Crise brasileira afeta segurança e leva
Força Nacional a Estados do país
Força Nacional a Estados do país
Agentes da Força Nacional fazem patrulha nas ruas de Porto Alegre |
Ao verem as boinas vermelhas dos policiais da Força Nacional, no
domingo, 28 de abril, gaúchos bateram palmas. Depois de semanas tensas,
com alta nos índices de criminalidade, atrasos nos salários de policiais
e paralisação da categoria, a tropa foi recebida "de braços abertos",
segundo declarou o comandante da Polícia Militar.
A reverência não é incomum. Com crises agudas na segurança pública,
agravadas por um ano de recessão e de queda nas receitas, Estados têm
recorrido com frequência à Força Nacional, tropa emergencial do governo
federal, para estancar picos de criminalidade.
Cedidos pelas polícias estaduais, mas com diárias e treinamento pagos
pelo governo federal, os homens fardados e com forte armamento fazem a
segurança de presídios, policiamento nas ruas, ajudam na resolução de
crimes e atuam até em salvamentos nas praias.
"É um suspiro, um alento", diz o secretário de Segurança de Goiás, José Eliton. "Mas nunca vai ser solução."
No último ano, pelo menos 13 Estados receberam tropas da Força Nacional — 11 a pedido dos governadores.
Em alguns locais, elas chegam a ficar por cinco anos consecutivos. É o
caso de Alagoas, que recebeu policiais militares, civis e homens do
Corpo de Bombeiros. Alagoas é o Estado campeão em homicídios no Brasil:
63 por cem mil habitantes, de acordo com dados do Atlas da Violência
deste ano.
Em Goiás, quinto Estado neste ranking (com taxa de 42,7 por cem mil
habitantes), a Força Nacional se dedicou à resolução de crimes nas
cidades de Goiânia e de Luziânia (a 212 km da capital).
No Rio Grande do Norte, o problema é o sistema penitenciário: presos têm
fugido às dezenas por túneis cavados no solo, numa crise sem
precedentes na segurança pública potiguar.
A Força Nacional fez barreiras nos corredores turísticos e diminuiu os roubos de veículos em 45% desde que começou a atuar.
A crise nos presídios também levou os soldados ao Ceará neste ano,
Estado que ocupa o segundo lugar no ranking de homicídios. Drones foram
usados para evitar fugas das penitenciarias.
PROBLEMA ESTRUTURAL — Especialistas e até mesmo os próprios Estados, no
entanto, se queixam de que o apoio da Força Nacional é apenas um
"paliativo".
"É uma segurança de cartão-postal, para fazer propaganda", diz o
coordenador do Observatório da Segurança do Rio Grande do Norte, Ivenio
Hermes. "Criam-se bolsões de segurança, mas a criminalidade migra."
As tropas, apesar do impacto visual, nem sempre são numerosas como se
imagina — em alguns casos, são até menores do que o número cedido pelo
Estado para a própria Força Nacional.
"É despir um santo para cobrir outro", diz Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
COBRANÇA — Os Estados atendidos por essas tropas da Força Nacional
cobram uma atuação mais estratégica do governo federal, além de uma
repactuação de responsabilidades.
"Temos que rever o financiamento da segurança. Hoje, é uma
desproporção", afirma a procuradora Maria Tereza Uille Gomes,
ex-secretária da Justiça do Paraná. "Os Estados estão sobrecarregados",
completa.
Enquanto o gasto com a Força Nacional é crescente no país, as verbas de
fundos federais, que deveriam ser repassadas aos Estados para serem
empregadas no aparelhamento das polícias e na construção de presídios,
permanecem contingenciadas.
"São bilhões parados. Ficam lá só para fazer superávit primário", afirma o secretário goiano.
O Ministério da Justiça informou que tem um "firme propósito para um
trabalho conjunto com os Estados" e que tem feito reuniões com
secretários de Segurança para atuar nesse sentido.
A Força Nacional, segundo o ministério, se destina a "situações limite e
pontuais", e não pretende substituir a ação dos órgãos estaduais de
segurança, mas reforçar e suplementar sua eficiência.
SUCATEAMENTO — Em alguns batalhões de Goiânia, policiais militares
precisam fazer rateio até para comprar água. A internet cai com
frequência, e, numa das áreas mais violentas da cidade, faltam munições e
as armas ficam armazenadas em uma sala sem segurança.
O "sucateamento" da PM goiana, relatado numa inspeção recente do
Ministério Público, é um sintoma da crise na segurança pública pela qual
passam governos estaduais, responsáveis constitucionalmente pela área.
No último ano, a crise econômica que o país atravessa — a pior em
décadas — diminuiu os orçamentos e agravou o problema: alguns Estados
nem sequer têm dinheiro para a gasolina dos carros da PM ou para repor o
efetivo que se aposenta.
"Nós atrasamos os salários e atrasaremos no futuro. Porque é um problema
estrutural", admite Giovani Feltes, secretário da Fazenda do Rio Grande
do Sul — onde a receita caiu 4% neste ano e policiais, sem
perspectivas, estão optando pela aposentadoria.
EXAUSTÃO — A queda do efetivo, com tropas envelhecidas, é problema comum
a vários Estados, que apelam às horas extras para mitigar o baixo
número de soldados no patrulhamento das ruas.
Comandantes das corporações reclamam que essa situação gera exaustão e estresse nos policiais.
No Rio Grande do Norte, impedido de contratar novos servidores por estar
acima do limite de gastos com pessoal, o governo estadual faz concursos
a conta-gotas. A jornada extra de seis horas rende apenas R$ 50 aos
policiais potiguares.
Em Goiás, o governo mudou a lei neste ano para baixar o salário de
entrada dos policiais militares para R$ 1.500, em vez de R$ 3.267. O
novo piso vale por quatro anos (um de formação e três de estágio
probatório).
"Se não fizéssemos isso, não teríamos como fazer concursos na quantidade
que estamos fazendo", afirma o secretário estadual José Eliton.
O governo de Goiás reconhece a necessidade de melhorias em alguns
batalhões da PM, mas diz que a grande maioria está em "excelentes
condições" e argumenta que investiu R$ 41,5 milhões desde 2015 em
equipamentos para a corporação.
Em todo o país, os presídios estaduais, superlotados e, de forma geral,
com péssimas estruturas, agravam a crise da segurança. A superlotação no
sistema é de aproximadamente 200 mil presos.
No Rio Grande do Norte, foram 489 fugas de presídios no último ano, segundo o Observatório da Segurança no Estado.
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