Promotor tenta anular casamentos de pessoas do mesmo sexo
FLORIANÓPOLIS - Casadas há seis meses, a engenheira civil Adrieli Nunes
Schons, de 30 anos, e a médica Anelise Schons, de 30, foram
surpreendidas na última segunda-feira, 18.jun.2018, com uma intimação do
Ministério Público de Santa Catarina pedindo o cancelamento da união
estável das duas. O pedido é do promotor Henrique Limongi, que recorreu
no processo judicial que autorizou a união. Desde 2015, o mesmo promotor
já fez outros 68 pedidos idênticos contra casamentos entre pessoas do
mesmo sexo na capital catarinense. Ele chegou a ser denunciado no
Conselho Nacional do Ministério Público, mas o caso foi arquivado.
“Não esperávamos isso, casamos em 9 de dezembro do ano passado. Já
mudamos nossos documentos e compramos um apartamento juntas com a
certidão de casamento”, contou Adrieli. Em setembro do ano passado,
quando Adrieli e Anelise entraram com pedido no cartório, Limongi negou a
habilitação (autorização para casamento que é expedida pelo Ministério
Público) e as duas só conseguiram se casar depois que uma juíza derrubou
o veto Limongi, a duas semanas da festa.
Agora, com o novo recurso do promotor, o casal terá que nomear um
defensor para acompanhar o processo, que será julgado pelo Tribunal de
Justiça de Santa Catarina. Elas têm 15 dias para protocolar as
contrarrazões. A 13ª Promotoria da Capital, onde Limongi é titular, é
responsável pela autorização ou impugnação de todos os casamentos nos
cartórios da cidade.
As impugnações e os pedidos de cancelamento do promotor Limongi ocorrem
de forma sistemática desde 2013, quando o Supremo Tribunal federal (STF)
acolheu recurso que permitiu união entre pessoas do mesmo sexo, criando
uma jurisprudência. Após a decisão, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) também emitiu determinação para que os cartórios de todo o país
oficializassem os casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
O Ministério Público de Santa Catarina, no entanto, só tem os registros
das negativas do promotor de forma estruturada a partir de 2015, quando
os novos processos passaram a ser totalmente eletrônicos. Em 2015, o
promotor entrou com 17 pedidos de anulação de casamentos homoafetivos,
em 2016 foram mais 17 pedidos e em 2017 ele se manifestou contrário 27
vezes. Neste ano, com o caso de Adrieli já são oito pedidos.
OAB se manifesta — “Esse novo pedido será indeferido, como
ocorreu com os outros casos. O promotor faz uma interpretação da
Constituição ao dizer que ela só permitiria casamento entre homens e
mulheres. No recurso julgado pelo Supremo foi analisado o efeito da
norma negativa, que nós juristas conhecemos como Lei de Kelsen, que
aponta justamente que a Constituição não proíbe em nenhum momento o
casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nós já nos manifestamos e vamos
novamente nos manifestarmos contra essa postura do promotor”, afirmou
Margareth Hernandes, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e
Gênero da OAB/SC.
Para Margareth, a situação ocorre devido a falta de legislações que
explicitem o direito de pessoas do mesmo sexo em constituir família e
casarem. “Hoje o que temos é uma jurisprudência do Supremo, mas se
tivéssemos regulado a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou o
Estatuto da Diversidade aprovado essa situação seria mais improvável. O
que temos aqui é um promotor desrespeitando a hierarquia do nosso
ordenamento jurídico com base no que está na Constituição”, disse.
'Devoto' — O promotor não quis conceder entrevistas, mas emitiu
nota onde se diz “devoto do Estado de Direito” e que no Brasil,
casamento, só “existe entre homem e mulher”. Leia a íntegra:
“O promotor de Justiça signatário não 'conversa' com ninguém sobre os processos — quaisquer que sejam — que lhe caem às mãos. Atua nos autos, só 'fala' nos autos. Nesta esteira, não concede entrevistas e não 'defende' os pareceres — autoexplicativos, de resto — que emite. Devoto do Estado de Direito, só presta contas — e o faz, diuturnamente — à Constituição e às Leis. No caso em tela, a Carta da República (art. 226, § 3º) é de solar clareza: no Brasil, casamento somente existe entre homem E mulher. E Resolução — nº 175 do CNJ, que autorizou o enlace entre pessoas do mesmo sexo — não pode, jamais, se sobrepor à Lei, notadamente à Lex Máxima. Daí, e somente daí, as impugnações que oferta. Daí os recursos que interpõe. Com a palavra — à derradeira —, o foro próprio, o Congresso Nacional!”
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