terça-feira, 18 de setembro de 2018



Realidade ou Lenda



Por que existe o narcotráfico? Eis a pergunta singela que o general Hamilton Mourão, vice na chapa de Jair Bolsonaro, deveria fazer aos seus botões. O tráfico existe porque há um mercado consumidor, eis a resposta óbvia. Vende-se cocaína no Brasil porque há quem a aspire. Vende-se muita cocaína, porque há quem tenha dinheiro para sorvê-la em grandes quantidades.
A meninada das comunidades pobres vira “avião” de traficante porque mamãe, vovó, papai e vovô são abandonadas à própria sorte pelo Estado, incapaz de prover o básico: educação, segurança e emprego. A tese de que famílias da periferia não conseguem cuidar dos filhos é prima-irmã da máxima segundo a qual pobre não sabe votar. Graças a essa premissa, o país foi governado por cinco generais escolhidos sem a interferência popular.

O chefe das Forças Armadas, segundo a Constituição, é o presidente da República. É ele, e somente ele, portanto, quem em nome delas pode falar sobre temas políticos de repercussão geral. Aos comandantes das três armas — Exército, Marinha e Aeronáutica —, cabe falar sobre assuntos administrativos e aqueles diretamente afeitos aos cargos que ocupam.
Militar não é igual a civil — O que os distingue não é só a farda que um veste e o outro não. Militar tem acesso a armas pesadas, pilota brucutu, maneja tanques e é treinado para matar. Se um deles fala qualquer coisa, soa diferente do civil que diga o mesmo. Porque um tem a força capaz de pulverizar literalmente quem quer que seja. O outro, só a força da palavra e do voto.

Faltam menos de 20 dias para o desfecho do primeiro turno da eleição presidencial. E são cada vez mais fortes os sinais de que o segundo turno pode ser extremista. De um lado, Bolsonaro. Do outro, Haddad. Esboça-se uma polarização sui generis: Hospital X Cadeia.
Numa divisão grosseira, o eleitorado trincou em três pedaços. Um odeia o PT, tem ojeriza a Lula, e encontrou no ultra-conservadorismo de Bolsonaro a melhor tradução para sua raiva. Outro lembra com saudade do governo Lula, fecha os olhos para a decomposição ética e vota em quem o presidiário indicar. Um terceiro naco, no centro, pulveriza-se. Oscila entre os outros candidatos, a dúvida ou o voto em ninguém.

Suprema ironia: os dois personagens que mais movimentam o cenário eleitoral estão imobilizados. Um, hospitalizado, passa mais tempo deitado do que em pé. Comunica-se por meio de vídeos de UTI. Outro, encarcerado, teve o horizonte reduzido aos 15 m² de uma cela especial. Envia correspondências do cárcere. O risco que o país corre é o de sair da disputa presidencial dividido e, pior, agarrado a dois sinais trocados.

A turma que detesta Lula confunde populismo radical com solução. A banda que tem devoção pelo pajé do PT confunde urna com tribunal. O problema é que radicalismo não produz solução, gera mais radicalismo. E o voto, embora possa anestesiar culpas, não absolve réus. Os dois tipos de confusão têm algo em comum. Ambos costumam conduzir à decepção.

Uma semana depois de ser confirmado como presidenciável do PT, Fernando Haddad exercitou sua lulodependência em nova visita ao mentor-presidiário na segunda-feira (17.set.2018). O hipotético cabeça da chapa petista foi receber instruções de Lula, o cérebro de sua campanha, na cela da superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.
Nos últimos 40 dias, Haddad visitou a cela especial de Lula meia dúzia de vezes. Seu ingresso nas dependências da PF é assegurado por uma farsa. Advogado bissexto, Haddad revalidou seu registro profissional para ser incluído no rol de defensores de Lula. Nas suas visitas, cuida de política, não da defesa do preso.
Graças à complacência das autoridades judiciárias, a cela de Lula tornou-se o comitê central da campanha presidencial do PT. Mal comparando, Lula age como os líderes de facções criminosas. Condenado a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro, transformou a cadeia em escritório político.

A urna eletrônica começou a ser utilizada massivamente no Brasil a partir das eleições municipais de 1996. Somos o único país do mundo que possui um sistema de eleições 100% eletrônico.
Bolsonaro entrou na vida pública em 1988 elegendo-se vereador do Rio pelo Partido Democrata Cristão. Nas eleições de 1990 elegeu-se deputado federal. Reelegeu-se mais quatro vezes. É freguês da urna eletrônica há 20 anos, sem jamais contestá-la antes. Foi filiado a nove partidos. Elegeu um filho deputado federal e outro vereador. A ex-mulher é candidata a deputada federal. Só agora Bolsonaro reclama?

Talvez o mais importante das últimas décadas seja o fato de que perdemos qualquer vestígio de inocência. Acreditamos em nada. Duvidamos de tudo. Optamos pela descrença temperada pelo cinismo. Faz tempo que a gente não sonha. Não imagina a vida daqui a alguns anos. Não planeja. Não tem controle (ainda que ilusório) do próprio destino. Fazemos tudo por hábito alegando falta de opção. Como se opções nascessem do nada.
Minuto a minuto, dia a dia, semana a semana, mês a mês, ano a ano, fomos destruindo o pouco que existia da nossa crença nas instituições. Pasmos, vagamos por quase quarenta anos de democracia em deserto de ideias e abundância de maldade insolente.
Olhando para frente, ninguém vê a luz no fim do túnel. Alias, nem mais sabemos se estamos em um túnel. Parecemos acreditar, resignados, que esse é nosso destino já escrito. No faroeste digital que virou a política tropical, todos culpam a todos. Dizem nada. Como facções organizadas, embarcam em debates inúteis onde ninguém ouve, mas todos falam.
Ninguém mais argumenta como as coisas podem melhorar. Nem se acredita que vão. A gente não mais escolhe o melhor. Fica contente em escolher o menos ruim. E satisfeito com a ideia de que as outras escolhas talvez sejam piores.
O Brasil virou lugar onde acontece de tudo. Mas sempre dá em nada.




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