Punição mais pesada contra Petrobrás
virá dos EUA, e não do Brasil
Poder de fogo para multas e acordos
bilionários do sistema dos Estados Unidos se contrapõe à atuação
limitada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à falta de proteção
aos investidores no País
A ação simultânea da Securities and Exchange Comission (SEC), do
Departamento de Justiça (DoJ) e dos tribunais norte-americanos indica
que virá de fora a artilharia mais pesada contra a Petrobrás se
comprovadas as denúncias de corrupção e apurados os prejuízos aos
investidores estrangeiros. O poder de fogo para multas e acordos
bilionários do sistema dos Estados Unidos se contrapõe à atuação
limitada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à falta de proteção
aos investidores no Brasil.
Apurou-se que o Departamento de Justiça dos EUA já enviou técnicos para o
Rio de Janeiro com o objetivo de investigar as denúncias. Especialistas
falam que a empresa pode ter que arcar com multas de "centenas de
milhões de dólares" lá fora. Até agora, a companhia brasileira já é alvo
de cinco processos nos EUA, quatro de investidores e um de uma cidade, o
município de Providence, todos reclamando indenização para as perdas em
aplicações em papéis da Petrobrás, que caíram após os problemas se
tornarem públicos.
Por aqui, a CVM está ligada ao Ministério da Fazenda, o que acaba
abrindo questionamentos sobre seu poder para atuar em casos ligados a
empresas controladas pelo governo federal. Além disso, a autarquia tem
papel administrativo e o valor de suas multas é restrito.
"A lei nos EUA e o poder judiciário são mais rígidos e fazem com que se
tenha punições mais graves e economicamente maiores para as empresas do
que no Brasil", afirma o advogado do escritório Almeida Advogados, André
de Almeida, que se associou ao escritório Wolf Popper para abrir uma
ação coletiva contra a Petrobrás nos EUA.
"A CVM e a SEC deveriam ser igualmente rígidas, porque as práticas de má
governança corporativa da empresa ocorreram e afetaram as ações que são
negociadas no Brasil e nos EUA. Os fatos são os mesmos", completa. Para
ele, a Petrobrás "tem grande influência na sociedade brasileira" e, por
isso, pode ser que a SEC se sinta mais independente para julgá-la.
Em entrevista esta semana, o presidente da CVM, Leonardo Pereira,
descartou qualquer constrangimento do órgão em investigar e punir a
União, controladora da Petrobrás, se necessário. "Não é verdade que a
CVM só agiu por causa da SEC (no caso Petrobrás)", afirmou Pereira,
destacando que é preciso ter uma instrução sólida dos processos antes de
acusar. "Nós mandamos um ofício à Petrobrás em outubro e quando
mandamos um ofício é porque estamos analisando um caso há algum tempo."
No fim de 2014, a CVM abriu um inquérito administrativo para aprofundar
as investigações sobre as denúncias de corrupção feitas contra a
Petrobrás na Operação Lava Jato e envolvendo a prestadora de serviços
SBM Offshore. Há mais quatro processos administrativos abertos nas áreas
técnicas da CVM, que também acompanha com lupa o adiamento na
divulgação do balanço da estatal. O prazo para envio dos dados do
terceiro trimestre de 2014 venceu em novembro. Após 12 meses a estatal
pode ter suspenso o registro para negociar ações.
"Nos EUA a punição deve ser maior porque lá existe uma indústria de
ações coletivas e não é nem mesmo preciso ser acionista da empresa da
época do ocorrido pra ir pra Justiça; aqui, os investidores não vão para
a Justiça porque sabem que demora e os custos são imprevisíveis", diz
um ex-diretor da CVM que preferiu não se identificar.
Ministério Público - A CVM já atuou em conjunto com o MPF em ações civis
públicas, a exemplo do caso Laep e de situações envolvendo o uso de
informação privilegiada (insider trading), o que lhe garantiu resultados
mais efetivos. Nos casos de negociação com ações da Ipiranga e da
Suzano Petroquímica, a autarquia conseguiu liminares para suspender a
liquidação das compras de papéis no mercado por haver fortes evidências
de "insider". Por enquanto, esse tipo de medida não está sendo
considerada.
A estrutura tecnológica, os recursos humanos e poderes de investigação
da autarquia ainda estão aquém de seu par americano. A brasileira tem um
quadro de 500 pessoas e orçamento na casa dos R$ 300 milhões. Enquanto
isso, a SEC solicitou US$ 1,7 bilhão em recursos para 2015 e conta com 4
mil funcionários. Só em 2014 o regulador americano arrecadou US$ 4,16
bilhões em penalidades, em um recorde de 755 ações. A diferença acaba se
refletindo em uma demora maior para a conclusão dos processos no
Brasil. A redução desse tempo é uma das metas da atual gestão da CVM. Em
2015 o colegiado se comprometeu a julgar todos os processos
encaminhados aos relatores até 1º de janeiro de 2013.
Por outro lado, a SEC fiscaliza um mercado muito maior e mais complexo
que o brasileiro. Somente a Bolsa de Nova York (Nyse) tem empresas
listadas com valor de mercado equivalente a US$ 16,6 trilhões, quase o
PIB americano em 2013. No Brasil, as 362 companhias da BM&FBovespa
valem hoje US$ 827,6 bilhões.
Nos EUA, a maior parcela das multas costuma ficar com o Departamento de
Justiça. A SEC fica com parcela menor, mas pode impor sanções
administrativas que incluem a suspensão de negociação das ações nas
bolsas no país, no caso da falta de divulgação de documentos, e vetar
executivos de trabalharem no mercado de capitais norte-americano ou
ainda multá-los individualmente. Juntos, os órgãos fecharam recentemente
multas e acordos bilionários com instituições como o Bank of America
(US$ 16,5 bilhões) e o Citigroup (US$ 7 bi), em decorrência da crise de
2008.
Além de fiscalizar a prestação de informações pelas companhias abertas, a
CVM pode punir as violações à Lei das Sociedades Anônimas. É o caso da
quebra dos deveres de lealdade e diligência por conselheiros de
administração e diretores, que poderão ser levantadas no caso Petrobrás.
Mesmo que conduza investigações consistentes, a punição pela CVM
esbarra no baixo valor de suas multas. Segundo Pereira uma proposta de
elevação do teto das penas foi encaminhada ao governo federal no fim do
ano passado.
As maiores multas administrativas individuais já aplicadas pelos
critérios da CVM foram de R$ 264,6 milhões a Eduardo Jorge Saad, por
fraudes no Banco do Estado do Rio de Janeiro (Berj); e R$ 264,5 milhões a
Edmar Cid Ferreira, no caso do Banco Santos. A punição a todos os
envolvidos no processo do banco paulista, aliás, foi a maior da história
da CVM: R$ 667 milhões.
A sanção aos atos de corrupção em si não entram no mandato da CVM. Esses
casos podem ser enquadrados na Lei do Cade, que trata de fraude à
concorrência, ou na Lei Anticorrupção. Ambas determinam a aplicação de
multas que vão de 0,1% a 20% do faturamento da companhia. Ainda não se
sabe se as denúncias da Operação Lava Jato serão abarcadas pela Lei
Anticorrupção, que está em fase de regulamentação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário