sábado, 17 de janeiro de 2015


Punição mais pesada contra Petrobrás 
virá dos EUA, e não do Brasil
Poder de fogo para multas e acordos bilionários do sistema dos Estados Unidos se contrapõe à atuação limitada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à falta de proteção aos investidores no País


A ação simultânea da Securities and Exchange Comission (SEC), do Departamento de Justiça (DoJ) e dos tribunais norte-americanos indica que virá de fora a artilharia mais pesada contra a Petrobrás se comprovadas as denúncias de corrupção e apurados os prejuízos aos investidores estrangeiros. O poder de fogo para multas e acordos bilionários do sistema dos Estados Unidos se contrapõe à atuação limitada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à falta de proteção aos investidores no Brasil.
Apurou-se que o Departamento de Justiça dos EUA já enviou técnicos para o Rio de Janeiro com o objetivo de investigar as denúncias. Especialistas falam que a empresa pode ter que arcar com multas de "centenas de milhões de dólares" lá fora. Até agora, a companhia brasileira já é alvo de cinco processos nos EUA, quatro de investidores e um de uma cidade, o município de Providence, todos reclamando indenização para as perdas em aplicações em papéis da Petrobrás, que caíram após os problemas se tornarem públicos.
Por aqui, a CVM está ligada ao Ministério da Fazenda, o que acaba abrindo questionamentos sobre seu poder para atuar em casos ligados a empresas controladas pelo governo federal. Além disso, a autarquia tem papel administrativo e o valor de suas multas é restrito.
"A lei nos EUA e o poder judiciário são mais rígidos e fazem com que se tenha punições mais graves e economicamente maiores para as empresas do que no Brasil", afirma o advogado do escritório Almeida Advogados, André de Almeida, que se associou ao escritório Wolf Popper para abrir uma ação coletiva contra a Petrobrás nos EUA.
"A CVM e a SEC deveriam ser igualmente rígidas, porque as práticas de má governança corporativa da empresa ocorreram e afetaram as ações que são negociadas no Brasil e nos EUA. Os fatos são os mesmos", completa. Para ele, a Petrobrás "tem grande influência na sociedade brasileira" e, por isso, pode ser que a SEC se sinta mais independente para julgá-la.
Em entrevista esta semana, o presidente da CVM, Leonardo Pereira, descartou qualquer constrangimento do órgão em investigar e punir a União, controladora da Petrobrás, se necessário. "Não é verdade que a CVM só agiu por causa da SEC (no caso Petrobrás)", afirmou Pereira, destacando que é preciso ter uma instrução sólida dos processos antes de acusar. "Nós mandamos um ofício à Petrobrás em outubro e quando mandamos um ofício é porque estamos analisando um caso há algum tempo."
No fim de 2014, a CVM abriu um inquérito administrativo para aprofundar as investigações sobre as denúncias de corrupção feitas contra a Petrobrás na Operação Lava Jato e envolvendo a prestadora de serviços SBM Offshore. Há mais quatro processos administrativos abertos nas áreas técnicas da CVM, que também acompanha com lupa o adiamento na divulgação do balanço da estatal. O prazo para envio dos dados do terceiro trimestre de 2014 venceu em novembro. Após 12 meses a estatal pode ter suspenso o registro para negociar ações.
"Nos EUA a punição deve ser maior porque lá existe uma indústria de ações coletivas e não é nem mesmo preciso ser acionista da empresa da época do ocorrido pra ir pra Justiça; aqui, os investidores não vão para a Justiça porque sabem que demora e os custos são imprevisíveis", diz um ex-diretor da CVM que preferiu não se identificar.
Ministério Público - A CVM já atuou em conjunto com o MPF em ações civis públicas, a exemplo do caso Laep e de situações envolvendo o uso de informação privilegiada (insider trading), o que lhe garantiu resultados mais efetivos. Nos casos de negociação com ações da Ipiranga e da Suzano Petroquímica, a autarquia conseguiu liminares para suspender a liquidação das compras de papéis no mercado por haver fortes evidências de "insider". Por enquanto, esse tipo de medida não está sendo considerada.
A estrutura tecnológica, os recursos humanos e poderes de investigação da autarquia ainda estão aquém de seu par americano. A brasileira tem um quadro de 500 pessoas e orçamento na casa dos R$ 300 milhões. Enquanto isso, a SEC solicitou US$ 1,7 bilhão em recursos para 2015 e conta com 4 mil funcionários. Só em 2014 o regulador americano arrecadou US$ 4,16 bilhões em penalidades, em um recorde de 755 ações. A diferença acaba se refletindo em uma demora maior para a conclusão dos processos no Brasil. A redução desse tempo é uma das metas da atual gestão da CVM. Em 2015 o colegiado se comprometeu a julgar todos os processos encaminhados aos relatores até 1º de janeiro de 2013.
Por outro lado, a SEC fiscaliza um mercado muito maior e mais complexo que o brasileiro. Somente a Bolsa de Nova York (Nyse) tem empresas listadas com valor de mercado equivalente a US$ 16,6 trilhões, quase o PIB americano em 2013. No Brasil, as 362 companhias da BM&FBovespa valem hoje US$ 827,6 bilhões.
Nos EUA, a maior parcela das multas costuma ficar com o Departamento de Justiça. A SEC fica com parcela menor, mas pode impor sanções administrativas que incluem a suspensão de negociação das ações nas bolsas no país, no caso da falta de divulgação de documentos, e vetar executivos de trabalharem no mercado de capitais norte-americano ou ainda multá-los individualmente. Juntos, os órgãos fecharam recentemente multas e acordos bilionários com instituições como o Bank of America (US$ 16,5 bilhões) e o Citigroup (US$ 7 bi), em decorrência da crise de 2008.
Além de fiscalizar a prestação de informações pelas companhias abertas, a CVM pode punir as violações à Lei das Sociedades Anônimas. É o caso da quebra dos deveres de lealdade e diligência por conselheiros de administração e diretores, que poderão ser levantadas no caso Petrobrás. Mesmo que conduza investigações consistentes, a punição pela CVM esbarra no baixo valor de suas multas. Segundo Pereira uma proposta de elevação do teto das penas foi encaminhada ao governo federal no fim do ano passado.
As maiores multas administrativas individuais já aplicadas pelos critérios da CVM foram de R$ 264,6 milhões a Eduardo Jorge Saad, por fraudes no Banco do Estado do Rio de Janeiro (Berj); e R$ 264,5 milhões a Edmar Cid Ferreira, no caso do Banco Santos. A punição a todos os envolvidos no processo do banco paulista, aliás, foi a maior da história da CVM: R$ 667 milhões.
A sanção aos atos de corrupção em si não entram no mandato da CVM. Esses casos podem ser enquadrados na Lei do Cade, que trata de fraude à concorrência, ou na Lei Anticorrupção. Ambas determinam a aplicação de multas que vão de 0,1% a 20% do faturamento da companhia. Ainda não se sabe se as denúncias da Operação Lava Jato serão abarcadas pela Lei Anticorrupção, que está em fase de regulamentação.

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