Navegando ao sabor do vento solar
Nas Grandes Navegações, embarcações à vela eram conduzidas sem qualquer
forma de propulsão própria, viajando ao sabor do vento, durante as
longas travessias oceânicas. Agora, novas espaçonaves começam a se
preparar para fazer a mesma coisa, só que no espaço — são os veleiros
solares. Na quarta-feira (20.maio.2015), a ONG Planetary Society lançou
ao espaço seu primeiro satélite do tipo, impulsionado apenas pelo suave
sopro do vento solar.
Chamado de LightSail-1, ele se destaca por algumas características. A
mais marcante é que, sendo um produto de uma instituição
não-governamental, ele foi desenvolvido totalmente com recursos privados
(mais de US$ 4 milhões foram investidos até agora). Em segundo lugar,
ele também se beneficiou da recente miniaturização de sistemas para
satélites. O LightSail-1 é um “cubesat” com 4 kg e 30 centímetros de
comprimento — mais ou menos do tamanho de uma embalagem de pão de forma.
Contudo, assim que chegar ao espaço, pegando carona num foguete Atlas V
(que, por sinal, teve como carga principal um daqueles miniônibus
espaciais misteriosos da Força Aérea americana), o LightSail ficará
enorme. Dele se abrirão quatro grandes velas solares triangulares, com
área total de respeitáveis 32 metros quadrados (basicamente um quadrado
de 5,6 metros de lado).
Concepção artística da LightSail-1 no espaço |
LUZ QUE EMPURRA
Um veleiro solar funciona usando a luz que vem do Sol como propulsão.
Cada partícula de luz produz um empurrão muito suave nas superfícies que
toca, e se a superfície for suficientemente grande, e a nave
suficientemente leve, isso é o que basta para obter aceleração para
viajar pelo espaço, uma vez que se vence o poderoso campo gravitacional
da Terra.
É um empurrãozinho de nada, é verdade, mas a vantagem é que ele é sempre
constante — o Sol não para nunca de brilhar. Combustível é
desnecessário para acelerar o veículo. Então, imagine um empurrãozinho
agindo durante meses e anos, aumentando gradualmente a velocidade da
nave. Com habilidade e controle, é possível levá-la a qualquer parte do
Sistema Solar (claro, tudo vai ficando mais difícil conforme se afasta
do Sol, e o nível de luz diminui, mas ainda assim é teoricamente
possível ir bem longe desse jeito).
Honestamente, os veleiros movidos a luz são hoje a única tecnologia
conhecida que pode de fato realizar missões interestelares — ou seja,
capazes de atravessar num tempo razoável a distância entre o Sol e as
estrelas mais próximas. Alguns conceitos de missões (tripuladas e
não-tripuladas) até as estrelas mais próximas com veleiros já chegaram a
ser rascunhados (eles envolviam, além do veleiro em si, poderosos
lasers espaciais para focar a luz sobre a vela quando ela já estivesse
bem longe do Sol). Mas, claro, tudo isso ainda está muito longe de nossa
capacidade de engenharia atual. De toda forma, são uma luz no fim do
túnel no espinhoso problema do voo interestelar, e missões como a
LightSail são um passo na direção certa para demonstrar conclusivamente o
potencial dessa tecnologia.
Nesse lançamento inicial, os sistemas do veleiro serão testados, mas
ainda não produzirão efetiva navegação por luz. Como o cubesat será
colocado numa órbita baixa, o arrasto provocado pela atmosfera terrestre
sobre a grande superfície das velas acabará fazendo com que ele volte
para o chão em pouco tempo. A proposta nesse primeiro momento é testar a
capacidade de abrir as velas no espaço e controlar a orientação do
veículo. Se tudo correr bem, no ano que vem voa o LightSail-1 para
valer, que usará suas velas para navegar por luz.
VELHA AMBIÇÃO
Construir um veleiro solar já está nos planos da Planetary Society há
décadas. A organização fundada por Carl Sagan, Bruce Murray e Louis
Friedman chegou a construir um, batizado de Cosmos-1, e tentar lançá-lo
em 2005, mas o foguete russo Volna que iria colocá-la em órbita deu
chabu. Com isso, a ONG perdeu a chance de ser a primeira organização a
operar um veleiro no espaço. A honra recaiu sobre a Jaxa, agência
espacial japonesa, com sua sonda Ikaros, que viajou na direção de Vênus e
testou esse modo de propulsão de forma bem-sucedida em 2010.
O LightSail, por sua vez, herdou tecnologias desenvolvidas pelo projeto
NanoSail-D, da Nasa, que chegou a colocar em órbita um veleiro
“cubesat”, mas com velas menores (área de 10 metros quadrados).
O entusiasmo pela missão é inegável, não só pelas possibilidades abertas
pela tecnologia de navegação por velas solares, mas também pelo nível
de participação popular que a missão realizada por uma instituição
privada permite. A Planetary Society criou uma campanha de arrecadação
pelo site Kickstarter, com a meta inicial de recolher US$ 200 mil. Em
poucos dias, o valor obtido já passou de US$ 500 mil e agora a ONG
espera atingir US$ 1 milhão. É uma amostra eloquente de como a
exploração espacial é popular e cativante.
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