O risco do extremismo ...
discurso radical que insinua intervenção militar para
se contrapor ao caos político
discurso radical que insinua intervenção militar para
se contrapor ao caos político
General Mourão (à esquerda) diz que os militares podem fazer uma intervenção |
Não é essa a primeira vez que um Mourão aparece na história política
brasileira, de farda e com quatro estrelas nos ombros – um general do
Exército. Não é essa a primeira vez que um general Mourão fala mais do
que as regras de sua instituição permitem. O general Antonio Hamilton
Martins Mourão está na ativa e conseguiu ser notícia porque insinuou na
maçonaria que as Forças Armadas podem atropelar a democracia se assim
cismarem e habilmente operarem um trágico passado: o golpe de 31 de
março de 1964 que rasgou a Constituição, apeou do poder o presidente
João Goulart e mergulhou o País em vinte e um anos de ditadura militar.
Reunião realizada com a presença do Alto Comando do Exército, em que se
discutiu a possibilidade de uma intervenção militar no País, revela que a
voz do general Antonio Hamilton Martins Mourão, com notas extremistas,
não é isolada na caserna.
Segunda-feira, 11.set.2017, às 9 horas, o Comandante do Exército,
general Eduardo Villas Bôas, fazia a abertura formal da 314ª reunião do
Alto Comando do Exército, realizada no Quartel General do Exército, em
Brasília. O encontro, de cinco dias de duração, foi convocado para
discutir os problemas que afligem os militares, entre os quais, a crise
política do País e a falta de recursos para manter soldados nas casernas
e garantir as atividades básicas da força, alvo de um significativo
contingenciamento de verbas do governo federal. Os generais que comandam
as tropas nas principais unidades do Exército demonstravam inquietação.
Sentiam a necessidade de se posicionar sobre a corrupção e a barafunda
reinante nos poderes da República.
A cúpula do Exército pôs em debate ali o que o general Antonio Hamilton
Martins Mourão ecoaria dias depois, mais precisamente na sexta-feira
15.set.2017, durante um evento da Loja Maçônica Grande Oriente: uma
eventual necessidade de uma intervenção militar no País, “diante da
crise ética e político-institucional”. Ou seja, Mourão não falava
sozinho nem havia cometido um arroubo imprevidente, quando defendeu a
solução radical tornada pública na última semana. Ele entabulou um
discurso respaldado por um encontro prévio do Alto Comando do Exército.
Não se trata de um foro qualquer. O colegiado é o responsável pelas
principais decisões do Exército. Estavam presentes 16 generais quatro
estrelas, entre eles Fernando Azevedo e Silva, chefe do Estado-Maior e
Comandante Militar do Leste, cotado para substituir Villas Bôas, prestes
a encerrar seu ciclo no comando do Exército. Compareceram também os
demais seis comandantes militares, entre os quais o da Amazônia, general
Antonio Miotto, e o do Sul, general Edson Leal Pujol.
Fontes ouvidas pela reportagem, presentes à reunião, ponderam que não
estavam ali a fim de tramar um golpe militar, mas confirmam que o que os
motivou a realizar o encontro foi a preocupação com o ritmo acelerado
da deterioração do quadro político brasileiro. E, sim, deixam claro que,
se houver necessidade, estarão prontos “para uma intervenção com o
objetivo de colocar ordem na casa”.
Foi munido desse espírito que Mourão desembarcou na maçonaria. O
encontro teve início às 20 horas de sexta-feira 15.set.2017. Lá, ele
disparou a metralhadora giratória sem maior cerimônia. Disse que seus
“companheiros do Alto Comando do Exército entendiam que uma intervenção
militar poderá ser adotada se o Judiciário não solucionar o problema
político”, referindo-se à corrupção. Pediu a “retirada da vida pública
desses elementos envolvidos em todos os ilícitos” e advertiu que “vai
chegar um momento em que os militares terão que impor isso (a
intervenção militar na política)”. E, por fim, acrescentou: “O que
interessa é termos a consciência tranquila de que fizemos o melhor e que
buscamos, de qualquer maneira, atingir esse objetivo. Então, se tiver
que haver, haverá (ação militar)”, pregou Mourão.
A fala do general provocou o maior alvoroço no País. Apesar disso, em
entrevista na noite de terça-feira 19.set.2017 a um programa de
entrevistas da TV Globo, Villas Bôas foi taxativo: “Punição não vai
haver. Essa questão já está resolvida internamente”, disse o comandante,
acrescentando: “A maneira como Mourão se expressou deu margem a
interpretações amplas, mas ele inicia a fala dizendo que segue as
diretrizes do comandante”. Ainda chamou Mourão de “um grande soldado,
uma figura fantástica”. E ateou ainda mais lenha à fogueira ao dizer que
“a Constituição concede às Forças Armadas um mandato para intervir se
houver no País a iminência de um caos”. Não é verdade. De acordo com o
artigo 142 da Constituição, as Forças Armadas podem agir, desde que “sob
a autoridade suprema do presidente da República”. Em nenhum lugar da
Carta Magna está escrito que o caos confere um “mandato” para atuar à
revelia do presidente. O que Villas Bôas deveria ter feito, e não o fez,
foi punir o subordinado.
Quando a existência de uma reunião com a participação do Alto Comando do
Exército vem à tona, tudo faz mais sentido. Como é que o Comandante do
Exército, o general Villas Boas, poderia aplicar uma sanção a um
subalterno que tornou público um dos cenários debatidos num encontro em
que ele mesmo estava presente, participou da abertura dos trabalhos e
comandou as discussões? Não poderia, evidente, e, por isso, não puniu.
Em audiência no dia seguinte, o ministro da Defesa, Raul Jungmann,
defendeu ao menos uma reprimenda pública a Mourão, ao que o comandante
do Exército de novo resistiu. Ficou combinado apenas que Villas Bôas
conversaria com o subordinado para deixar claro que a voz oficial do
Exército é a dele e de mais ninguém. Coube aos comandantes militares da
Marinha, Exército e Aeronáutica defender publicamente, por meio de
comunicados, o respeito à Constituição, aos poderes constituídos e aos
princípios democráticos.
Mero formalismo. Embora não lidere nenhum movimento de insurreição
militar, o general Mourão conta com amplo apoio não só do comando do
Exército, como da tropa. No início da semana, o coronel Muniz Costa
distribuiu para um grupo de companheiros de farda uma carta sob o título
“Do que falou o General”. Nela, promoveu uma contundente defesa do
general: “Quando um general de quatro estrelas afirma que o Exército tem
planejamentos para atuar na eventualidade de uma falência das
instituições nacionais, num momento que o País enfrenta a mais grave
crise em mais de cinquenta anos, as cassandras do ‘pseudolegalismo’ se
agitam”, afirmou. O primeiro comandante da Força de Paz no Haiti (2004),
general da reserva Augusto Heleno, seguiu na mesma toada.“Meu apoio
irrestrito ao respeitado chefe militar (Mourão). É preocupante o
descaramento de alguns políticos, integrantes da quadrilha que derreteu o
País, cobrando providências contra um cidadão de reputação intocável”.
Outro que demonstrou estar no mesmo compasso de Mourão foi o general de
Brigada Paulo Chagas. A seu grupo de amigos nas redes sociais afirmou
que num cenário de um caos total, os militares não poderiam ficar
“inertes aguardando ordens”. O presidente da Associação de Oficiais da
Reserva do Distrito Federal, o tenente Rômulo Nogueira, foi além, ao
divagar sobre uma eventual queda de Temer. “Quem assume? O rapazinho lá,
não sei o quê Maia. Será que ele teria pulso forte para dar uma ordem?
Num clamor, numa desordem, alguém tem de tomar conta da casa”.
Em 2015, o mesmo Mourão havia sido afastado do Comando Militar do Sul,
em Porto Alegre, depois de tecer críticas a presidente Dilma, dizendo
que seu governo era corrupto e incompetente — o que não constituía uma
mentira, por óbvio. Mas tratava-se de uma insubordinação. Punido, Mourão
foi transferido para Brasília, onde assumiu o cargo de Secretário de
Finanças do Exército, sua atual função, uma das mais importantes na
força.
Não convém desconsiderar que prevalece entre setores da caserna o
espírito corporativista. Apesar de o governo tê-los poupado de eventuais
maldades — os militares foram retirados da reforma da Previdência e,
também, ficaram imunes à proposta de congelamento dos salários dos
servidores federais —, há uma espécie de sentimento de sabotagem ao
estado de penúria experimentado pelas Forças Armadas desde 2012 pelo
menos. Nos últimos cinco anos, o Orçamento despencou de R$ 17,5 bilhões
para R$ 9,7 bilhões.
Em geral, as insatisfações são ecoadas por militares, da ativa e da
reserva, por ‘WattsApp’. Pelas redes privadas, formam grupos de
comunicação direta, trocam informações e opiniões. É por elas que
circulam as críticas pela falta de verbas.
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