O governo perdeu a legitimidade e mal completou três meses. Não há paralelo na história republicana
Marco Antonio Villa |
Nunca na história recente do Brasil o interesse por política foi tão
grande como agora. Fala-se de política em qualquer lugar e a qualquer
hora. O chato é, neste momento, o brasileiro que não está nem aí para os
rumos do nosso país. Esta sensação perpassa as classes sociais, as
faixas etárias e as diversas regiões do país. É um sentimento nacional
de ódio aos corruptos, ao seu partido e a suas lideranças, especialmente
aquela que se apresentou durante anos como salvadora da pátria e, hoje,
não tem coragem de caminhar, sem segurança, por uma simples rua de
alguma cidade. Transformou-se em um espantalho. Só assusta — se assusta —
algum passarinho desavisado.
Vivemos um impasse. E não há nenhum paralelo com qualquer momento da
história republicana. O governo perdeu a legitimidade e mal completou
três meses. E ainda faltam — impensáveis — 45 meses. Se as eleições
fossem realizadas hoje, Dilma Rousseff sequer chegaria ao segundo turno.
E o que fazer? É necessário encontrar uma saída para a greve crise que
vivemos. Não cabe dar ouvidos aos covardes de plantão, aqueles que dizem
que temos de tomar cuidado com a governabilidade, que não podemos
colocar em risco a estabilidade econômica e que o enfrentamento aberto
do projeto criminoso de poder é um perigo para a democracia. Devemos
silenciar frente a tudo isso? Não, absolutamente não. Esta é a hora
daqueles que têm compromisso com o Brasil. Protestar, ocupar as ruas é a
tarefa que se coloca. É seguir a lição de Mário de Andrade. Não sejamos
“espiões da vida, camuflados em técnicos da vida, espiando a multidão
passar. Marchem com as multidões.” E no dia 12 as ruas estarão tomadas
por aqueles que não querem simplesmente espiar a vida, mas desejam mudar
a vida.
O projeto criminoso de poder acabou transformando a corrupção em algo
natural. E o volume fabuloso de denúncias que horroriza a nação é visto
positivamente, pois as denúncias estariam sendo apuradas. É
inacreditável: em uma manobra orwelliana, o petrolão é definido como uma
ação saneadora do Estado, e não como o maior desvio de recursos de uma
empresa pública na história da humanidade. Seus asseclas — supostos
intelectuais — buscaram algum tipo de justificativa. Como se no Brasil
houvesse uma cultura da corrupção, um fator de longa duração. Erro
crasso: imaginam que os brasileiros são à sua imagem e semelhança. Não
são. Eles é que são corruptos — e nem precisam sair do armário. Já
assumiram e faz tempo.
Cabe ressaltar que o movimento da História é surpreendente e
imprevisível. No início de junho de 1992, quando a CPMI sobre as
atividades de Paulo César Farias — denunciadas por Pedro Collor, irmão
do presidente — estava iniciando seus trabalhos, o senador Fernando
Henrique Cardoso fez questão de declarar que “impeachment é como bomba
atômica, existe para não ser usado.” O deputado peemedebista Nélson
Jobim foi enfático: “O Congresso não pode fazer uma CPI para investigar o
presidente. Se vocês insistirem nisso, eu vou ao Supremo.” Mais
cordato, mas não menos conciliador, o senador Marco Maciel (PFL-PE)
declarou que a “CPI não vai produzir sequelas, pois as acusações foram
feitas sem provas.” Líderes empresariais saíram em defesa do presidente.
Emerson Kapaz, candidato a presidente da Fiesp, disse que as denúncias
eram “uma grande irresponsabilidade. As pessoas precisam medir seus atos
para não causar mais turbulência no Brasil, já tão afetado pela crise
econômica.” E até juristas criticaram Pedro. Um deles, Celso Bastos,
declarou que o irmão do presidente era de “um egoísmo elevado à última
potência” e que ele “nunca pensou nos interesses da nação.” Quatro meses
depois, Fernando Collor não era mais presidente do Brasil.
Hoje vivemos uma situação muito distinta em relação a 1992. Entre outros
fatores, um é essencial: as ruas. Desta vez, são elas que estão
impulsionando o Parlamento, e não o inverso, como naquele ano. O que
ocorreu pelo Brasil, no dia 15 de março, é fato único na nossa história.
Eu testemunhei dezenas de milhares de pessoas se manifestando em
absoluta ordem na Avenida Paulista. Com indignação — e justa indignação —
mas também com bom humor. Foi um reencontro com o Brasil. A
auto-organização da sociedade civil é o novo, só não reconhece quem está
comprometido com o projeto criminoso de poder — e são tantos que
venderam suas consciências.
Esta será uma semana de muita tensão. E isto é bom para a democracia.
Ruim é o silêncio ou o medo. As ruas voltaram a ser do povo, e não mais
monopólio daqueles que têm ódio à democracia. Nós temos tudo para
construir um grande país mas antes temos uma tarefa histórica: nos
livrar dos corruptos. E sempre dentro da democracia, da lei e da ordem.
São eles — e existem sim o nós e eles — que sempre desprezaram o Estado
Democrático de Direito. Nunca é demais lembrar que o PT votou contra o
texto final da Constituição.
Vivemos uma quadra histórica ímpar. Não é exagero que nós teremos muito a
contar aos nossos filhos e netos. É aquele momento de decisão, de
encruzilhada do destino nacional. Para onde vamos? Continuaremos a
aceitar passivamente a destruição dos valores republicanos ou tomaremos
uma atitude cívica, de acordo com bons momentos da nossa história?
Eles não passarão. E não passarão porque — paradoxalmente — uniram o
Brasil contra eles. Ninguém aguenta mais. É hora de dar um passo
adiante, de encurralar aqueles que transformaram o exercício de
administração da coisa pública em negociata, em mercadoria. E deixar
duas saídas: a renúncia ou o impeachment.
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