Mujica, em livro, relata confissão de Lula sobre mensalão
Segundo líder uruguaio, petista disse, ao se referir ao esquema, que ‘era a única forma de governar o Brasil’
A capa: “Una oveja negra al poder”, lançado no Uruguai |
Um livro-reportagem lançado no Uruguai esta semana, e que conta os cinco
anos do governo de José Mujica a partir do ponto de vista dele, traz à
tona uma “confissão” que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe
teria feito em 2010. Em “Una oveja negra al poder” (Uma ovelha negra no
poder, em tradução livre), escrito pelos jornalistas uruguaios Andrés
Danza e Ernesto Tulbovitz, ainda sem data para chegar ao Brasil, Mujica
relembra um dos encontros que teve com Lula. Relata que, ao falarem
sobre o escândalo do mensalão, que consistia na compra de apoio
político, o petista lhe teria dito que aquela era “a única forma de
governar o Brasil”.
“Lula não é um corrupto como (Fernando) Collor de Mello e outros
ex-presidentes brasileiros”, disse Mujica aos jornalistas da revista
“Búsqueda” em uma das cem horas de entrevistas que lhes concedeu. “Mas
viveu esse episódio (do mensalão) com angústia e um pouco de culpa”.
De acordo com o relato de Mujica, quando o assunto veio à tona, numa
reunião feita em Brasília nos primeiros meses de 2010, Lula lhe teria
dito textualmente: “Neste mundo tive que lidar com muitas coisas
imorais, chantagens”. Para logo em seguida, emendar: “Essa era a única
forma de governar o Brasil”. Segundo Mujica, o ex-vice-presidente
uruguaio Danilo Astori estava na sala e também ouviu a “confissão” do
petista.
Lula sempre negou saber do escândalo do mensalão. Em agosto de 2005,
pouco depois de o caso vir à tona, o então presidente fez um discurso
dizendo que se sentia “traído por práticas inaceitáveis das quais nunca
tivera conhecimento” e que estava “tão ou mais indignado do que qualquer
brasileiro” diante do episódio. Depois, passou a afirmar que a
existência do esquema nunca havia sido comprovada e que seus colegas de
partido tiveram uma punição política.
Procurado no fim da tarde de quinta-feira (07.maio.2015) pela reportagem
para comentar o conteúdo do livro, o Instituto Lula informou que não
teria “como encaminhar um comentário a essa hora” e pediu que as
palavras de Mujica não fossem reproduzidas parcialmente. Na obra, o
uruguaio também diz que admira Lula e que ele é um “baixinho bárbaro”.
— Mujica sempre viu Lula como uma espécie de padrinho. Sempre pensou que
o Uruguai deveria seguir o rumo do Brasil, que é o grande protagonista
da região — disse o jornalista Andrés Danza. — Mujica sempre afirmou que
Lula não é corrupto, mas que o Brasil vive na corrupção.
Danza e Tulbovitz, editor-geral e repórter de uma das revistas semanais
mais respeitadas do Uruguai, acompanham a carreira de Mujica desde 1998.
Viram-no ser eleito deputado e senador, se transformar em ministro da
Pecuária, Agricultura e Pesca, e, depois, em presidente.
— São 17 anos de convivência com encontros pessoais semanais — contou
Danza. — Quando ele assumiu a Presidência, no dia 1º de março de 2010,
começamos a fazer registros oficiais da Presidência e combinamos que só
publicaríamos esse material depois que ele deixasse o cargo. Todas as
conversas estão gravadas.
Ex-presidentes José Mujica, do Uruguai, e Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro ocorrido em Brasília em 2010 |
Dilma, Lugo e Mercosul
Em “Una oveja negra al poder”, publicado pela editora Sudamericana
(Penguin Random House no Uruguai), os jornalistas ainda relatam que a
proximidade de Mujica e Lula era tão grande que o uruguaio “soube que
Dilma seria a candidata (à Presidência) muito antes que isso se tornasse
público” e também que, depois, Lula apoiaria sua reeleição.
“(Mujica) Entendeu perfeitamente essa jogada”, escreveram os
jornalistas. “Lula preferia ser o poder nas sombras e, depois do
mensalão, não ficar exposto demais”.
— Mujica vê Dilma como uma mulher executiva, que resolve tudo muito
rápido. Como uma administradora melhor do que Lula, mas sem o carisma
dele — afirmou Danza.
Durante os cinco anos de trabalho que levaram ao livro, Danza e
Tulbovitz reconstruíram episódios marcantes da vida política do Cone
Sul, como a suspensão que o Mercosul aplicou ao Paraguai em 2012, após a
destituição do presidente Fernando Lugo. Segundo contam, Mujica e Dilma
tiveram papel definitivo. Ele era contra o veto, mas ela, evitando
qualquer contato pessoal, teria feito chegar a ele um pedido para que
apoiasse a decisão.
“Um encontro tão fugaz e repentino entre presidentes levantaria
suspeitas, então o governo brasileiro resolveu enviar um avião a
Montevidéu para transladar o emissário de Mujica à residência de Dilma,
em Brasília”, escreveram os autores. “Assim se fez, e, quando o uruguaio
chegou, Dilma estava esperando no escritório”.
— Vamos ao caso — teria dito a presidente, enquanto o emissário pegava
um caderno. — Não. Sem anotações. Esta reunião nunca existiu.
Leia trecho do livro:
"Lula teve que enfrentar um dos maiores escândalos da História recente do Brasil: o mensalão, uma mensalidade paga a alguns parlamentares para que aprovassem os projetos mais importantes do Poder Executivo. Compra de votos, um dos mecanismos mais velhos da política. Até José Dirceu, um dos principais assessores de Lula, acabou sendo processado pelo caso.'Lula não é um corrupto como Collor de Mello e outros ex-presidentes brasileiros', disse-nos Mujica, ao falar do caso. Ele contou, além disso, que Lula viveu todo esse episódio com angústia e com um pouco de culpa. 'Neste mundo tive que lidar com muitas coisas imorais, chantagens', disse Lula, aflito, a Mujica e Astori, semanas antes de eles assumirem o governo do Uruguai. 'Essa era a única forma de governar o Brasil', se justificou. Os dois tinham ido visitá-lo em Brasília, e Lula sentiu a necessidade de esclarecer a situação."
Requerimento na Comissão
Para o senador Ronaldo Caiado, a revelação de Mujica traz “uma acusação
muito séria, até porque é a própria esquerda brasileira que trata Mujica
como uma espécie de mártir e coloca sua índole acima de qualquer
suspeita. Se ele diz que o ex-presidente Lula, não só confirmou ter
conhecimento sobre o mensalão, como admitiu que era a sua única forma de
governar o país, isso coloca em xeque toda a tese que o inocentou do
esquema.''
Lula reagiu ao mensalão com um bordão que se tornou um clássico da era
petista no poder: “eu não sabia”. Num pronunciamento levado ao ar em
rede nacional de radio e tevê, em agosto de 2005, Lula chegou a afirmar
que fora “traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tivera
conhecimento.” Daí a relevância das declarações atribuídas a Mujica, que
não é nenhum inimigo de Lula. Bem ao contrário.
“As investigações do Mensalão pararam justamente quando estava a
centímetros de chegar em Lula”, diz Caiado. “É preciso acabar com essa
barreira imaginária de proteção ao Palácio do Planalto. A Lava Jato não
pode cair no mesmo erro de isentar Dilma e Lula.''
O senador Ronaldo Caiado apresentará na Comissão de Relações Exteriores
do Senado requerimento propondo que o ex-presidente do Uruguai José
Mujica seja convida a falar no Senado brasileiro. Caiado deseja obter
detalhes sobre a revelação feita por Mujica em seu livro “Una oveja
negra al poder” (Uma ovelha negra no poder, em tradução livre). Mujica
contou ter ouvido de Lula algo que soou como uma confissão sobre o
mensalão.
Em seu requerimento, Caiado estenderá o convite ao ex-vice presidente do
Uruguai, Danilo Astori, testemunha da conversa entre Mujica e Lula. O
“convite” tem eficácia meramente política. É improvável que Mujica e
Astori se disponham a comparecer ao Senado. Mas a simples manutenção do
tema no noticiário constringe Lula e o PT.
Repercussão
Após ser noticiado que um livro-reportagem sobre José Mujica,
ex-presidente do Uruguai, afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva teria lidado com “coisas imorais” em seu governo, um dos
autores da obra, o jornalista uruguaio Andrés Danza, desmentiu que isso
tenha sido uma “confissão” sobre o mensalão.
Questionado se Lula se referia especificamente ao mensalão ou a "coisas
imorais" ao falar sobre "a única forma de governar o Brasil", o
jornalista uruguaio Andrés Danza respondeu por e-mail o contexto em que
isso foi dito:
"Não, Lula estava falando sobre as 'coisas imorais' e não sobre o mensalão. O que Lula transmitiu ao Mujica foi que é dificil governar o Brasil sem conviver com chantagens e 'coisas imorais'", escreveu Andrés Danza.
A citação original do livro era: “Neste mundo tive que lidar com muitas
coisas imorais, chantagens […] Essa era a única forma de governar o
Brasil”, disse Lula, de acordo com relato de Mujica. A declaração foi
dada, segundo a publicação, em uma reunião feita em Brasília nos
primeiros meses de 2010.
“Lula não é um corrupto como [Fernando] Collor de Mello e outros
ex-presidentes brasileiros. Mas viveu esse episódio [do mensalão] com
angústia e um pouco de culpa”, afirma o ex-presidente uruguaio no livro.
O escândalo político surgiu em 2005 e o julgamento dos acusados ocorreu
de 2012 a 2014.
A publicação “Una Oveja Negra al Poder” (Uma ovelha negra no poder, em
tradução livre), lançada esta semana no Uruguai e sem previsão de edição
no Brasil, é de autoria dos jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, editor-geral e repórter da revista Búsqueda, uma das mais respeitadas do país.
Apesar do desmentido do autor, um trecho da reportagem publicada
nesta semana na Búsqueda confirma que Lula teria justificado o mensalão
com a frase: “Essa foi a única maneira de governar o Brasil”.
Em nota, o Instituto Lula, que representa o ex-presidente, endossou o
desmentido de Andrés Danza sobre o assunto. E acrescentou: “Lamentamos
que uma vez mais a imprensa brasileira se utilize de imprecisões para
gerar interpretações equivocadas e divulgar mentiras”.
A reportagem procurou na sexta-feira (08.maio.2015) por telefone e por e-mail o gabinete do ex-presidente e atual senador José Mujica para saber se confirmava o teor das declarações atribuídas a ele pelo livro, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
A reportagem procurou na sexta-feira (08.maio.2015) por telefone e por e-mail o gabinete do ex-presidente e atual senador José Mujica para saber se confirmava o teor das declarações atribuídas a ele pelo livro, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
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