Quem não faz “negociata” leva a pior, diz conselheiro do “tribunal” da Receita Federal
Grampo da PF pegou, em 25 de agosto de
2014, o conselheiro Paulo Roberto Cortez, alvo da Operação Zelotes;
segundo ele, só “coitadinhos” têm de pagar impostos; ouça o áudio
Paulo Roberto Cortez |
Em conversa interceptada pela Polícia Federal, um dos integrantes do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), espécie de
“tribunal” que avalia recursos de contribuintes em débito com a Receita,
afirma que o órgão se tornou um “balcão de negócios” e, no cotidiano de
julgamentos, quem não faz “negociata” leva a pior.
Na escuta, o conselheiro Paulo Roberto Cortez, um dos investigados por
participação no esquema para favorecer grandes empresas, afirma ainda
que só “coitadinhos” têm de pagar impostos. “O Carf tem de acabar, não
pode. Quem paga imposto é só os coitadinhos (sic)”, constata ele em um
telefonema. “Quem não pode fazer acordo, acerto – não é acordo, é
negociata – se fode”, continua ele.
OUÇA O ÁUDIO DA CONVERSA
A conversa foi interceptada pela Polícia Federal em 25 de agosto do ano
passado. Do outro lado da linha, estava o sócio de Cortez no escritório
de assessoria contábil Cortez & Mallmann, que atua no Carf, Nelson
Mallmann. No diálogo, os dois mencionam casos de suborno envolvendo
conselheiros do Carf e grandes empresas investigadas na Operação
Zelotes. Há ao menos 74 pessoas físicas e jurídicas sob suspeita, entre
eles gigantes do setor privado.
Num dos trechos, o conselheiro afirma, referindo-se aos recursos de
contribuintes que apelam ao “tribunal” da Receita: “Eles estão mantendo
absurdos contra os pequenininhos e esses grandões estão passando tudo
livre, isento de imposto. É só pagar taxa”, continua Cortez.
Na conversa, ele diz que o Carf tem de fechar para que os casos a ele
levados passem a ser discutidos no Judiciário. “Não pode isso aí. Virou
balcão de negócios”, comenta, acrescentando: “Dá vergonha, cara”.
Na Operação Zelotes, a Polícia Federal e a Procuradoria da República no
DF pediram a prisão temporária de Cortez por supostas práticas de
associação criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A
Justiça, no entanto, não considerou a medida necessária. Segundo o
inquérito, as empresas de Cortez foram usadas para “branquear”
pagamentos de clientes que buscavam alterar os julgamentos do Carf.
A reportagem telefonou para o escritório de Cortez e Mallmann, mas as
ligações foram interrompidas quando a reportagem se apresentou. “Não
temos interesse”, disse o atendente, que não se identificou. A
reportagem telefonou para Cortez e o sócio em seus celulares, mas não
foi atendido. Também enviou e-mail para ambos, mas não houve resposta.
COMO FUNCIONAVA A VENDA DE DECISÕES NO CONSELHO ?
Segundo as investigações, conselheiros suspeitos passavam informações
privilegiadas de dentro do Carf para “escritórios de assessoria,
consultoria ou advocacia.” Pelo menos 24 conselheiros, ex-conselheiros,
advogados e lobistas são investigados na Operação Zelotes.
Esses escritórios, apontam as investigações, procuravam empresas
multadas pela Receita Federal e prometiam controlar o resultado dos
julgamentos de recursos. Para isso, a PF diz que além de promover
tráfico de influência, o grupo corrompia conselheiros envolvidos com o
julgamento dessas multas e manipulava o andamento dos processos com a
venda de pedidos de vista ou alteração da pauta de julgamentos.
Muitas dessas consultorias, ainda segundo as investigações, tinham como
sócios conselheiros e ex-conselheiros do Carf. A PF suspeita que, em
troca dessas facilidades, empresas multadas pagavam propina. Segundo os
investigadores, boa parte dos supostos honorários pagos pelas empresas a
título de consultoria era, na verdade, repasse de propina.
A PF diz que há indícios de que conselheiros e ex-conselheiros do Carf
também receberam dinheiro. De acordo com um relatório da Polícia
Federal, em um telefonema Paulo Roberto Cortez e um sócio comentam que
um ex-conselheiro “teria se corrompido para decidir a favor de um
banco.”
Ele relata ainda que esse mesmo ex-conselheiro, para evitar chamar a
atenção no aeroporto, chegou a voltar de ônibus de São Paulo para
Brasília com uma “mala cheia de dinheiro”, de acordo com a PF.
No áudio captado pelas investigações, Cortez diz: "Entendeu? Você
entendeu o espírito da coisa?" O sócio responde "No aeroporto, como é
que vai justifica uma mala cheia de dinheiro?"
Em outro trecho gravado, Cortez explica como agia a suposta organização criminosa.
"Quem paga imposto é só os coitadinho, quem não pode fazer acordo,
acerto. [...] eles tão mantendo absurdos lá contra os pequenininho e
esses grandões aí tão passando tudo livre, tudo isento de imposto, é só
pagar, passa."
Segundo a Polícia Federal, Cortez chegou a ser sócio do advogado José
Ricardo da Silva, ex-conselheiro. José Ricardo é filho de Eivany Antonio
da Silva, que teve sociedade com o conselheiro Jorge Victor Rodrigues
numa consultoria. Todos são investigados.
As decisões suspeitas reduziram ou anularam mais de R$ 5 bilhões em
multas e débitos de empresas. A Operação Zelotes apreendeu R$ 800 mil na
casa de Leonardo Manzan, ex-conselheiro do Carf e genro do
ex-presidente do órgão, Otacílio Cartaxo, que também já ocupou o cargo
de secretário da Receita Federal e é citado em conversas dos
investigados.
Procurada, a defesa de Manzan afirmou que o dinheiro é proveniente de honorários advocatícios.
Leonardo Manzan, ex-conselheiro do Carf e genro do ex-presidente do órgão, Otacílio Cartaxo |
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