segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Crise brasileira afeta segurança e leva
Força Nacional a Estados do país



Agentes da Força Nacional fazem patrulha nas ruas de Porto Alegre


Ao verem as boinas vermelhas dos policiais da Força Nacional, no domingo, 28 de abril, gaúchos bateram palmas. Depois de semanas tensas, com alta nos índices de criminalidade, atrasos nos salários de policiais e paralisação da categoria, a tropa foi recebida "de braços abertos", segundo declarou o comandante da Polícia Militar.
A reverência não é incomum. Com crises agudas na segurança pública, agravadas por um ano de recessão e de queda nas receitas, Estados têm recorrido com frequência à Força Nacional, tropa emergencial do governo federal, para estancar picos de criminalidade.
Cedidos pelas polícias estaduais, mas com diárias e treinamento pagos pelo governo federal, os homens fardados e com forte armamento fazem a segurança de presídios, policiamento nas ruas, ajudam na resolução de crimes e atuam até em salvamentos nas praias.
"É um suspiro, um alento", diz o secretário de Segurança de Goiás, José Eliton. "Mas nunca vai ser solução."
No último ano, pelo menos 13 Estados receberam tropas da Força Nacional — 11 a pedido dos governadores.


Em alguns locais, elas chegam a ficar por cinco anos consecutivos. É o caso de Alagoas, que recebeu policiais militares, civis e homens do Corpo de Bombeiros. Alagoas é o Estado campeão em homicídios no Brasil: 63 por cem mil habitantes, de acordo com dados do Atlas da Violência deste ano.
Em Goiás, quinto Estado neste ranking (com taxa de 42,7 por cem mil habitantes), a Força Nacional se dedicou à resolução de crimes nas cidades de Goiânia e de Luziânia (a 212 km da capital).
No Rio Grande do Norte, o problema é o sistema penitenciário: presos têm fugido às dezenas por túneis cavados no solo, numa crise sem precedentes na segurança pública potiguar.
A Força Nacional fez barreiras nos corredores turísticos e diminuiu os roubos de veículos em 45% desde que começou a atuar.
A crise nos presídios também levou os soldados ao Ceará neste ano, Estado que ocupa o segundo lugar no ranking de homicídios. Drones foram usados para evitar fugas das penitenciarias.

PROBLEMA ESTRUTURAL — Especialistas e até mesmo os próprios Estados, no entanto, se queixam de que o apoio da Força Nacional é apenas um "paliativo".
"É uma segurança de cartão-postal, para fazer propaganda", diz o coordenador do Observatório da Segurança do Rio Grande do Norte, Ivenio Hermes. "Criam-se bolsões de segurança, mas a criminalidade migra."


As tropas, apesar do impacto visual, nem sempre são numerosas como se imagina — em alguns casos, são até menores do que o número cedido pelo Estado para a própria Força Nacional.
"É despir um santo para cobrir outro", diz Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

COBRANÇA — Os Estados atendidos por essas tropas da Força Nacional cobram uma atuação mais estratégica do governo federal, além de uma repactuação de responsabilidades.
"Temos que rever o financiamento da segurança. Hoje, é uma desproporção", afirma a procuradora Maria Tereza Uille Gomes, ex-secretária da Justiça do Paraná. "Os Estados estão sobrecarregados", completa.
Enquanto o gasto com a Força Nacional é crescente no país, as verbas de fundos federais, que deveriam ser repassadas aos Estados para serem empregadas no aparelhamento das polícias e na construção de presídios, permanecem contingenciadas.


"São bilhões parados. Ficam lá só para fazer superávit primário", afirma o secretário goiano.
O Ministério da Justiça informou que tem um "firme propósito para um trabalho conjunto com os Estados" e que tem feito reuniões com secretários de Segurança para atuar nesse sentido.
A Força Nacional, segundo o ministério, se destina a "situações limite e pontuais", e não pretende substituir a ação dos órgãos estaduais de segurança, mas reforçar e suplementar sua eficiência.

SUCATEAMENTO — Em alguns batalhões de Goiânia, policiais militares precisam fazer rateio até para comprar água. A internet cai com frequência, e, numa das áreas mais violentas da cidade, faltam munições e as armas ficam armazenadas em uma sala sem segurança.
O "sucateamento" da PM goiana, relatado numa inspeção recente do Ministério Público, é um sintoma da crise na segurança pública pela qual passam governos estaduais, responsáveis constitucionalmente pela área.


No último ano, a crise econômica que o país atravessa — a pior em décadas — diminuiu os orçamentos e agravou o problema: alguns Estados nem sequer têm dinheiro para a gasolina dos carros da PM ou para repor o efetivo que se aposenta.
"Nós atrasamos os salários e atrasaremos no futuro. Porque é um problema estrutural", admite Giovani Feltes, secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul — onde a receita caiu 4% neste ano e policiais, sem perspectivas, estão optando pela aposentadoria.

EXAUSTÃO — A queda do efetivo, com tropas envelhecidas, é problema comum a vários Estados, que apelam às horas extras para mitigar o baixo número de soldados no patrulhamento das ruas.
Comandantes das corporações reclamam que essa situação gera exaustão e estresse nos policiais.
No Rio Grande do Norte, impedido de contratar novos servidores por estar acima do limite de gastos com pessoal, o governo estadual faz concursos a conta-gotas. A jornada extra de seis horas rende apenas R$ 50 aos policiais potiguares.
Em Goiás, o governo mudou a lei neste ano para baixar o salário de entrada dos policiais militares para R$ 1.500, em vez de R$ 3.267. O novo piso vale por quatro anos (um de formação e três de estágio probatório).
"Se não fizéssemos isso, não teríamos como fazer concursos na quantidade que estamos fazendo", afirma o secretário estadual José Eliton.
O governo de Goiás reconhece a necessidade de melhorias em alguns batalhões da PM, mas diz que a grande maioria está em "excelentes condições" e argumenta que investiu R$ 41,5 milhões desde 2015 em equipamentos para a corporação.
Em todo o país, os presídios estaduais, superlotados e, de forma geral, com péssimas estruturas, agravam a crise da segurança. A superlotação no sistema é de aproximadamente 200 mil presos.
No Rio Grande do Norte, foram 489 fugas de presídios no último ano, segundo o Observatório da Segurança no Estado.




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