Brasil um país que prende muito e prende mal
Presos da Unidade Penitenciária Doutor Francisco D'Oliveira Conde, em Rio Branco (AC) |
Em um período de 26 anos, a população carcerária do Brasil multiplicou
oito vezes e chegou a exatas 726.712 pessoas presas, o dobro do número
de vagas nas penitenciárias e carceragens de delegacias do país, informa
o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias),
divulgado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
"Em relação ao número de vagas, observamos um déficit total de 358.663
vagas e uma taxa de ocupação média de 197,4% em todo o país, cenário
também agravado em relação ao último levantamento disponível", lê-se no
relatório do Infopen, cuja base de dados se refere a junho de 2016. A
coleta de informações foi feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.
Quando se compara os números do Infopen 2014, o último a ser divulgado,
com o mais recente levantamento percebe-se que as prisões ficaram ainda
mais lotadas (aumento de quase 20% em dois anos e meio) com quase o
mesmo número de vagas (queda de 2,3%).
"O que nós temos é um aumento da população carcerária e praticamente uma
estabilidade na oferta de vagas e estabelecimentos prisionais",
constatou, Jefferson Almeida, diretor-geral do Depen (Departamento
Penitenciário Nacional). O órgão da pasta da Justiça é responsável pela
administração do sistema penitenciário do país.
"Esse números colocam o país como o terceiro que mais encarcera no
mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,1 milhões de presos) e China
(1,6 milhão de presos)", disse Almeida, referindo-se a números
absolutos.
Em 2016, o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) repassou R$ 1,2 bilhão
aos Estados para obras, reformas, investimento e custeio do sistema
penitenciário. "As informações do Infopen são muito importantes para que
o departamento realize a correta aplicação de recursos financeiros e
também oriente os Estados", disse Almeida.
"O Depen se preocupa [com a superlotação], acompanha esses dados e trabalha para que esse quadro diminua."
Superlotação beneficia facções — Especialistas afirmam que
a pesquisa confirma que os presídios brasileiros são palcos de
constantes violações de direitos humanos e que a superlotação cria um
cenário que favorece a expansão das facções criminosas.
"O Estado brasileiro se tornou uma espécie de departamento de RH
(Recursos Humanos) para as facções criminosas dentro das prisões",
afirma Flávio Werneck, vice-presidente da Federação Nacional de
Policiais Federais.
"Em boa parte dos presídios ainda vigora a divisão de presos por facção,
o que é uma situação absurda, pois os presos ficam à mercê do
recrutamento dessas facções."
Para o ex-policial e atual agente penitenciário federal Carlos Augusto
Machado, o sistema penitenciário brasileiro não respeita o princípio
constitucional da individualização da pena.
"Se este princípio fosse respeitado não veríamos réus primários
cumprindo pena no mesmo ambiente em que estão criminosos de alta
periculosidade. Não se leva em conta a vida pregressa do acusado antes
de estabelecer a pena e o que se tem é esse encarceramento em massa",
diz Machado, que preside o sindicato de sua categoria no Paraná.
"Não defendo que não se deve punir quem comete crimes, mas a pena tem que ser proporcional à infração", completa Machado.
Lei antidrogas e o aumento de prisões — Exatas 176.091
pessoas presas foram condenadas ou aguardavam julgamento pelos crimes de
tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, de acordo o
mais novo Infopen. Esse número representa 28% do total de presos.
"A imensa maioria desse contingente é de pequenos traficantes ou mesmo
de usuários de drogas jogados nas celas brasileiras que são verdadeiras
masmorras e escolas do crime", afirma o advogado Marcos Roberto Fuchs,
diretor adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos e ex-membro do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.
Socióloga e coordenadora do Centro do Estudos de Segurança e Cidadania
da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber diz que o aumento da
população carcerária está diretamente relacionado a mudança na lei das
drogas. "A legislação de 2006 [Lei antidrogas 11.343/2006], que muita
gente diz que é branda, resultou nisso", afirma.
Ex-diretora do sistema prisional fluminense, ela defende que é preciso
encarar os custos da chamada guerra às drogas, que define como "míope" e
"fracassada". A pesquisadora prepara um estudo em conjunto com outros
especialistas para mapear e transformar em números tantos os gastos
causados por essa política, que, diz, incluem desde o custo operacional
do sistema de Justiça Criminal até boa parte dos 60 mil homicídios
anuais no país, quanto seu impacto na sociedade.
"Se fala muito nos custos da violência, mas precisamos encarar o custo da guerra às drogas", afirma Julita.
"Quanto custa para a polícia implementar essa legislação, quanto custa
para área da Justiça Criminal — desde o funcionamento dos tribunais,
salários de juízes, promotores, defensores —, para o sistema
penitenciário? O Brasil tem 60 mil homicídios por ano, muitos desses
diretamente relacionados com a proibição das drogas", questionou.
Violações são propositais — O levantamento do Infopen confirma que a população carcerária brasileira é majoritariamente negra.
"A partir da análise da mostra de pessoas sobre os quais foi possível
obter dados acerca da raça, cor, ou etnia, podemos afirmar que 64% da
população prisional é composta por pessoas negras. Enquanto na população
brasileira, a parcela negra representa 53%", lê-se no relatório.
De acordo com o levantamento, 40% das pessoas presas no Brasil estavam à espera de julgamento.
"As violações no sistema são propositais", afirma a especialista em
arquitetura prisional Suzann Cordeiro, ex-integrante do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e
professora de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de
Alagoas.
"O sistema prisional repete o que a nossa sociedade espera da Justiça.
Que se jogue os criminosos em um espaço fechado e que, se possível, se
coloque em uma câmara de gás. Quando você observa o sistema prisional
você vê in vitro (em um microcosmo) como a sociedade a que ele pertence
funciona."
Suzann Cordeiro completa: "O sistema prisional é construído para
torturar, para violar os direitos humanos das pessoas que estão ali.
Acaba violando os direitos dos presos, das famílias, dos agentes
penitenciários, dos técnicos, de todos que passam por lá. Quando eles
saem de lá, eles trazem o ranço das violências que sofreram. A violência
que vivemos no país é também reflexo da violência no sistema
prisional."
290 mil presos sem sentença — Na divulgação dos dados
atualizados sobre a população carcerária, um detalhe chama especial
atenção: há no Brasil cerca de 290 mil presos sem julgamento. Isso
corresponde a 40% do total de encarcerados (726 mil pessoas). É contra
esse pano de fundo que o Supremo Tribunal Federal analisa a hipótese de
rever a regra que prevê a prisão de condenados duas vezes, na primeira e
na segunda instância.
Num país em que 290 mil cidadãos pobres mofam atrás das grades sem
julgamento, a Suprema Corte cogita rever a regra que prevê abrir as
portas das celas da prisão de larápios VIPs, endinheirados, poderosos e
condenados um par de vezes.
Para a casta superior, o direito de recorrer em liberdade. Se possível,
até a prescrição dos crimes. Às favas com a dupla condenação! São
inocentes até prova em contrário. Quanto aos miseráveis, são culpados
até prova em contrário. Se possível, vão em cana como prova em
contrário. Assim, não é que o crime não compensa. É que no Brasil,
quando compensa, ele tem outro nome. Chama-se impunidade.
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