Sem interlocutor na Petrobrás
Braskem afirma que pode interromper produção
A Braskem é atualmente a única compradora de nafta no Brasil
e maior fornecedora da indústria química nacional
As denúncias de corrupção na Petrobrás e a troca no comando da companhia
deixaram a Braskem falando sozinha em um momento em que a maior
petroquímica brasileira precisa renovar com a estatal um acordo de R$ 9
bilhões anuais, que envolve uma matéria-prima responsável por 70% dos
custos da petroquímica no Brasil.
O contrato fechado entre as duas empresas para o fornecimento de nafta -
derivado do petróleo usado na fabricação de resinas e principal insumo
da Braskem - vence no próximo dia 28. Após essa data, quando o acordo
perde validade, a Braskem afirma não ter garantia de que receberá a
matéria-prima no mês que vem.
Hoje, a Braskem é a única compradora de nafta no Brasil e maior
fornecedora da indústria química. Segundo a empresa, que tem como sócios
o grupo Odebrecht (38%) e a própria Petrobrás (36%), se a situação
chegar ao limite, três polos petroquímicos brasileiros podem ter de
interromper a produção.
"As negociações estavam difíceis. Não vou dizer que elas estão, porque
hoje nem temos um interlocutor para falar sobre isso na Petrobrás",
afirmou o presidente da Braskem, Carlos Fadigas.
Questionada, a Petrobrás afirma em comunicado que "permanecem os
esforços na busca de um acordo, considerando alternativas de curto ou
longo prazo". A empresa disse também que realizou reuniões com a Braskem
há duas semanas para discutir o tema.
O impasse entre as empresas começou em fevereiro de 2013, quando a
Petrobrás anunciou que iria mudar no ano seguinte as condições de um
contrato assinado em 2009, com validade de 10 anos. O acordo prevê a
entrega de 7 milhões de toneladas de nafta por ano à Braskem, um volume
superior a R$ 9 bilhões, considerando as atuais cotações da nafta e do
dólar.
Naquela época, a estatal decidiu usar a nafta de suas refinarias na
composição de gasolina e, para atender à Braskem, passou a importar o
insumo. Desde então, a Petrobrás tenta repassar à petroquímica o custo
decorrente dessa importação.
A Braskem, que afirma que isso encareceria o custo da nafta entre 5% e
7%, não aceita pagar uma taxa adicional. O argumento da empresa é que
ela está sendo onerada por uma decisão do governo de subsidiar a
gasolina no País.
Sem conseguir chegar a um consenso, as duas empresas assinaram dois
contratos aditivos. O primeiro, em vigor até agosto de 2014, estendia as
condições de preço e entrega por mais seis meses. Já no segundo, que
vale até o fim do mês, a Petrobrás garantia a entrega de nafta, mas o
preço ficou em aberto. Desde então, a Braskem diz estar produzindo sem
certeza de qual é sua margem de lucro: continua pagando à Petrobrás o
valor previsto no contrato antigo, mas, em caso de aumento, terá de
transferir a diferença retroativamente.
A discussão sobre o preço da nafta afeta toda a indústria química,
explica o diretor-fundador da consultoria MaxiQuim, João Zuñeda. "A
petroquímica é uma indústria de base e seu custo chega a cadeias como
plástico e borracha. Com a incerteza sobre o preço da nafta no longo
prazo, ninguém investe."
Carlos Fadigas Presidente da Braskem |
Entrevista:
Carlos Fadigas, presidente da Braskem
Por falta de consenso com Petrobrás, preço da nafta está em aberto; Fadigas diz esperar ao menos uma solução de curto prazo - 'Vendo sem saber a margem; é absurdo'Carlos Fadigas, presidente da Braskem
Para a Braskem, pior do que estar em uma queda de braço há dois anos com a Petrobrás, seu maior fornecedor e acionista dona de 36% da empresa, é não ter com quem sentar para negociar. Em meio ao iminente vencimento do contrato de fornecimento de nafta, principal insumo da indústria petroquímica, no fim do mês, o presidente da Braskem, Carlos Fadigas, já apelou para o governo para pedir que o tema seja prioridade do novo presidente da estatal, Aldemir Bendine, anunciado na sexta-feira (06.fev.2015). A Braskem diz que sua situação é dramática. O preço da nafta está em aberto desde agosto e a empresa não tem garantia da entrega do produto a partir de 1.º de março - o que fez com que seus investimentos e os de clientes ficassem congelados. Além disso, a empresa passou a vender seus produtos sem saber qual é sua margem de lucro. A seguir, trechos da entrevista com Fadigas:
Como está a negociação com a Petrobrás?
Está muito difícil por causa da situação da própria Petrobrás. Mas
hoje, não vou dizer que está difícil porque nem temos um interlocutor na
empresa.
Com quem a Braskem negociava o preço da nafta?
Com a diretoria de abastecimento (o diretor José Cosenza renunciou quarta-feira - 04.fev.2015).
Por que não houve acordo?
É fato público que a diretoria estava sob pressão e já tinha pedido
para sair. Como eles iriam discutir a fórmula dos próximos cinco anos
para o preço da nafta se nem o balanço conseguiram publicar?
A Petrobrás anunciou seu novo presidente. Dá tempo de negociar a nafta com ele?
Entendo que, para quem chega agora na Petrobrás, fechar isso em dez
dias úteis é além do razoável. Queremos pelo menos renovar o aditivo por
seis meses para depois desenhar com a nova equipe uma solução de longo
prazo. Muitas pessoas vão procurá-los para tratar de temas pendentes.
Por isso, eu e outros oito presidentes de indústrias químicas estivemos
ontem (quinta) em Brasília para pedir a ajuda do ministro do
Desenvolvimento, Armando Monteiro, nessa questão.
O sr. acha que é o caso de uma intervenção do governo?
Eu não usaria a palavra intervenção. Seria mais uma orientação do
governo, que é o acionista controlador da Petrobrás, para que a
diretoria priorizasse esse assunto e evitasse um prejuízo maior para a
economia brasileira.
O que acontecerá se o contrato não for renovado até dia 28?
Não sei o que acontece no dia seguinte. Nas outras vezes em que
discutimos a renovação do contrato, a Petrobrás disse que, sem contrato,
não haveria fornecimento de nafta.
Então existe um risco de a Braskem ficar sem produto?
No pior cenário, sim. Eu sinceramente não sei se a Petrobrás vai
mesmo parar de nos fornecer nafta, porque foi uma posição colocada no
passado, mas felizmente encontramos uma solução. Mas, agora, sem
contrato, isso é um risco real.
Existe um risco real de as fábricas pararem?
Existe. O Brasil tem quatro polos petroquímicos. Só o do Rio de
Janeiro não seria afetado, porque é movido a gás. Os de São Paulo, Rio
Grande do Sul e Bahia usam nafta e seriam afetados com certeza.
Vocês podem importar para suprir a demanda?
Hoje importamos 30% da nafta que consumimos. Importar mais é inviável
do ponto de vista logístico e financeiro. Pagamos um adicional de
frete.
Qual o preço cobrado pela Petrobrás atualmente?
O preço está em aberto e será fechado no futuro. Desde agosto do ano
passado estou comprando matéria-prima por um preço que não sei qual é.
E como a Braskem vende para os clientes se não sabe o custo?
Temos contratos com preço estabelecido, então, vendo sem saber a margem. É absurdo.
Como são negociados os contratos em meio a esse impasse?
Essa incerteza tem prejudicado decisões de investimento da Braskem no
Brasil e das indústrias químicas que usam nossos produtos como insumo.
Eu tive de dizer para meus clientes que só tínhamos contrato de dois,
três meses para receber matéria-prima. Hoje é um contrato de duas
semanas. Tenho clientes que querem expandir suas fábricas e outros
querem fazer projetos novos, mas todos nos pedem um contrato de longo
prazo para lhes fornecer insumos, algo como 15 anos. Com esse impasse
sobre a nafta, nós não temos condições de negociar nada por 15 anos.
Então ninguém investe.
O sr. pode dar exemplos de investimentos congelados?
Temos uma fábrica nova de ABS, um químico usado para fabricar
computadores, na Bahia, e outra de borracha sintética no Rio Grande do
Sul que dependem da decisão sobre o nafta. A soma desses investimentos
chega a R$ 1 bilhão.
Qual o impacto do reajuste da nafta para a Braskem?
O setor petroquímico tem margem de 8% e briga muito para ganhar 10%
ou 12%. Se tivermos de pagar 7% a mais pela nafta, podemos perder 70% do
resultado e algumas fábricas ficam inviáveis. Teremos de parar a
planta. Não dá para rodar perdendo dinheiro.
Quantas fábricas são inviáveis com um reajuste de 5%?
Aproximadamente um terço da nossa capacidade produtiva estaria
comprometida e isso deixaria sem insumos todas as indústrias que são
nossas clientes. Pelas contas que fizemos seis meses atrás, o polo de
São Paulo e uma parte das nossas fábricas da Bahia não seriam viáveis. É
por isso que não aceito esse aumento. O setor petroquímico foi criado
para agregar valor ao petróleo brasileiro. De repente, a Petrobrás tenta
inverter uma lógica de 50 anos só porque o consumo de gasolina subiu e
dizer para o setor 'se virem com nafta importada, porque o produto virou
gasolina'. É absurdo. Não cabe a nós pagar a conta da política do
combustível do governo.
Se a decisão da Petrobrás for elevar o preço da nafta em 5%, novos projetos são viáveis?
Com 5% a mais não rodamos nem o que temos, quanto mais fazer fábrica nova.
A Petrobrás é, ao mesmo tempo, a maior fornecedora da Braskem e a segunda maior acionista. Não há conflito de interesse?
Não. Cada equipe comercial defende o seu lado.
Hoje seus maiores acionistas, Odebrecht e Petrobrás, são investigados pela operação Lava Jato. Como isso afeta a Braskem?
É claro que gostaríamos que os nossos acionistas estivessem em outro
momento. Mas isso não nos afeta diretamente. A Braskem tem administração
independente. Indiretamente, (a investigação) afeta a economia do
Brasil inteiro.
A Braskem está sendo investigada?
Não.
Três conselheiros da Braskem são diretores da Petrobrás que renunciaram. Eles continuarão?
Essa decisão não cabe a mim, mas ao acionista. Entendo que, havendo
uma diretoria nova, a Petrobrás indicará novos nomes para o conselho da
Braskem. Obviamente, algumas decisões específicas, como aquisições,
temos de submeter ao conselho de administração. Mas hoje temos um
conselho.
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