A um custo até 44 vezes maior do que o
de um voo comercial, jatinhos da FAB levam ministros — sozinhos — para
casa em época de aperto de cintos
Um dos jatinhos da frota da Força Aérea Brasileira |
No momento em que o corte de gastos é uma obsessão no discurso da
presidente Dilma Rousseff e da equipe econômica, a redução de custos não
parece ser uma preocupação para parte da equipe ministerial.
Levantamento nos dados da Força Aérea Brasileira (FAB) revelam que
ministros de Dilma usaram jatinhos da FAB para voar sozinhos de Brasília
para casa aos finais de semana. Foram ao menos treze decolagens levando
apenas um ministro para a cidade natal nos três primeiros meses do ano.
A Secretaria de Imprensa do Palácio do Planalto informou que na próxima
semana, a Casa Civil publicará um decreto que restringe o uso das
aeronaves da FAB para voltar para casa.
O custo de operação das aeronaves da FAB à disposição das autoridades
varia, mas pode chegar a 12.000 reais por hora de voo, segundo cálculos
efetuados com base em dados da Força Aérea e a ajuda de especialistas no
setor.
Os mais recentes cálculos da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac),
do terceiro trimestre do ano passado, indicam que a tarifa aérea média
nas rotas voadas pelos ministros é de 268 reais em voos comerciais. Ou
seja, uma viagem de uma hora para levar um ministro sozinho em aeronave
da FAB pode sair até 44 vezes mais cara para os cofres públicos,
conforme a aeronave utilizada.
O ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário) foi o que mais voou
sozinho às custas da FAB neste período: quatro vezes. Pepe Vargas
(Relações Institucionais) e Mauro Vieira (Itamaraty) tomaram jatos
exclusivos em duas ocasiões cada. Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da
Presidência) e Eleonora Menicucci (Políticas para as Mulheres), uma vez
cada.
Aloizio Mercadante (Casa Civil) voou três vezes – uma delas de férias –,
embora a pasta indique que ele compartilhou a aeronave em duas ocasiões
– o que não coincide com os registros da FAB. Nessa conta, foram
consideradas apenas viagens cujo motivo era voltar para casa, com saída
da Base Aérea do Aeroporto de Brasília e previsão de um passageiro,
conforme registros divulgados pela FAB.
A opção por voar em jatos ocorre em rotas com ampla oferta de voos de
carreira. Todas as viagens citadas tiveram como destino as capitais Belo
Horizonte (MG), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre
(RS). O tempo de voo varia: 1h20 a Belo Horizonte, 1h30 ao Rio de
Janeiro e São Paulo e 2h40 a Porto Alegre.
É comum também que os voos para casa, que em geral saem às
sextas-feiras, resultem numa solicitação de retorno até a segunda-feira
seguinte, pela manhã. A diferença é que os ministros justificam os voos
de volta sob a rubrica “a serviço”, já que retomam atividades de sua
agenda ministerial.
Patrus Ananias |
Por exemplo, se fossem considerados os jatinhos solicitados “a serviço”
por Patrus Ananias para decolar dos aeroportos mineiros da Pampulha e
Confins para o de Brasília, ele aumentaria em mais sete sua cota de voos
sozinho, passando de quatro para onze vezes.
O decreto número 4244/2002 da Presidência da República prevê autorização
para três tipos de uso das aeronaves da FAB por autoridades: motivo de
segurança ou emergência médica, viagens a serviço e deslocamento para
local de residência permanente – nesta ordem de prioridade.
Os voos devem ser requisitados com a maior antecedência possível ao
Comando da Aeronáutica, que desloca jatinhos do Grupo de Transporte
Especial (GTE) da Força Aérea para atender aos pedidos de autoridades do
Executivo, Legislativo e Judiciário. A frota atualmente é composta por
dez jatinhos, de modelos Embraer: seis E-145, dois E-135 e dois E-135
BJ, o Legacy 600.
Segredo – A FAB não revela os custos das viagens ministeriais. A
Aeronáutica argumenta que os valores são “reservados” porque os modelos
de aeronaves são os mesmos usados por outros esquadrões que empregam os
jatinhos com fins militares. “O custo de operação é considerado um dado
estratégico para a segurança nacional”, diz a Aeronáutica.
A reportagem obteve uma estimativa de custos com base em documento
oficial da FAB enviado em 2011 ao Congresso Nacional. Os custos
logísticos (manutenção, combustível e lubrificantes) foram repassados em
resposta a um requerimento do deputado Rubens Bueno (PPS-PR), mas nos
anos seguintes passaram a ser mantidos em sigilo.
A reportagem também fez cotações com empresas de táxi-aéreo e obteve
cálculos de custo por hora de voo com o doutor em engenharia aeronáutica
Fernando Martini Catalano, professor titular da Escola de Engenharia de
São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Catalano, cada
hora voada em um E-145 (VC-99) tem custo próximo de 11.387,78 reais.
Ele também calculou os custos de aeronaves que já fizeram transporte de
ministros, mas atualmente não compõem a frota do GTE: o E-120 (VC-97)
teria custo de 5.962,12 reais por hora voada; o Learjet L-35 (VU-35), de
7.651,18 reais; e o L-55 (VU-55), de 9.060,74 reais. O valor independe
do número de passageiros transportados.
O ofício de 2011 enviado ao líder do PPS na Câmara pelo Ministério da
Defesa informa valores da época em dólares. No câmbio atual, o custo
logístico da hora voada em um Embraer VC-99 seria de 12.317,79 reais
(3.849,31 dólares). Esse prefixo é usado em modelos E-145 e Legacy 600,
que possuem capacidade para transportar de doze a cinquenta passageiros.
Resposta – A reportagem procurou previamente os ministros
por meio de suas assessorias. Nenhum deles respondeu à questão sobre o
custos de suas viagens. O ministro Patrus Ananias disse que “segue
rigorosamente” as determinações do decreto presidencial que regulamenta o
transporte de autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário pela
Aeronáutica.
“Faço isso dentro de todos os princípios legais e éticos, com o objetivo
de maximizar minhas atividades no Ministério do Desenvolvimento Agrário
e cumprir com agilidade a agenda de governo”, disse, por escrito,
Patrus Ananias.
A Casa Civil disse que os deslocamentos de Aloizio Mercadante obedecem
aos critérios estabelecidos pelo decreto presidencial que normatizou os
voos da FAB e que o ministro compartilha a aeronave com demais
autoridades e assessores.
A pasta informou que, no dia 13 de janeiro, Mercadante fez um voo
sozinho para sua residência em São Paulo “em razão de emergência
médica”. Mas o ministro já estava em férias de quatro dias, conforme
registro de sua agenda e despacho de Dilma no Diário Oficial da União.
Ele tirou a licença para visitar uma neta que nasceria na capital
paulista.
Segundo a Casa Civil, dois voos de Brasília a São Paulo requisitados por
Mercadante para retorno à residência,nos dias 23 e 30 de janeiro, foram
compartilhados com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e assessores
dos ministérios da Saúde, Comunicações, Justiça, Fazenda e Secretaria
dos Portos.
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que Levy voou com Mercadante
apenas uma vez, no dia 30 de janeiro e indicou que eles já tentaram
compartilhar a mesma aeronave em outra ocasião. Essas informações não
constam nos relatórios da FAB. O Comando da Aeronáutica registra apenas a
previsão de um passageiro – no caso, Mercadante – nos dois voos.
A ministra Eleonora Menicucci confirmou ter usado um jatinho da FAB para
voar para sua casa, em São Paulo, no dia 7 de março, um sábado em que
não tinha compromissos oficiais. No entanto, ela disse que representou a
presidente Dilma em um evento do Sindicato dos Comerciários de São
Paulo, filiado à União Geral dos Trabalhadores (UGT), no dia seguinte, 8
de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher.
As assessorias de imprensa dos ministros Pepe Vargas, Miguel Rossetto e Mauro Vieira não responderam aos questionamentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário