencionando, com uma boa dose de
razão, uma “nova era estratégica”.
A baterias antiaéreas russas mais avançadas desequilibram seriamente a
superioridade bélica de Israel. Daí a necessidade de um ataque forte,
mas limitado. E dos avisos sem meias palavras ao Irã.
Israel Katz, ministro da Inteligência, foi encarregado do recado: “Nós, e
eles, sabemos o que foi atingido. Eles vão precisar de algum tempo para
digerir, para entender como fomos direto aos alvos ocultos porque temos
serviços de inteligência e capacidade de saber tudo o que acontece lá.”
A mesma lógica que faz Israel agir militarmente com presteza e sapatear
nas feridas é a que garante que o Irã não deixará de responder. Se
exagerar, pode desencadear um conflito maior, o que não parece ser de
seu interesse, muito menos dos russos.
Outro exemplo de como as alianças são complexas nesse cenário foi dado
por Yoav Galant, general da reserva e atual ministro da Habitação, que
fez um análise estratégica quase estonteante dos interesses envolvendo o
Irã.
“De forma geral, posso dizer o seguinte: ninguém quer os iranianos lá”,
disse, referindo-se a Síria. “Nem os países sunitas moderados –
Jordânia, Egito, Arábia Saudita, Turquia – nem os europeus, preocupados
com os milhões de sírios que saíram de seu país e foram para a Europa em
consequência do controle alauíta. E certamente nem nós nem os
americanos.”
“Quanto aos russos, eles fizeram o trabalho sujo por um certo período.
Num estágio mais adiante, chegaremos a uma situação em que estarão
competindo pelos mesmo recursos e os russos, também, não vão querer os
iranianos nessa área.”
Mas e a aliança dos russos com o Irã e o Hezbollah? “Eles não são contra
nós, o que é espantoso”, garantiu Galant. Segundo a análise dele, os
russos continuam a ter, primordialmente, o interesse de sempre: garantir
suas bases navais em Tartus e Latakia.
“O Irã quer assumir o controle do Oriente Médio, pura e simplesmente”,
resumiu ele. “Estão montando um exército na Síria e têm interesse em
abrir uma frente, o Hezbollah 2.0, nas montanhas de Golã, e transferir
armamentos para o Líbano. Nós não vamos permitir.”
Com confrontos abertos ou mais na surdina, ou ainda via Hezbollah,
Israel e Irã vão continuar se enfrentando. A guerra da Síria e na Síria
ainda está longe de acabar.
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