Saída pela força: Venezuela ameaça Guyana
Guardadas todas as proporções, Caracas e Washington têm algo em comum:
sempre que precisam unir a nação em seu apoio, seus governantes costumam
comprar briga com outro país. Os Estados Unidos, em matéria de política
internacional, acreditam ter uma missão no mundo, cuja inspiração
divina torna inquestionável. A Venezuela é movida pela mesma crença. A
diferença é que, não podendo se impor no mundo, dedica-se a ameaçar de
invasão a vizinha Guiana, que integra o ranking dos 20 países mais
pobres do planeta, abaixo do Burundi.
Na sexta-feira (09.fev.2018), de passagem por Georgetown, capital da
Guiana, o ministro da Defesa Raul Jungmann fez uma dura declaração sobre
o acirramento do conflito provocado pela pretensão da Venezuela de
anexar ao seu mapa a região de Essequibo, que corresponde a dois terços
do território da Guiana — algo como 159.000 km².
Disse Jungmann: “Não se pode admitir, para o equilíbrio da região,
qualquer saída pela força. O Brasil não aceita essa possibilidade e isso
vale não só para esse dissenso, como para qualquer outro, pois esse é
um princípio constitucional de nosso país.”
“O dissenso do Essequibo diz respeito à Venezuela e à Guiana”, declarou o
ministro da Defesa, “Mas o Brasil, que possui uma das maiores
fronteiras do mundo, construiu seus limites sempre por vias
diplomáticas, ou recorrendo ao arbitramento, deixa sua história como um
legado de que a solução pacífica para os litígios de fronteiras é
fundamental para a estabilidade da região”.
A encrenca é antiga. Os limites territoriais entre os dois países foram
ajustados num tratado firmado em 1899 entre a Venezuela e o Reino Unido,
que ocupou a Guiana até 1966, quando o país obteve sua independência.
Foi nessa ocasião que a Venezuela passou a questionar o tratado,
apontando a existência de fraude.
Sob Hugo Chávez, que presidiu a Venezuela entre 1999 e 2013, o litígio
permaneceu anestesiado. O sucessor Nicolás Maduro ressuscitou-o por
razões econômicas. Há três anos, a multinacional Exxon Mobil descobriu
petróleo no litoral de Essequibo. Presidente de uma nação em ruínas,
Maduro autorizou a Marinha venezuelana a navegar sobre as reservas
petrolíferas. E questionou o direito da Guiana à exploração econômica
das jazidas.
A ONU tentou, sem sucesso, mediar o conflito. Jogou a toalha. E o
presidente da Guiana, David Granger levou o caso à Corte Internacional
de Justiça, um foro cuja legitimidade Maduro não reconhece. Em setembro
do ano passado, Granger esteve em Brasília. Reuniu-se com Michel Temer.
Firmaram acordos de parceria em várias áreas. Durante a conversa, o
presidente guianês fez referência a uma crescente animosidade da parte
de Maduro. Insinuou que esperava contar com o apoio do governo
brasileiro.
Ministro Raul Jungmann (Defesa), em visita à Guiana |
Jungmann foi a Georgetown acompanhado de outros dois ministros: Torquato
Jardim (Justiça) e Sérgio Etchegoyen (Segurança Institucional da
Presidência). Por ironia, os três passaram, antes, por Roraima. Ali,
testemunharam o drama humanitário dos venezuelanos que cruzam para o
lado brasileiro da fronteira, fugindo do caos.
O problema da tentativa do governo de Michel Temer de influir nos rumos
do conflito entre Venezuela e Guiana é que a iniciativa surge num
instante em que a política externa do Brasil beira à irrelevância. A
pseudoliderança brasileira na América Latina é solenemente ignorada.
Autoridades estrangeiras que visitam esse pedaço do mapa se esquivam de
fazer escala em Brasília. É como se enxergassem em Temer um chefe de
Estado radioativo.
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