AGU sai em defesa de acordo com empreiteiras
Ministro Luís Inácio Adams grava vídeo para explicar ponto de vista do governoAcordos de leniência terão cláusula para cobrar valor extra de empresas se algo for descoberto no futuro
O ministro da Advocacia Geral da União, Luís Inácio Adams, divulgou
neste sábado (21.fev.2015) um vídeo no qual explica o que é um acordo de
leniência e defende o instrumento para que casos de corrupção possam
ter punição aos culpados, mas que “não inviabilize uma empresa que tenha
milhares de funcionários''. Eis o vídeo:
Na gravação, Adams explica que a punição a empresas que sejam apanhadas
em casos de corrupção inclui uma multa de até 20% do faturamento e a
“impossibilidade da contratação pelo Estado''. A empresa pode ficar “até
um período de 5 anos'' sem ter negócios com o Estado e “não poderá
receber créditos do BNDES'' e de outras entidades públicas.
Tudo isso pode ser evitado com o acordo de leniência, diz o titular da
AGU – numa resposta às críticas recebidas do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas da União.
Segundo Adams, os acordos de leniência não terão interferência na esfera
criminal que vai atingir executivos de empresas envolvidas em
corrupção. “Essas pessoas continuarão a ser investigadas, depois
julgadas, se for caso, e eventualmente punidas”.
Mas como é possível fazer já um acordo de leniência com empresas se não
se sabe ainda o tamanho do desfalque que provocaram nos cofres públicos?
Adams respondeu: “Os acordos de leniência poderão, acho que devem
conter, uma cláusula bem específica dizendo que o valor integral do
ressarcimento pago agora poderá ser corrigido, e aumentado, se no futuro
aparecerem mais fatos durante as fases futuras da investigação.
Para o ministro, “a lei não é feita para fechar empresas”.
“Um acordo que eventualmente venha a ser feito é um acordo que exige a
efetiva resposta a essas premissas: ressarcimento integral [de dinheiro
desviado com corrupção], colaboração com investigação e regras de
‘compliance’ [obediência às normas anticorrupção] para o futuro”.
Ministério Público quer impedir acordo entre governo e empreiteiras
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) quer
evitar que as empreiteiras acusadas de corrupção na Operação Lava Jato
firmem acordos de leniência com o governo federal por meio da
Controladoria-Geral da União (CGU). O procurador Júlio Marcelo de
Oliveira encaminhou sexta-feira uma representação [de ação cautelar
contra a celebração de acordos de leniência entre o governo federal e as
empreiteiras acusadas de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato] ao
presidente do TCU, ministro Aroldo Cedraz, pedindo que o tribunal
determine que a CGU não celebre acordos que possam atrapalhar o curso
das investigações feitas pela Polícia Federal.
"Esta é a primeira vez que estamos enfrentando essa questão no Brasil. A
CGU nunca celebrou um acordo de leniência antes e acontece logo em um
caso de grandes dimensões", afirmou o procurador Júlio Marcelo de
Oliveira. Para ele, a atuação, ao mesmo tempo, da CGU, do MPF e de
outros órgãos pode acabar em conflitos. "Estou fazendo a minha parte e o
TCU pode dar uma colaboração importante para o caso", disse. É difícil,
segundo Oliveira, saber se sua solicitação será atendida e quando isso
ocorrerá.
No documento, o procurador defende que a "ampla possibilidade" de
acordos de leniência traz embaraços aos avanços da investigação. "Se for
possível às empresas envolvidas em corrupção escolher com qual órgão
elas vão celebrar acordos de leniência, evidentemente elas vão atuar
como se estivessem em um leilão, escolhendo o acordo que lhes ofereça as
melhores condições, novamente em prejuízo do interesse público de por
fim à corrupção".
O procurador ainda colocou na representação que, com acordos de
leniência, a CGU pode atravessar a investigação da Operação Lava Lato.
"Não tem cabimento que, no curso de uma investigação conduzida pelo MPF,
possa outro órgão qualquer, sem a mesma independência e autonomia, sem o
mesmo largo espectro de atuação, atravessar a investigação." A decisão
de pedir a ação cautelar, segundo o procurador, foi tomada porque ele
identificou sinais de que o governo estaria na iminência de assinar
acordos de leniência via CGU, o que poderia prejudicar as investigações.
"O que eu defendo é: sempre que houver operação conduzida no MPF e vai
fazer avaliação penal e cível e com repercussões judiciais, esta
instância tem de prevalecer sobre as outras para fins de leniência. Se
não, atrapalha", defendeu. Até porque, lembrou o procurador, a CGU não
possui autonomia, pois é um órgão subordinado à Presidência.
Três associações
Contas Abertas, Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo
dos Tribunais de Contas do Brasil e a Associação da Auditoria de
Controle Externo do Tribunal de Contas da União - demonstraram ao
procurador preocupação em relação a acordos que possam vir a ser
celebrados pela CGU. "Tudo leva a crer que está na iminência de esses
acordos serem celebrados e eles podem atrapalhar as investigações que
estão em curso", destacou o secretário-geral da Associação Contas
Abertas, Gil Castelo Branco.
"Entendemos que o TCU deve dar uma cautelar no sentido de que a CGU não
celebre acordos de leniência com empresas investigadas, a não ser que já
tenha sido liberado pelo Ministério Público", disse Castelo Branco. "A
CGU fica na esfera administrativa e este assunto está sendo tratado na
esfera judicial. O ideal é que investigações continuem e que, se um
acordo desses tiver de ser celebrados, seja feito pelo Ministério
Público", reforçou.
Para lembrar
O que chamou a atenção do Ministério Público e das entidades que estão
contra o acordo de leniência entre CGU e empreiteiras foi uma operação
muito rápida do governo para tentar esse caminho.
O Tribunal de Contas da União aprovou uma instrução normativa (a 74/2015) na semana passada a respeito do tema. A decisão do TCU se ampara na Lei Anticorrupção (12.846/2013),
que ainda não foi regulamentada. Pela norma adotada, o TCU passa a ter o
poder de ser avalista dos acordos de leniência entre a CGU e as
empreiteiras citadas na Operação Lava Jato.
A instrução do TCU foi aprovada em uma rápida sessão no último dia
11.fev.2015, a quarta-feira antes dos feriados de carnaval. O governo
federal fez pressão sobre vários ministros do TCU para que a medida
fosse adotada o mais brevemente possível.
Para derrubar a instrução do TCU será necessário que o Congresso (Câmara
e Senado) aprovem um projeto de decreto legislativo já protocolado pelo
PPS, um dos poucos partidos na oposição ao governo federal.
A Lei Anticorrupção é confusa e ainda não foi regulamentada. A lei
12.846 de fato estabelece a possibilidade de a Controladoria Geral da
União ser “o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no
âmbito do Poder Executivo federal”, como está escrito no parágrafo 10 do
artigo 16.
Ocorre que no caso da Operação Lava Jato o agente corruptor
(empreiteiras) estará então celebrando um acerto diretamente com o
agente corrompido (o governo federal, uma vez que a Petrobras é
controlada pela União).
Há ainda um outro componente que sugere um choque entre os Poderes da
República. Se a CGU fizer um acordo de leniência neste momento com
empreiteiras da Lava Jato, as investigações conduzidas pela Justiça
Federal, ainda em curso, resultarão nulas para efeito judicial
condenatório mais adiante.
Ou seja, o Poder Executivo federal, por meio da CGU, estaria manietando a
ação de um juiz mais na frente, que não poderia mais condenar as
empreiteiras sobre as quais possa haver provas robustas sobre corrupção.
[GLOSSÁRIO: Ação cautelar é uma medida que busca a
assegurar um direito de maneira preventiva quando há risco de que algum
ato possa prejudicar o processo principal. Acordo de leniência
é um acerto entre uma empresa e órgãos reguladores: a firma aceita a
culpa, paga uma multa, promete ajustar sua conduta e sai livre de outras
punições].
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