Disney usa empresa em paraíso fiscal para manobra que reduz imposto
Vazamento de papéis sigilosos indica prática realizada a partir de Luxemburgo
Koch Industries, Skype e outras 32 empresas também se beneficiariam da estratégia
Koch Industries, Skype e outras 32 empresas também se beneficiariam da estratégia
Mickey Mouse, personagem da Disney, posa em frente a castelo em parque temático na França |
A The Walt Disney Company, conglomerado norte-americano proprietário de
estúdios de cinema, canais de televisão e parques temáticos, tem
empresas no paraíso fiscal de Luxemburgo que podem ser utilizadas para
reduzir o imposto devido nos Estados Unidos.
A manobra foi revelada por um vazamento de papéis confidenciais obtidos pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), ONG com sede em Washington.
Em novembro, o ICIJ já havia divulgado que empresas multinacionais como Pepsi, Ikea e FedEx e os bancos brasileiros Bradesco e Itaú-Unibanco fizeram uso do mesmo artifício. O caso ficou conhecido como “Lux Leaks”.
O ICIJ recebeu o novo lote de documentos após a primeira séria de
reportagens. Além da Disney, estão na lista divulgada na terça-feira
(9.dez.2014) a Koch Industries, segunda maior empresa de capital fechado
dos EUA, a gigante de telefonia por internet Skype e outras 32
companhias. As manobras teriam sido realizadas entre 2003 e 2011.
As repórteres Alison Fitzgerald e Marina Walker Guevara, do ICIJ,
relatam que a Disney e a Koch foram instruídas pela consultoria Ernst
& Young a registrar algumas de suas empresas em Luxemburgo e a criar
companhias financeiras internas, como se fossem bancos próprios.
Essa é uma das estratégias utilizadas por empresas multinacionais para
enviar parte de seus lucros a Luxemburgo. O banco interno sediado no
paraíso fiscal concede empréstimos a filiais em outros países, como
França ou Alemanha, e recebe de volta o pagamento de juros. Por meio
desse canal, o lucro é transferido a baixa tributação, inferior a 1% em
alguns casos.
Segundo o ICIJ, é impossível determinar quanto a Disney e a Koch teriam
economizado em pagamento de impostos nos EUA sem acessar o imposto de
renda declarado ao governo norte-americano, protegido sob sigilo.
As regras de Luxemburgo são legais dentro do país, mas podem ser
contestadas por outras autoridades se houver entendimento de que elas
reduzem o pagamento do imposto devido nos locais de origem.
Outra maneira de as companhias enviarem seus lucros para Luxemburgo é
registrar suas marcas e patentes em uma subsidiária no paraíso fiscal e
fazer as filiais instaladas ao redor do mundo pagarem royalties pelo seu
uso.
Segundo Fitzgerald e Guevara, a estratégia utilizada pela Disney segue
um roteiro de 34 etapas proposto em outubro de 2008 pela Ernst &
Young. A movimentação contábil confere à Disney a capacidade de retirar
seu lucro de países com tributação pesada, como França e Alemanha.
A peça-chave dessa estrutura é uma empresa financeira da Disney chamada
Wedco Participations SCA, sediada em Luxemburgo. Essa empresa concede
empréstimos às outras subsidiárias a alta taxas, extraindo o lucro na
forma de pagamento de juros. Segundo os documentos obtidos pelo ICIJ, a
Wedco registrou em 4 anos lucro de € 1 bilhão e pagou € 2,8 milhões em
impostos, taxa menor que 1%.
Em duas transações, a Wedco emprestou € 75 milhões para a subsidiária
francesa da Disney e recebeu mais de € 16 milhões em juros, o que pode
ter permitido reduzir o pagamento de impostos na França.
A Wedco e outras duas empresas da Disney criadas em Luxemburgo sob
orientação da Ernst & Young registraram mais de € 2,8 bilhões de
lucros entre 2009 e setembro de 2013, apesar de terem somente um
funcionário. As 3 firmas estão instaladas em um edifício residencial.
Um repórter do ICIJ foi à sede da Wedco. Lá, um homem se identificou
como diretor das companhias, mas se recusou a informar seu nome. “Nós
utilizamos um apartamento espaçoso no quarto andar como escritório. Não é
necessário muitos funcionários, uma pessoa qualificada com dedicação
integral pode administrar essas empresas”, disse.
Zenia Mucha, porta-voz da Disney nos EUA, afirma que a empresa paga
globalmente uma taxa média de 35% em impostos. “Nós administramos nossos
deveres fiscais responsavelmente e buscamos cumprir integralmente todas
as leis aplicáveis. Suas afirmações não estão baseadas em uma
compreensão correta da nossa posição fiscal no mundo”, afirmou Mucha ao
ICIJ. Ela se recusou a responder a várias questões detalhadas e não
especificou o que ela considerava incorreto.
Fitzgerald e Guevara apontam que não está claro se a Disney chegou a
enviar lucros registrados em Luxemburgo para os EUA, onde ele seria
taxado em 35%.
Koch Industries and The Walt Disney Company |
Koch
A Koch Industries utilizou estratégia semelhante em benefício de sua
subsidiária Invista BV, que produz fibras da marca Lycra, segundo os
documentos obtidos pelo ICIJ. O guia que orientou a empresa, também
preparado pela Ernst & Young, estabelece 26 passos para reestruturar
a Invista e centralizar seu fluxo financeiro em Luxemburgo.
Como a Disney, a Koch também montou um banco interno, chamado Arteva
Europe S.à.r.l,, para administrar o fluxo financeiro de sua operação
europeia. De 2010 a 2013, a Arteva registrou lucro de US$ 269 milhões e
pagou US$ 6,4 milhões de impostos. A taxa anual mais alta aplicada foi
de 4,15%.
Indagado pelo ICIJ, Rob Tappan, diretor de relações externas da Koch,
afirmou que “como todas as empresas Koch, a Invista conduz seus negócios
de forma legal e paga seus impostos de acordo com as leis aplicáveis”. A
Koch não respondeu a perguntas detalhadas sobre sua operação em
Luxemburgo.
A Disney e a Koch podem estar de beneficiando de uma brecha no código
tributário dos EUA que permite que elas peçam ao governo que ignore as
várias subsidiárias e considere apenas a filial estrangeira principal na
hora de auferir os tributos. Isso livra as subsidiárias de pagarem
impostos aos EUA sempre que o dinheiro fluir de uma para outra.
Em 2009, o presidente Barack Obama incluiu um projeto para fechar essa
brecha em uma lista de modificações fiscais que ele desejava
implementar. O governo dos EUA estima que proibir essa prática
resultaria em arrecadação extra de US$ 86 bilhões em 10 anos. Companhias
privadas fizeram forte lobby contrário à modificação e a proposta foi
abandonada em menos de 1 ano.
Jean-Claude Juncker |
Reação
Após o primeiro lote de vazamentos do “Lux Leaks”,
Jean-Claude Juncker, novo presidente da Comissão Europeia, que era
primeiro ministro de Luxemburgo quando muitas dessas políticas fiscais
controversas foram criadas, disse que elas eram legítimas, mas admitiu
que o sistema “não estava sempre alinhado com a justiça tributária” e
pode ter aberto brechas “em padrões éticos e morais”.
Margrethe Vestager, comissária da União Europeia para a Concorrência,
disse que sua equipe analisará as práticas fiscais reveladas pelo ICIJ.
“Vamos examinar e avaliar se isso irá ou não resultar na abertura de
novas investigações”, afirmou.
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