terça-feira, 3 de julho de 2018



Deltan Dallagnol é acusado de manifestação “ofensiva e incentivadora do ódio” no Twitter



Frequentador assíduo das redes sociais, Deltan Dallagnol, chefe Lava Jato em Curitiba, está sob ameaça de ser punido por conta de um tweet de quatro linhas.
O corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel Moreira, abriu contra Deltan um processo administrativo disciplinar. Acusa-o de “ofender” e “incitar o ódio” contra o Congresso Nacional.
A origem da encrenca é a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro em fevereiro. Na época, o governo cogitou adotar um procedimento inusitado: o “mandado coletivo de busca e apreensão”. Serviria para realizar batidas policiais em grandes áreas das favelas do Rio, sem a especificação de um endereço.
Um colega de Deltan, o procurador da República Wellington Cabral Saraiva, enxergou na iniciativa um quê de demofobia.
Em 20 de fevereiro, Deltan replicou a mensagem do colega na sua conta no Twitter. E adicionou um comentário corrosivo sobre o Congresso Nacional. (Veja abaixo a reprodução dos posts de Deltan e Wellington)






O alvo da crítica dos procuradores era o “mandado de busca e apreensão coletivo”. O Código de Processo Penal não permite esse tipo de esperteza. Exige a indicação precisa do endereço a ser varejado pela polícia, com a fundamentação dos objetivos e a identificação do alvo. Daí o tom irônico dos posts da dupla.
Entretanto, o vice-presidente da Câmara, enxergou no post de Deltan Dallagnol uma ofensa gravíssima aos congressistas e ao próprio Poder Legislativo. Em ofício endereçado ao corregedor Orlando Moreira, o deputado cobrou a punição do chefe da Lava Jato.
Segundo o vice-presidente da Câmara, “a manifestação atinge diretamente a imagem da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como a totalidade dos congressistas, eis que atingidos em sua honra em razão do exercício do mandato”. O deputado pediu a “devida apuração do fato” no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão ao qual está vinculada a corregedoria chefiada por Orlando Moreira.
O corregedor deu razão ao vice-presidente da Câmara e determinou a instauração de um processo administrativo disciplinar contra Deltan Dallagnol. Para Orlando Moreira, o chefe da Lava Jato cometeu, “em tese”, uma “falta funcional punível com a censura”. Na sua avaliação, o procurador “atacou o Congresso Nacional e ofendeu sua imagem”.

Em tempo — O deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), vice-presidente da Câmara, é um crítico da Lava Jato. O nome do deputado consta da lista de beneficiários de contribuições ilegais feitas pela Odebrecht. A relação foi entregue ao Ministério Público pelo delator Benedicto Barbosa da Silva Júnior, ex-executivo da empreiteira. Ramalho foi identificado nas planilhas da Odebrecht com o apelido de “Barrigudo”. Recebeu R$ 50 mil em 2010.
No dia 11 de abril de 2017, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, autorizou a Procuradoria-Geral da República a investigar os políticos delatados pela Odebrecht. Fábio Ramalho afirmou na época que todas as doações que recebeu na campanha de 2010 foram declaradas à Justiça Eleitoral. A Procuradoria não conseguiu obter informações que fossem além do teor das delações. Por isso, Ramalho não foi formalmente denunciado na Lava Jato.

Há no Congresso 594 parlamentares, entre deputados e senadores. Desse total, cerca de 40% frequentam as investigações abertas no Supremo. Deltan compara esse cenário de terra arrasada com a situação das favelas, onde o governo pretendia realizar as tais buscas “coletivas”.
“Não há evidências que levantem suspeitas sobre sequer 10% dos moradores de favelas”, diz o procurador Deltan Dallagnol. “Não há qualquer indicativo de que pessoas que moram em favelas sejam suspeitas de crimes em percentual próximo aos de congressistas que são investigados. Em 2016, 6% da população brasileira morava em favelas, ou seja, algo perto de 12 milhões de pessoas. Mesmo que todos os presos brasileiros fossem oriundos de favelas, o que se cogita apenas para argumentar, o percentual dos presos (cerca de 700 mil) em relação aos habitantes de favelas seria de 6%, isto é, seis vezes inferior ao percentual de congressistas investigados.”
Contra esse pano de fundo, Deltan considera natural “dizer a verdade sobre a proporção da corrupção no Congresso”. Algo que “jamais deveria ser alvo de processo disciplinar” como o que foi aberto contra ele na Corregedoria Nacional do Ministério Público. “Calar a verdade, dita contra poderosos, é próprio de ditaduras, não de democracias”, afirma o procurador. “Tapar o sol com a peneira, esconder o diagnóstico que a Lava Jato e a imprensa fazem ou varrer a sujeira para debaixo do tapete não contribuirá para o amadurecimento de nossa democracia ou para o controle da corrupção.”

Como se vê, são mesmo espantosos os dias atuais. Pessoas que sistematicamente desmoralizam o Congresso deveriam ser processadas de maneira implacável. O problema é que, infelizmente, as pessoas que fazem isso dispõem de imunidade parlamentar, o que dificulta enormemente a punição.

Em tempo — O Conselho Nacional do Ministério Público considerou que o corregedor Orlando Rochadel Moreira foi excessivamente moderado ao analisar um processo que envolve o procurador-geral de Justiça do Estado do Tocantins, Clenan Renaut de Melo Pereira. Acusado de envolvimento num esquema de desvios de recursos públicos em obras orçadas em R$ 1,2 bilhão, Clenan foi poupado pelo corregedor.
Em decisão monocrática (individual), Orlando Moreira ignorou o resultado de sindicância que recomendava a punição do procurador-geral do Tocantins. Enviou o processo para o arquivo.

A reportagem apurou que, no último dia 15 de maio, em sessão presidida pela procuradora-geral Raquel Dodge, o Conselho Nacional do Ministério Público decidiu desarquivar o processo contra Clenan Renaut de Melo Pereira. Os conselheiros consideram que são abundantes as evidências de irregularidades. Ou seja, não é por falta de matéria-prima que o corregedor Orlando Rochadel Moreira perde tempo abrindo processos disciplinares inúteis.




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