Ministério Público Federal apura doação da ditadura da Guiné Equatorial à Beija-Flor
Vice-presidente do país africano também é alvo de investigação. Ele é suspeito de crime de lavagem de dinheiro
Teodorín (de azul) junto de seu pai, o ditador Obiang (de terno preto), num camarote do Sambódromo durante o desfile da Beija-Flor |
A doação de R$ 10 milhões para a Beija-Flor - escola de samba campeã do
carnaval 2015 do Rio de Janeiro -, que teria sido feita pelo ditador
Teodoro Obiang, presidente da Guiné Equatorial, está sendo investigada
pelo Ministério Público Federal (MPF). As novas versões dão conta de que
o dinheiro teria vindo de empreiteiras brasileiras ou de empresas do
país africano. O vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema
Obiang Mangue, conhecido como Teodorín, de 45 anos, filho do presidente,
também é alvo de investigação do Procurador da República Orlando
Monteiro da Cunha desde 2013. Em procedimento criminal instaurado pelo
MPF para apurar crime de lavagem de dinheiro por parte de Teodorín, foi
possível identificar que o filho do ditador tem pelo menos oito veículos
de luxo no Brasil, entre eles um Lamborghini Aventador, um Maserati e
um Porsche Cayenne, totalizando cerca de R$ 30 milhões, além de imóveis
de luxo no país.
— A suposta doação destinada à Beija-Flor será analisada dentro do
contexto deste procedimento criminal iniciado em 2013, em colaboração
com as Justiças dos Estados Unidos e da França. Descobrimos que Teodorín
adquiriu bens imóveis e móveis de altíssimo valor em território
nacional, o que sugere uma situação típica de lavagem de dinheiro no
Brasil, ou seja, ocultação de bens provenientes de recursos ilícitos. A
investigação encontra-se sob sigilo, pois estamos aguardando documentos
oriundos de países que já confiscaram os bens dele, para poder pedir
medidas judiciais mais severas — disse o procurador.
Apartamento de luxo em São Paulo
Na realidade, o filho do ditador leva no Brasil o mesmo estilo de
ostentação que tem na França e nos Estados Unidos. O MPF descobriu que
ele tem imóveis de luxo, como uma cobertura de 1.500 metros quadrados no
edifício L’Essence, no bairro dos Jardins, em São Paulo, cujo valor
estaria em torno de R$ 56 milhões, além de um apartamento de luxo no
Rio.
A partir dos documentos de confisco de bens de Teodorín na França e nos
Estados Unidos, o procurador da República pode pedir o sequestro e
arresto dos carros e apartamentos do filho do ditador e até a prisão
dele. Na quinta-feira (19.fev.2015), Orlando Cunha mandou ofícios à
Polícia Federal e à Justiça francesa para saber se havia alguma ordem de
captura contra Teodorín, mas soube que não havia qualquer pedido desta
natureza:
— A Polícia Federal informou que Teodorín não está inserido no Sistema
Nacional de Procurados e Impedidos. Já a Justiça francesa explicou que
desistiu, por ora, da ordem de captura por extradição — explicou Orlando
Cunha.
Foi a partir do pedido de cooperação da França e dos Estados Unidos,
solicitando o confisco de uma aeronave Gulfstream G-V de Teodorín —
comprada, em 2006, por R$ 38 milhões, supostamente adquirida pela
prática de corrupção na Guiné Equatorial —, que a investigação começou
no Brasil. Havia a informação de que o vice-presidente viria para o Rio,
no período de 18 a 21 de fevereiro de 2012, durante o carnaval, o que
acabou ocorrendo. Segundo o procurador da República, o avião foi
apreendido por decisão da 10ª Vara Criminal Federal e, no ano seguinte,
instaurado o procedimento criminal para apurar o crime de lavagem de
dinheiro. Nos Estados Unidos, segundo Orlando Cunha, Teodorín acaba de
perder para a Justiça americana uma mansão em Malibu avaliada em US$ 30
milhões. Em 2013, o filho do ditador ganhava 3.300 euros mensais, como
Ministro das Florestas e Agricultura da Guiné Equatorial, salário
insuficiente para o patrimônio que possui.
O procedimento investigatório no Brasil lista os 11 carros de luxo que a
Justiça francesa confiscou, como um Rolls-Royce Phantom conversível, um
Aston Martin Le Mans, entre outros, além de um relógio Piaget Polo
decorado com 498 diamantes, avaliado em 598 mil euros, e um prédio de 5
mil metros quadrados em Paris. Nos Estados Unidos, segundo as
investigações, ele e a família acumularam US$ 700 milhões em apenas uma
das nove instituições financeiras americanas (Riggs Bank), entre 1998 e
2004.
Durante sua estada no Rio, entre sábado (14.fev.2015) e quarta-feira
(18.fev.2015), Teodorín só deixou o Copacabana Palace por algumas horas,
para ir ao Sambódromo nas noites de domingo (15.fev.2015) e
segunda-feira (16.fev.2015), e para o jantar no restaurante Mariu's, na
terça-feira (17.fev.2015). O filho do ditador passou a maior parte do
tempo em sua suíte da cobertura do hotel.
Na quinta-feira (19.fev.2015), na quadra da Beija-Flor, imperou o
silêncio. O presidente da escola, Farid Abraão David, não quis comentar a
polêmica do patrocínio. Já a rainha de bateria, Raíssa Oliveira, que
sugeriu o enredo sobre a Guiné Equatorial, disse desconhecer Teodorín,
acrescentando que seu contato foi com integrantes da comitiva que
costumam contratar shows da Beija-Flor.
A Polícia Federal disse, na quinta-feira (19.fev.2015), que houve uma
incorreção na informação de que o presidente da Guiné Equatorial tinha
chegado ao Brasil por Salvador. Na verdade, havia apenas o registro de
desembarque do filho do presidente, Teodorín.
Edifício nos Jardins, em São Paulo, onde filho de ditador tem uma cobertura |
Governo da Guiné Equatorial entra em contradição sobre origem dos R$ 10 milhões
Nota oficial diz que empresas brasileiras deram recursos. Embaixador afirma que foram companhias africanas
A origem dos R$ 10 milhões dados à Beija-Flor para o enredo que exalta a
Guiné Equatorial se transformou numa guerra de versões, em que até
mesmo os dirigentes do país entraram em contradição. Em nota divulgada
pelo Escritório de Imprensa e Informação, o governo negou que recursos
públicos tenham sido usados para patrocinar a escola, acrescentando que a
iniciativa partiu de empresas brasileiras com negócios na nação
africana. O embaixador da Guiné Equatorial no Brasil, Benigno-Pedro
Matute Tang, deu outra versão. Segundo ele, o dinheiro teria vindo de
empresários do seu país, que teriam arrecadado um valor inferior a R$ 5
milhões. De acordo com o jornal “O Estado de S.Paulo”, Benigno-Pedro
informou que o total seria de 30 doadores:
— Uma conta foi aberta na Guiné para depositar esses recursos. O
dinheiro é movimentado por cidadãos da Guiné, que o repassam à escola.
Tudo dentro da legalidade e comunicado inclusive ao Itamaraty.
Benigno-Pedro não quis revelar em qual banco foi aberta a conta e quem
seriam seus titulares. O embaixador negou até que o patrocínio prometido
fosse de R$ 10 milhões. Ele contou ainda que esteve ontem na quadra da
Beija-Flor e que ninguém da diretoria confirmou ter dito que esse seria o
valor repassado à escola.
Fran-Sérgio, integrante da comissão de carnaval da Beija-Flor, citou
três empreiteiras brasileiras com negócios na Guiné que teriam repassado
dinheiro à escola. Entre elas está a Odebrecht (citada na Operação
Lava-Jato), que negou ter dado qualquer ajuda e até mesmo ter feito
obras no país, embora tenha mantido um escritório na Guiné até o ano
passado. A Queiroz Galvão, que faz obras de saneamento na nação
africana, e a ARG, que constrói duas grandes rodovias, não quiseram
comentar o assunto.
Odebrecht nega que tenha patrocinado a Beija-Flor
Carnavalesco da escola de Nilópolis disse que patrocínio veio de empresas envolvidas na Operação Lava-Jato
Após o governo da Guiné Equatorial dizer que não patrocinou a
Beija-Flor, que venceu o carnaval com um enredo em homenagem ao país, e
afirmar que a iniciativa partiu de “empresas brasileiras”, a Odebrecht -
uma das companhias citadas - negou que tenha patrocinado o enredo da
Beija-Flor. A empreiteira afirmou ainda que sequer realizou obras na
Guiné.
“A Odebrecht não patrocinou o desfile do Grêmio Recreativo Escola de
Samba Beija-Flor, do Rio de Janeiro. A Odebrecht esclarece ainda que
nunca realizou obras na Guiné Equatorial. A empresa chegou a manter um
pequeno escritório de representação no país africano, mas ele foi
desativado em 2014”, diz a nota.
Em 2011, segundo a “Folha de S. Paulo”, o diretor de relações
institucionais da Odebrecht, Alexandrino Alencar, integrou a comitiva de
uma viagem do governo brasileiro à Guiné. Na ocasião, o representante
oficial da delegação brasileira, designado pela presidente Dilma
Rousseff, foi o ex-presidente Lula.
O carnavalesco Fran-Sérgio da Beija-Flor citou ainda a Queiroz Galvão — que, assim
como a Odebrecht, está envolvida nas denúncias da Operação Lava-Jato — e
o grupo ARG como financiadores do carnaval.
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