STF dilapidou a própria credibilidade
O Supremo Tribunal Federal produziu deliberadamente o segundo “jeitinho”
em menos de seis meses para responder a uma crise que não era
constitucional, mas política. Ao agir dessa maneira, a corte máxima do
país se apequena, e dá sinais de que está disposta a abrir mão da máxima
segundo a qual, no arranjo institucional republicano, cabe ao
Judiciário falar por último.
O decano da corte, Celso de Mello, visivelmente desconfortável com a
missão que lhe coube, deu um voto que em nada lembra as decisões
técnicas pelas quais se notabilizou. Começou dizendo da gravidade de se
descumprir uma decisão judicial e da impossibilidade de o presidente da
República permanecer no cargo quando investigado, chegando a reconhecer
que isso se estendia aos seus substitutos eventuais.
Mas aí, diz ele, é possível se “pular” o presidente do Senado na linha
sucessória. Parecendo recorrer a uma expressão em latim para dar alguma
credibilidade a uma decisão claramente política, Celso de Mello cunhou a
expressão “per saltum”. O salto com vara, no caso, foi sobre a
Constituição e mesmo a lógica. Renan é, pois, apto a presidir o Senado
da República, mas não o Executivo.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, também se desviou de tudo
aquilo que prega ao longo de sua trajetória na corte. Cármen é aquela
que dirige o próprio carro, recusa convites para jantares e coquetéis
por não achar apropriado que magistrados confraternizem com políticos,
que nas últimas semanas defendeu o Judiciário de ataques.
Como, então, referenda uma saída política para um impasse institucional?
Mais: como patrocina esse entendimento por meio de conversas de
bastidores que sempre condenou? Como vota de forma condescendente,
admitindo o descumprimento de uma decisão do tribunal que preside pela
Mesa do Senado e a agressão a um ministro da corte por parte de Renan —
que afirmou que Marco Aurélio Mello dera a liminar preocupado em manter
salário acima do teto?
Tendo costurado a saída fora dos “autos”, Cármen Lúcia deveria, ao
menos, ter deixado de votar. Afinal, já havia maioria a favor da
permanência de Renan na cadeira. Assim, ela não compactuaria com uma
saída com a qual dificilmente deve concordar.
No impeachment de Dilma Rousseff, de novo a partir de uma urdidura de
Renan Calheiros, o ministro Ricardo Lewandowski concordou em “fatiar”a
pena do impeachment, para que a petista mantivesse os direitos
políticos. Apesar de manifestarem, em público e em privado, a
discordância com a decisão, os ministros do Supremo decidiram “deixar
para lá” para não agravar a crise.
Se recusaram a analisar recursos de todos os lados contra a decisão,
fingiram que não viram o “jeitinho”, mas numa briga com Lewandowski o
próprio Gilmar Mendes fez menção à decisão, de forma desairosa, em uma
sessão da corte.
O STF, com essas duas decisões, relativizou seu peso. Com isso, chega
desgastado, não só diante dos demais Poderes, mas da sociedade, para
enfrentar o que terá pela frente: vários processos contra políticos
envolvidos na Lava Jato, que andam a passos de tartaruga e cujo fim,
teme-se, seja igualmente negociado em conversas de gabinetes e fora da
Constituição.
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