domingo, 25 de janeiro de 2015


O verão dos ‘apaguinhos’
Queixas de falhas no fornecimento aumentam 68%.

Transtorno constante. Alessandra Castinheiras e o filho, Arthur Cezar,
ficaram sem energia duas vezes na última semana:
em casa, sem video game nem tablet para distrair do calor

Os problemas no setor elétrico vão além dos que causaram o apagão em 11 estados e no Distrito Federal na última segunda-feira (19.jan.2015). Há diversos “apaguinhos” sendo sentidos pelo Brasil. São falhas de fornecimento que afetam ruas ou bairros por algumas horas e que atormentam a vida da população. Em geral, as pequenas quedas de eletricidade ocorrem por problemas na distribuição de energia, causada pelo aumento do consumo neste verão sem o devido investimento das empresas, e por problemas meteorológicos. E, ao que tudo indica, há mais “apaguinhos” neste verão que em anos passados, segundo consumidores e especialistas.

No site da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), crescem as queixas de consumidores. Nos primeiros 19 dias de janeiro foram protocoladas 3.293 reclamações, número 68% acima do registrado em dezembro de 2014 (1.955 reclamações) e mais de 10% de todo o ano anterior, que somou 27.727 reclamações. Na média destes primeiros dias de 2015, foram 173,3 reclamações diárias de falta de energia, contra a média de 135,4 de janeiro de 2014, quando as reclamações em todo mês chegaram a 4.197.

Ainda não existem estatísticas oficiais do setor sobre estas falhas menores no fornecimento de energia — há uma defasagem de informações de dois meses —, mas há indicativos de que o problema está se intensificando. Algumas destas informações são calculadas pela própria Aneel. No acumulado de 2014 até outubro, três regiões do país já haviam superado o limite anual de duração de interrupções de fornecimento (DEC, indicador que corresponde ao tempo médio, em horas, que cada residência de uma área ficou sem energia): Sul, Centro-Oeste e Norte. No Sudeste e no Nordeste o número estava muito próximo de ser ultrapassado. A média nacional do indicador ficou em 14,29 em dez meses, contra o limite de 14,47 para todo o ano de 2014.

Assim como ocorreu com o apagão nacional, a falta de energia cada vez mais se concentra no meio da tarde, novo pico de consumo com a onda de calor e o aumento de aparelhos de ar-condicionado. Isso reforça a tese de que há falhas na manutenção das redes, planejadas para outro tipo de consumo. Ainda há falhas de fornecimento causadas por temporais. Mas mesmo em locais onde não chove, os problemas ocorrem.

MEMÓRIA DA ESCASSEZ
Na década de 1950, as falhas no fornecimento de energia davam samba. Marchinhas tratavam do tema no país que se industrializava em alta velocidade. Depois, grandes obras, incluindo a maior hidrelétrica do mundo, Itaipu, passaram a gerar energia farta e barata. Mas, a partir da virada do século, a crise energética se abateu de vez sobre o Brasil.

Em 1999, o país viveu o que foi considerado seu maior apagão até então, após um raio atingir uma subestação que atendia a Itaipu. Mas, de julho de 2001 a setembro de 2002, o Brasil precisou entrar em racionamento em razão da falta de investimentos, da alta do consumo e da seca prolongada. A medida teve forte impacto na economia e na imagem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que havia iniciado a privatização do setor.

Desde então, evitar apagões e racionamento virou obsessão dos governos. Mas as falhas voltaram a ocorrer. A maior foi em novembro de 2009, quando um problema na linha de transmissão de Itaipu deixou 18 estados no escuro. Em 2012, o Nordeste ficou diversas vezes sem luz, e um blecaute atingiu o país em dezembro. Em fevereiro de 2014 e 19 de janeiro deste ano novos apagões ocorreram. Os vilões foram picos de consumo e falhas na transmissão, que substituíram o “raio” como o culpado da vez.

BRASIL PERDERIA R$ 6 BILHÕES COM RACIONAMENTO DE ENERGIA
Situação teria impacto direto no Produto Interno Bruto.
Técnicos do governo chegaram a calcular, no ano passado, qual seria o impacto de um racionamento de energia, indicando um cenário desastroso para a economia do país. Essas contas apontaram um efeito imediato de perda de quase R$ 6 bilhões para a economia, sem considerar os efeitos indiretos. Esse número decorre do cálculo de uma eventual redução de carga na economia nacional, em torno de 10%. A conta é feita todos os anos e, em 2014, foi um dos parâmetros para avaliar a decisão de se adotar um racionamento. O resultado da conta também é importante para decisões de investimentos.

A escassez de energia elétrica no país pode ameaçar o esforço da nova equipe econômica do governo Dilma Rousseff para trazer credibilidade às contas públicas. Além de afetar perspectivas relativas ao crescimento do país e à alta da inflação, um racionamento de energia neste ano frustraria, ainda, as expectativas de arrecadação. Uma queda nas receitas atrapalharia o plano de recuperar a credibilidade das contas públicas — uma prioridade do time do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Nenhum comentário:

Postar um comentário