segunda-feira, 30 de julho de 2012
O tamanho real do mensalão
Para peritos, R$ 101 milhões abasteceram esquema; laudo confirma uso de verba pública.
Após sete anos de investigação e mais de 50 mil páginas de processo com inquirição de cerca de 600 testemunhas, peritos oficiais conseguiram mapear o tamanho do mensalão, esquema político de pagamento de propina a parlamentares da base do governo Lula. O chamado valerioduto, que o Ministério Público diz ter sido comandado pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, desviou pelo menos R$ 101,6 milhões. O número foi apurado por investigadores da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Laudo da Polícia Federal confirma também que o esquema usou dinheiro público, originário do Banco do Brasil. Os saques de R$ 4,652 milhões realizados em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro têm como fonte recursos que a empresa DNA, de Marcos Valério, recebeu do fundo Visanet para prestar serviços de publicidade ao BB.
As informações constam da Ação Penal 470, que tem 38 réus e será julgada a partir desta quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Reforçam as chances de condenação de acusados no processo - especialmente daqueles que participaram diretamente das operações financeiras.
Levantamento inédito feito nos laudos periciais anexados ao processo detalha como o esquema foi abastecido. Os números incluem dados compilados pelos peritos da Polícia Federal e os produzidos pela defesa. A maior parte dos recursos (R$ 88,695 milhões) passou pelas contas bancárias das empresas de Marcos Valério, acusado de ser o principal operador do mensalão. Em 2003, foram R$ 32,754 milhões. Em 2004, mais R$ 55,941 milhões. Esses valores estão registrados na contabilidade das empresas de Marcos Valério, segundo dados compilados pelos seus contadores.
A maior fatia viria de empréstimos concedidos pelos bancos Rural e BMG às empresas de Valério, que foram inscritos na versão corrigida dos livros contábeis depois que o escândalo veio a público em 2005. Essa cifra chegou a ser questionada pelos peritos da Polícia Federal. Laudo da perícia oficial, que Valério tentou anular, sustenta, após analisar a contabilidade da empresa SMP&B, que os "empréstimos não foram registrados na contabilidade original da empresa, sendo lançados posteriormente, após a divulgação dos fatos na imprensa". Os peritos atestaram, porém, que os empréstimos existiram, apesar de ressaltar que os integrantes da quadrilha montaram um emaranhado de operações financeiras para esconder as transações dos órgãos oficiais e impossibilitar a identificação dos destinatários finais dos recursos.
Cálculo inclui o que Duda recebeu no exterior
Somam-se aos empréstimos os R$ 10,8 milhões remetidos por doleiros ao publicitário Duda Mendonça. Contas operadas, segundo a Polícia Federal, pelo Banco Rural e por empresas com sede em paraísos fiscais foram usadas para saldar no exterior as dívidas do PT com o marqueteiro que trabalhou para a campanha do ex-presidente Lula em 2002.
Os peritos da PF e auditores do TCU encontraram ainda recursos que deixaram de ser repassados ao Banco do Brasil e foram embolsados pela DNA, uma das empresas de Valério. Auditores do TCU analisaram notas fiscais que a DNA apresentou para justificar serviços de publicidade prestados ao BB.
Para os auditores, só no universo analisado, a DNA deixou de repassar ao banco R$ 2,923 milhões. Esse dinheiro seria referente ao "bônus de volume" (BV), uma bonificação concedida no meio publicitário que, segundo o contrato entre a DNA e o Banco do Brasil, deveria ter sido devolvida à instituição financeira. Os auditores do TCU estimam que, se considerado todo o volume de recursos repassados à DNA pelo banco, a cifra desviada de BV poderia chegar a R$ 37,663 milhões. Em julho deste ano, ao julgar um processo sobre o assunto, os ministros do TCU consideraram que as bonificações não precisavam ser devolvidas ao BB por conta de lei aprovada em 2010. Mas a decisão não trata de eventuais desvios de recursos para fins políticos. Ou seja, o tribunal arquivou o processo administrativo de cobrança dos recursos, mas não se pronunciou sobre aspectos penais.
A movimentação financeira para rastrear o dinheiro do mensalão foi objeto de disputa jurídica no processo. A defesa de Valério tentou anular o material produzido pelo Instituto Nacional de Criminalística da PF. No julgamento, deve voltar a questionar a validade dos laudos oficiais. "Manipularam, falsificaram e alteraram registros e documentos, de modo a modificar os registros de ativos, de passivos e de resultados; omitiram milhares de transações nos registros contábeis; realizaram registros de transações sem comprovação ou as simularam; e aplicaram práticas contábeis indevidas", diz um dos laudos da Polícia Federal que a defesa de Valério contesta. O mesmo documento atesta que foram impressas 80.000 notas fiscais falsas.
Em 2010, os advogados de Marcos Valério conseguiram autorização do relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, para que peritos privados analisassem contas e laudos da PF. Dois peritos de Minas produziram laudo em que tentam provar que o mensalão não se valeu de verbas públicas e que tudo foi registrado na contabilidade das empresas.
Segundo documento da Controladoria Geral da União anexado à ação penal do mensalão, a DNA foi favorecida no período de 2003 e 2004 pela diretoria de Marketing do BB. A CGU constatou que a empresa levou a maior fatia da verba publicitária, ultrapassando o estabelecido no contrato. Laudo de 2009 da PF mostra que a DNA recebeu R$ 73,851 milhões entre maio de 2003 e junho de 2004.
Empréstimos são verdadeiros, diz valério.
O advogado Marcelo Leonardo, que representa Valério, sustenta que os recursos distribuídos por seu cliente, atendendo à orientação do PT, foram adquiridos por meio de empréstimos junto aos bancos Rural e BMG:
- Na fase de perícia, ficou provado que os empréstimos são verdadeiros. Os recursos efetivamente saíram de contas bancárias de titularidade dos bancos para a conta de titularidade das empresas SMP&B e DNA, tendo sido os mesmos regularmente registrados no Sisbacen (sistema de informações do Banco Central).
Ele não comentou o julgamento.
- Não falo nada a respeito disso. Não é tarefa do advogado fazer prognóstico.
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