Deltan Dallagnol é acusado de manifestação “ofensiva e incentivadora do ódio” no Twitter
Frequentador assíduo das redes sociais, Deltan Dallagnol, chefe Lava
Jato em Curitiba, está sob ameaça de ser punido por conta de um tweet de
quatro linhas.
O corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel Moreira,
abriu contra Deltan um processo administrativo disciplinar. Acusa-o de
“ofender” e “incitar o ódio” contra o Congresso Nacional.
A origem da encrenca é a intervenção federal na segurança pública do Rio
de Janeiro em fevereiro. Na época, o governo cogitou adotar um
procedimento inusitado: o “mandado coletivo de busca e apreensão”.
Serviria para realizar batidas policiais em grandes áreas das favelas do
Rio, sem a especificação de um endereço.
Um colega de Deltan, o procurador da República Wellington Cabral Saraiva, enxergou na iniciativa um quê de demofobia.
Em 20 de fevereiro, Deltan replicou a mensagem do colega na sua conta no
Twitter. E adicionou um comentário corrosivo sobre o Congresso
Nacional. (Veja abaixo a reprodução dos posts de Deltan e Wellington)
O alvo da crítica dos procuradores era o “mandado de busca e apreensão
coletivo”. O Código de Processo Penal não permite esse tipo de
esperteza. Exige a indicação precisa do endereço a ser varejado pela
polícia, com a fundamentação dos objetivos e a identificação do alvo.
Daí o tom irônico dos posts da dupla.
Entretanto, o vice-presidente da Câmara, enxergou no post de Deltan
Dallagnol uma ofensa gravíssima aos congressistas e ao próprio Poder
Legislativo. Em ofício endereçado ao corregedor Orlando Moreira, o
deputado cobrou a punição do chefe da Lava Jato.
Segundo o vice-presidente da Câmara, “a manifestação atinge diretamente a
imagem da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como a
totalidade dos congressistas, eis que atingidos em sua honra em razão do
exercício do mandato”. O deputado pediu a “devida apuração do fato” no
âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão ao qual está
vinculada a corregedoria chefiada por Orlando Moreira.
O corregedor deu razão ao vice-presidente da Câmara e determinou a
instauração de um processo administrativo disciplinar contra Deltan
Dallagnol. Para Orlando Moreira, o chefe da Lava Jato cometeu, “em
tese”, uma “falta funcional punível com a censura”. Na sua avaliação, o
procurador “atacou o Congresso Nacional e ofendeu sua imagem”.
Em tempo — O deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), vice-presidente da
Câmara, é um crítico da Lava Jato. O nome do deputado consta da lista de
beneficiários de contribuições ilegais feitas pela Odebrecht. A relação
foi entregue ao Ministério Público pelo delator Benedicto Barbosa da
Silva Júnior, ex-executivo da empreiteira. Ramalho foi identificado nas
planilhas da Odebrecht com o apelido de “Barrigudo”. Recebeu R$ 50 mil
em 2010.
No dia 11 de abril de 2017, o ministro Edson Fachin, relator da Lava
Jato no Supremo, autorizou a Procuradoria-Geral da República a
investigar os políticos delatados pela Odebrecht. Fábio Ramalho afirmou
na época que todas as doações que recebeu na campanha de 2010 foram
declaradas à Justiça Eleitoral. A Procuradoria não conseguiu obter
informações que fossem além do teor das delações. Por isso, Ramalho não
foi formalmente denunciado na Lava Jato.
Há no Congresso 594 parlamentares, entre deputados e senadores. Desse
total, cerca de 40% frequentam as investigações abertas no Supremo.
Deltan compara esse cenário de terra arrasada com a situação das
favelas, onde o governo pretendia realizar as tais buscas “coletivas”.
“Não há evidências que levantem suspeitas sobre sequer 10% dos moradores
de favelas”, diz o procurador Deltan Dallagnol. “Não há qualquer
indicativo de que pessoas que moram em favelas sejam suspeitas de crimes
em percentual próximo aos de congressistas que são investigados. Em
2016, 6% da população brasileira morava em favelas, ou seja, algo perto
de 12 milhões de pessoas. Mesmo que todos os presos brasileiros fossem
oriundos de favelas, o que se cogita apenas para argumentar, o
percentual dos presos (cerca de 700 mil) em relação aos habitantes de
favelas seria de 6%, isto é, seis vezes inferior ao percentual de
congressistas investigados.”
Contra esse pano de fundo, Deltan considera natural “dizer a verdade
sobre a proporção da corrupção no Congresso”. Algo que “jamais deveria
ser alvo de processo disciplinar” como o que foi aberto contra ele na
Corregedoria Nacional do Ministério Público. “Calar a verdade, dita
contra poderosos, é próprio de ditaduras, não de democracias”, afirma o
procurador. “Tapar o sol com a peneira, esconder o diagnóstico que a
Lava Jato e a imprensa fazem ou varrer a sujeira para debaixo do tapete
não contribuirá para o amadurecimento de nossa democracia ou para o
controle da corrupção.”
Como se vê, são mesmo espantosos os dias atuais. Pessoas que
sistematicamente desmoralizam o Congresso deveriam ser processadas de
maneira implacável. O problema é que, infelizmente, as pessoas que fazem
isso dispõem de imunidade parlamentar, o que dificulta enormemente a
punição.
Em tempo — O Conselho Nacional do Ministério Público considerou
que o corregedor Orlando Rochadel Moreira foi excessivamente moderado ao
analisar um processo que envolve o procurador-geral de Justiça do
Estado do Tocantins, Clenan Renaut de Melo Pereira. Acusado de
envolvimento num esquema de desvios de recursos públicos em obras
orçadas em R$ 1,2 bilhão, Clenan foi poupado pelo corregedor.
Em decisão monocrática (individual), Orlando Moreira ignorou o resultado
de sindicância que recomendava a punição do procurador-geral do
Tocantins. Enviou o processo para o arquivo.
A reportagem apurou que, no último dia 15 de maio, em sessão presidida
pela procuradora-geral Raquel Dodge, o Conselho Nacional do Ministério
Público decidiu desarquivar o processo contra Clenan Renaut de Melo
Pereira. Os conselheiros consideram que são abundantes as evidências de
irregularidades. Ou seja, não é por falta de matéria-prima que o
corregedor Orlando Rochadel Moreira perde tempo abrindo processos
disciplinares inúteis.
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