Segundo empreiteiras o senador mineiro do PSDB
Aécio Neves recebeu propina de R$ 50 milhões
por meio de uma conta em Cingapura
Aécio Neves recebeu propina de R$ 50 milhões
por meio de uma conta em Cingapura
Senador Aécio Neves (PSDB-MG) |
A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal (PF)
encontraram novos indícios que, de acordo com os investigadores,
reforçam a suspeita de que o senador Aécio Neves recebeu propina
para atuar em nome de empreiteiras na construção da Usina de Santo
Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia.
Tema de inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), a
acusação contra o tucano foi relatada por ex-executivos da Odebrecht
em acordos de colaboração premiada. E teve impacto direto na delação
de outra empreiteira, a Andrade Gutierrez, que foi obrigada a
esclarecer sua participação no episódio. De acordo com os executivos
da Odebrecht, Aécio recebeu R$ 50 milhões, repassados pela Odebrecht
(R$ 30 milhões) e pela Andrade Gutierrez (R$ 20 milhões).
A Odebrecht sustenta a acusação com comprovantes bancários,
entregues nos últimos meses, que, segundo a empresa, comprovam
depósitos para o senador tucano, por meio de uma conta de offshore
em Cingapura, que havia sido citada por um de seus ex-executivos,
Henrique Valladares, em depoimento à PGR. A identificação do titular
da conta ainda não foi revelada, mas Valladares diz que está
vinculada ao empresário Alexandre Accioly, padrinho de um dos filhos
de Aécio e integrante do grupo mais restrito de amigos do tucano.
Aécio nega as acusações. Accioly rejeita com veemência a afirmação
do delator, o único que sustentava, até aqui, seu envolvimento.
Alexandre Accioly e Aécio Neves |
ANDRADE GUTIERREZ REFORÇA SUSPEITA — Nos últimos meses, no entanto,
ex-integrantes da Andrade Gutierrez levaram à Lava-Jato informações
que miram novamente em Accioly: em depoimento à PF, o ex-executivo e
delator da empreiteira, Flávio Barra, confirmou o repasse de R$ 20
milhões a Aécio por meio de um contrato com a Aalu Participações e
Investimentos, empresa controladora da rede de academias Bodytech
que pertence ao empresário carioca, a uma sobrinha dele e a um
ex-banqueiro.
Segundo o relato de Barra, a empresa, que leva as iniciais dos dois
sócios, firmou um contrato de R$ 35 milhões com a Andrade para
mascarar propina paga pela empreiteira ao tucano, em 2010. O valor
seria uma contrapartida pela defesa, por parte de Aécio, então
governador de Minas, da participação da Andrade no consórcio de
construção da Usina. O delator não soube dizer por que a empresa
transferiu R$ 15 milhões além do valor previamente acertado.
Accioly confirmou o repasse, mas negou se tratar de propina, e sim
investimento da Andrade Gutierrez na rede de academias. Segundo ele,
a Andrade nunca recebeu dividendos e “permanece como acionista” da
holding controladora da Bodytech, por meio de uma Sociedade em Conta
de Participação (SCP) com a empresa Safira Participações, que
pertence ao grupo mineiro.
A Andrade, por sua vez, negou a alegação de Accioly. Em nota,
informou que “não é e nunca foi sócia na rede de academias” e que
sua relação com o empresário se restringiu à aquisição, em 2010, de
uma “opção de compra futura de ações” que jamais teria sido exercida
e, por isso, perdeu a validade.
As duas empresas foram informadas sobre a apresentação de versões
contraditórias entre si, mas mantiveram o posicionamento original. A
relação entre Andrade e a holding que controla a Bodyech não é
explicitada nas demonstrações contábeis das empresas, o que
contraria recomendações do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
Na segunda semana de abril de 2017, mesma época em que foi tornada
pública a íntegra da delação da Odebrecht, vinculando o nome de
Accioly a pagamentos para Aécio, a Andrade fez uma alteração na
Junta Comercial elevando o capital social da Safira de R$ 5 mil para
R$ 35 milhões. É o mesmo valor repassado em 2010 para Accioly. A
Andrade não quis informar se o dinheiro investido foi devolvido, nem
comentar as razões da alteração contratual.
Em seu depoimento, Barra afirmou ter tido conhecimento da relação do
contrato com um pagamento a Aécio alguns anos depois da assinatura e
disse não ter sido responsável por operacionalizar o repasse. Também
colaborador e ex-executivo da Andrade, Rogério Nora citou em
depoimento o nome de Sérgio Andrade, um dos sócios da empreiteira,
como o responsável por tratar deste assunto diretamente com Aécio.
Apesar de ter firmado acordo de leniência em 2016 e ter 11
ex-executivos entre colaboradores da Lava-Jato, a Andrade Gutierrez
não havia apresentado às autoridades episódios de corrupção
envolvendo o ex-governador de Minas. O tema passou a integrar uma
nova rodada de conversas com a PGR e faz parte do recall do acordo,
atualmente em negociação, e é considerado sensível pela empresa, por
envolver um dos sócios do grupo.
OFFSHORE NAS ILHAS MARSHALL — A Lava-Jato também obteve novas
evidências envolvendo o pagamento de R$ 30 milhões da Odebrecht ao
tucano, relacionados ao mesmo contrato da Usina de Santo Antônio. Em
depoimento à PGR, o delator Henrique Valladares disse ter sido
orientado por um emissário de Aécio, Dimas Toledo, a depositar parte
dos valores em uma conta bancária de Cingapura. Valladares sustenta
que o número da conta veio anotado em um bilhete, ao lado do nome de
Accioly. Outras contas também receberam parte dos pagamentos.
Com base em registros dos sistemas Drousys e MyWebDay, usados para
as operações de pagamento de propina na Odebrecht, interlocutores da
empreiteira informaram a procuradores e integrantes da PF que a
conta de Cingapura é da offshore Embersy Services Limited, sediada
nas Ilhas Marshall, país com pouco mais de 60 mil habitantes,
localizado no Oceano Pacífico.
A reportagem apurou que a empresa funciona desde agosto de 2001 e
está ativa. Há cerca de quatro meses, a empreiteira realizou uma
varredura em arquivos e entregou aos investigadores registros de seu
sistema de aproximadamente US$ 300 mil repassados à Embersy.
Extratos de movimentações financeiras de offshores da Odebrecht
obtidos pela Lava-Jato em 2015, por meio de cooperação jurídica com
autoridades de Antígua e Barbuda, já traziam registros de transações
para a Embersy, entre novembro de 2008 e janeiro de 2009, que
totalizaram pouco mais de US$ 740 mil. No entanto, o MPF não sabia a
razão das transações, o que só foi possível graças à colaboração da
empresa.
Independentes dos Estados Unidos desde 1986, as Ilhas Mashall
permite o anonimato de proprietários de empresas offshore. A
Lava-Jato investiga se Embersy foi usada apenas para transação de
valores entre contas ou se está, de fato, diretamente vinculada ao
beneficiário final da propina.
Nos registros internos da empreiteira, a transferência de valores
para a Embersy está vinculada ao código “mineirinho” forma como
Aécio era identificado nos sistemas de propina.
Henrique Valladares relatou que o pagamento a Aécio foi acertado em
reunião com a presença de Marcelo Odebrecht, em Belo Horizonte, no
Palácio das Mangabeiras, sede do governo mineiro, no início de 2008.
Em depoimento, Marcelo também citou o pagamento ao tucano e disse
ter estimulado Valladares, que cuidava da área de energia do grupo,
a levar os pagamentos adiante.
De acordo com o ex-presidente do grupo Odebrecht, o objetivo dos
pagamentos a Aécio era influenciar decisões da Companhia Elétrica de
Minas Gerais (Cemig) — estatal de energia mineira — e Furnas —
estatal federal — a favor da empreiteira baiana.
Na época Aécio exercia seu segundo mandato como governador de Minas
e integrava a oposição ao governo do então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), responsável por licitar Santo Antônio. Apesar
disso, o tucano tinha influência no setor elétrico devido à sua
relação com Dimas Toledo, ex-diretor de Furnas, umas das empresas
sócias da usina, além de estar a frente do estado que comanda a
Cemig, outra sócia do empreendimento.
A relação de intimidade entre Aécio e Dimas foi citada por outros
delatores da Lava-Jato, como o ex-senador Delcídio Amaral e o
lobista Fernando Moura. Henrique Valladares sustenta também que era
o ex-diretor de Furnas o responsável por levar ao seu escritório
papéis com as contas em que a propina para Aécio deveria ser
depositada.
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