sábado, 21 de fevereiro de 2015


Entrevista: Joaquim Levy

Ministro diz que a economia brasileira ‘vai entrar no eixo, mesmo que no curto prazo isso pareça difícil’

'A diminuição de subsídios não vai fazer o País parar', diz Levy

'O realismo tarifário é essencial para dar segurança à economia', afirma Levy

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já iniciou sua cruzada para ver aprovado pelo Congresso Nacional o plano que representa uma guinada na política fiscal, com corte de subsídios, redução de incentivos e recalibragem de benefícios previdenciários e trabalhistas. A forma que escolheu para convencer parlamentares e a população em geral é a mais direta possível: garantir a retomada do emprego e evitar a tendência atual de estagnação. “O Congresso votar as medidas fiscais é importante para que decisões que vão levar ao crescimento do emprego comecem a ser tomadas logo. Temos de sinalizar mudanças rapidamente, para dar tempo de reverter, ainda este ano, a tendência de estagnação”, afirma.
Em entrevista por e-mail, Levy acena com o aprimoramento das medidas. Diminuir subsídios e incentivos, garante, não vai fazer o Brasil parar. Levy diz que o governo tem meios, sim, de cumprir a meta fiscal deste ano. E defende abertamente ajustes e governança “amarrada” no Fies e Pronatec, programas de incentivo à educação que envolvem “bilhões” de reais. “A economia vai entrar no eixo, mesmo que no curto prazo pareça difícil”, prevê.

A meta fiscal de 1,2% do PIB está ameaçada?
Não vejo ameaça. Em 2014, o emprego desacelerou fortemente. Ficou claro que insistir nas políticas anticíclicas não estava dando certo. A incerteza fiscal começou a minar a vontade de investir e isso tinha de mudar. Estamos respondendo a essa realidade. A discussão no Congresso e na sociedade sobre qualquer medida legislativa é natural, e, em princípio, positiva. É da essência da democracia. A população tem entendido a necessidade fiscal das medidas e como elas fortalecem a capacidade do Estado de implementar suas políticas sociais, reduzindo distorções e excessos da lei.

O sr. vai entregar a meta prometida?
Não tenho dúvidas sobre isso. A presidente Dilma vem mostrando total comprometimento com o superávit de 1,2% do PIB para este ano. Há meios para chegarmos lá, sim.

A eleição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aumenta a incerteza sobre a aprovação das medidas de ajuste?
O presidente Cunha é um parlamentar bastante experiente. Na posição em que se encontra, pensa, principalmente, na estabilidade e na capacidade do País de crescer. Tenho convicção de que ele e o presidente do Senado, Renan Calheiros, conduzirão a votação das MPs de forma a permitir a livre manifestação de eventuais preocupações do Congresso e a avaliação de possibilidades de aprimoramento dessas medidas. Há bastante entendimento de que são medidas indispensáveis para o Brasil voltar a crescer. Até agora não criamos novos impostos ou algo inusitado, simplesmente estamos normalizando coisas que haviam sido afrouxadas na perspectiva anticíclica. E anticíclico é temporário.

Por que o sr. não vai entrar na linha de frente das negociações?
Não é exato que eu não vá participar. Governo é assim: você reparte tarefas para dar conta de tudo. É muito bom quando se decidiu ter ministros experientes como o da Previdência Social e do Planejamento explicando ao público por que os ajustes nas regras das pensões nos aproximam de legislações que valem na maior parte dos países. Muitas pessoas têm dado apoio a essas propostas de mudanças, que protegem os direitos do trabalhador.

Que tipo de ajuste se faz com uma economia que não cresce?
É importante a economia voltar a crescer. E, para isso, as pessoas têm de saber o que propomos e se isso é sustentável. A diminuição de subsídios e incentivos fiscais não vai fazer o País parar. Dada a arrecadação atual e o resultado primário de 2014, levar os gastos discricionários aos níveis de 2013, que foi um ano até certo ponto expansionista, pode ser um caminho bastante seguro. A gente não está vivendo uma crise em que a economia só possa sobreviver com doses crescentes de amparo. Ficar na cama, debaixo do cobertor, pode ser bom. Mas, quando o despertador toca, a gente salta para ir trabalhar e ganhar a vida. É assim com as pessoas e os países que são vencedores.

Então, precisa do “espírito animal” dos empresários?
A muito repetida frase do (economista John Maynard) Keynes tinha a ver com o otimismo que ele considerava inato aos empresários. Empreendedor tem de ser otimista, não é? Mas, apesar do contraste que ele fez entre a espontaneidade e a matemática financeira, ninguém rasga dinheiro. Assim, só vai haver retomada quando os empreendedores sentirem alguma segurança, a começar pela fiscal. Por isso, o Congresso votar as medidas fiscais é tão importante, para que as decisões que vão levar ao crescimento do emprego comecem a ser tomadas logo. As estatísticas mostram que só foram criados 150 mil empregos formais no ano passado. Portanto, temos de sinalizar mudanças rapidamente, para dar tempo de reverter, ainda este ano, essa tendência de estagnação.

O governo vai cortar programas sociais? Fies e Pronatec (programas de financiamento estudantil) serão atingidos?
O ministro Cid Gomes é exemplo de alguém que entende profundamente da educação e está fazendo ajustes que vão melhorar e dar sustentabilidade a programas chaves para o Brasil. Aumentar o número de universitários é muito bom e tende a ajudar a aumentar o PIB potencial do País. Mas, na medida em que envolve o governo, emitir bilhões de reais em dívida pública, para pagar mensalidades em faculdades particulares, é óbvio que a governança desse programa tem de ser muito bem amarrada. Senão, serão grandes decepções mais para a frente. Dos estudantes, do contribuinte e do investidor. No Pronatec, também tem de focar na qualidade dos resultados e na governança. Especialmente quando a economia vai passar por uma reengenharia, devido à reversão dos preços das matérias-primas. Nesse ambiente, a disponibilidade de mão de obra, com mais qualificação e muita motivação, vai ser o caminho para crescermos.

Mas vai ter saco de maldades?
Não é o nosso espírito. O que temos feito é, na verdade, do bem. Quase sempre reduz disparidades entre pessoas e empresas ou setores, e é feito para colocar o Brasil de volta na rota do crescimento.

O realismo tarifário fazer estourar o teto da meta inflacionária não é um grande problema?
O realismo tarifário é essencial para dar segurança à economia. Em um primeiro momento, isso tem impacto nos preços, mas o efeito final na inflação depende da disciplina fiscal e da vigilância do Banco Central. Política fiscal não expansionista ajuda a evitar que um aumento de preços pontual se transforme em inflação, no sentido de um processo de realimentação de preços. E a política monetária tem de continuar a agir para dissipar aquele impacto inicial, evitando efeitos secundários sobre a inflação. A política monetária tem de ficar vigilante para as expectativas se manterem ancoradas.

Qual a solução para o balanço da Petrobrás?
A Petrobrás já está dando a virada que todos queremos ver acontecer. O impasse contábil será vencido a tempo, com serenidade e muita transparência. Junto com a companhia, a auditoria independente vai achar a forma correta e aceita pelos reguladores do mercado para registrar o que for adequado. Com isso, as coisas boas da empresa voltarão a ser valorizadas, especialmente porque há um grande compromisso de reforçar os processos de gestão. Esse processo já começou no âmbito de produção e vai se ampliar para outras áreas. A produção de petróleo e gás, que vinha caindo nos últimos anos, começou a crescer em 2014 principalmente devido ao pré-sal. A gente não deve ser ufanista, mas de vez em quando vale a pena dizer “O Brasil pode!”. Ou, para não maltratar o vernáculo, “a gente consegue fazer bem!”

As agências de rating virão ao Brasil e encontrarão indicadores muito ruins, o caso Petrobrás e o risco de racionamento. O que o sr. vai dizer?
Você descreveu uma fotografia não muito bonita: há indicadores que se deterioraram, inclusive o déficit externo. Mas a economia vai entrar no eixo, mesmo que no curto prazo pareça difícil. O País mostrou isso outras vezes, quando havia desconfiança. A trajetória da dívida tem de ser de redução, até porque nossos competidores têm uma relação dívida/PIB mais baixa do que a nossa, e não estamos desejosos de entrar para o clube das grandes economias com redução de nota de risco. Tenho dito, e não vejo por que pensar diferente, que o Brasil tem de ter por prioridade melhorar a nota da dívida pública. Ter a ambição de chegar à nota A. Não há motivos para rebaixamentos.

Essas questões não estão longe do dia a dia das pessoas?
Pode parecer abstrato, mas para quem está na linha de frente não escapou que a curva de juros mudou de inclinação nos últimos três meses. A ponta longa, que é a importante para o investidor, caiu. Esse é um exemplo de como expectativas afetam preços e comportamentos. Se a gente entregar o que está se propondo, tenho certeza de que a ponta longa pode continuar com inclinação favorável, mesmo com a curva americana subindo. E aí vamos ter crédito de longo prazo de verdade. Vamos ter uma economia mais livre e robusta. Não vai ser presente do céu, mas, na medida em que avançarmos, que o equilíbrio fiscal melhorar, isso vai chegar às pessoas na rua e, antes disso, aos empresários.


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