Syriza leva esquerda latina para a Grécia
Coalizão tem como referências Lula, Evo e
Chávez, diz cientista político afiliado
Influência envolve até criação
de 'Bolsa Família' grego
Alexis Tsipras |
A Coalizão Radical de Esquerda (Syriza), a aliança que provocou um
terremoto político e econômico ao recusar os princípios da austeridade
fiscal e assumir o poder na Grécia na semana passada, é inspirada por
chefes de Estado como Luiz Inácio Lula da Silva, Hugo Chávez e Evo
Morales. Seu líder, o agora primeiro-ministro Alexis Tsipras, de 40
anos, vem importando para a Europa um modelo de esquerda populista de
partidos e movimentos sociais da América Latina.
Essas características foram confirmadas por cientistas políticos gregos,
de dentro e de fora do partido, e também por militantes da Syriza.
Fundada em 2004 a partir da fusão da Coalizão da Esquerda, de Movimentos
e da Ecologia (Sinaspismos), a Syriza é uma galáxia de ex-militantes
comunistas - de trotskistas a maoistas -, socialistas e ecologistas. Boa
parte deles era egresso do antigo Partido Socialista Pan-Helênico
(Pasok), marxista, antiunião europeia e antiamericano, que em 1981
conquistou o poder com 48% dos votos, levando seu líder, Andreas
Papandreou, ao cargo de premiê.
Com a derrocada da União Soviética e a conversão do Pasok aos princípios
da economia de mercado, militantes de extrema esquerda se pulverizaram
em partidos nanicos e movimentos sociais que no final dos anos 2000
encontrariam uma causa comum: a luta contra a austeridade fiscal na
Grécia. Teve início, então, a ascensão da Syriza, sob a liderança de
Tsipras, rumo ao poder, conquistado no dia 25.jan.2015, quando os
"radicais de esquerda" obtiveram 36,3% dos votos. "Tudo o que foi feito
na América Latina vem sendo observado de muito perto há vários anos",
explica Elias Nikolakopoulos, cientista político da Universidade de
Atenas. "É uma influência umbilical e crescente, desde que dirigentes do
partido estiveram no Fórum Social Mundial e participaram de
mobilizações antiglobalização. A passagem por Porto Alegre foi um
componente ideológico da formação de Syriza."
De acordo com Nikolakopoulos, dirigentes como Tsipras - que batizou um
filho com o nome de Ernesto - transformaram a Syriza em um partido que
apoia os movimentos sociais e que se inspira nas experiências
latino-americanas, que podem ir do Brasil à Venezuela, da Argentina à
Nicarágua.
Essa inspiração, explica o especialista, começou a se transformar em
proximidade após a primeira viagem de Tsipras à América Latina, em 2012,
quando encontrou todos os líderes antiglobalização da região. "Tsipras
queria mostrar que havia uma outra via para o desenvolvimento social nos
governos progressistas na América Latina.
Stavros Konstandokopolos, cientista político da Panteion University for
Social and Political Sciences, de Atenas, membro-fundador e militante
ativo da Syriza, confirma a proximidade ideológica. "Syriza é um partido
radical que presta atenção na economia e na sociedade, sem ser
dogmático", define. "Suas fontes de inspiração vieram da América Latina,
com Lula, Chávez e Morales. Em um primeiro momento, era mais por Lula,
mas o gosto de provocação de Chávez causou uma inspiração sentimental."
Segundo Konstandokopolos, acadêmicos como o brasileiro Roberto
Mangabeira Unger, professor da Universidade Harvard e ex-ministro de
Assuntos Estratégicos do governo Lula, e o boliviano Álvaro García
Linera, matemático, sociólogo, vice-presidente da Bolívia e um dos
ideólogos do Movimento ao Socialismo (MAS), de Evo Morales, são fontes
ideológicas do partido. "A experiência política da América Latina é
muito importante para a Syriza", ressaltou.
Prática
Não por acaso, uma das primeiras medidas esperadas do governo de Tsipras
é a criação de uma versão local dos programas Fome Zero e Bolsa Família
- implementados pelo PT no Brasil após Lula assumir a presidência, em
2003 - uma forma de combater a "crise humanitária" que atingiria pelo
menos 300 mil gregos.
A influência latino-americana na Syriza também se confirma pela presença
de dirigentes e militantes com passagem pela América Latina. É o caso
de Kostas Issichos, argentino naturalizado grego, ex-responsável pelo
setor de Relações Internacionais da Syriza que foi nomeado na
terça-feira (27.jan.2015) ministro-adjunto da Defesa, e também o do
doutor em Microbiologia grego Kostis Damianakis. Nos anos 2000,
Damianakis passou seis anos no Brasil, onde trabalhou ao lado do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e em contato com o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Hoje, de volta à Grécia, Damianakis mora na Ilha de Creta, onde milita
pelo Syriza. "O entusiasmo com a eleição é produto do desespero com a
tragédia enfrentada pelo país. Foram anos de aplicação de medidas
neoliberais", diz Damianakis. "A esquerda radical pela primeira vez tem a
oportunidade de materializar uma proposta que vem de baixo, das bases
sociais."
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