terça-feira, 27 de janeiro de 2015


Com país em crise, venezuelanos fazem filas 
para comprar o básico
Queda do preço do petróleo agrava situação. País enfrenta inflação e escassez de produtos
Em meio a filas cada vez maiores em supermercados, 
governo garante que abastecimento está garantido pelos próximos 75 dias

Venezuelanos fazem fila em supermercado de Caracas

O vice-presidente de Segurança Alimentar da Venezuela, Carlos Osorio, disse na segunda-feira, 26.jan.2015, que há alimentos estocados no país para abastecer a população por dois meses e meio. Segundo o ministro, isso demonstra que não há necessidade de os venezuelanos fazerem filas nos mercados do país para comprar comida. A escassez na Venezuela atinge quase três em cada dez produtos da cesta básica.
"Distribuímos mais de mil toneladas de alimentos nas últimas semanas em todo o país. Estamos revisando o inventário para garantir o acesso a todos os produtos", disse Osorio em entrevista ao canal Televen. "Temos  tudo o necessário para abastecer o povo por dois meses e meio."
O ministro voltou a culpar a imprensa e a oposição pela formação de largas filas nos supermercados venezuelanos, nas quais os clientes varam madrugadas para comprar alimentos e produtos de cuidado pessoal.
"As pessoas não estão comprando por desabastecimento. As compras são consequências de uma campanha irresponsável dedicada a espalhar a mensagem de que não há produtos", acrescentou o ministro. " Eu estive na Praça Andrés Bello (em Caracas) e ao mesmo tempo chegaram 4 mil pessoas para fazer compras. Não há logística que suporte isso."
A Venezuela vive uma grave crise econômica desde 2013, agravada nos últimos meses pela queda no preço do petróleo. Com cada vez menos dólares em caixa, o governo tem menos recursos para importar alimentos e bens de consumo. Isso provocou o aumento da inflação e da escassez de alimentos que não são produzidos no país.

SEGUNDO ANO DE RECESSÃO
A escassez e o racionamento de alimentos e produtos em geral são apenas um sinal dos problemas enfrentados pela Venezuela. O tombo na cotação do petróleo venezuelano — cujo preço do barril caiu 46%, dos US$ 100,64 em junho para US$ 47,05 no fim de dezembro —, na esteira da queda internacional da commodity, agravou a situação do país, que já sofria com falta de dólares, inflação elevada (acima dos 60% ao ano) e economia em queda.
Recebendo ainda menos pelo petróleo exportado, crescem os temores de que a Venezuela possa suspender o pagamento de sua dívida externa e, assim, dar calote. Economistas apontam o aumento desse risco, mas para alguns não é o cenário provável.
A projeção é que 2015 seja o segundo ano seguido de recessão. A consultoria Capital Economics acaba de rever sua estimativa de queda para o Produto Interno Bruto (PIB) este ano: de 1,5% para 5%. Isso após uma retração estimada em 3,5% em 2014. O Banco Central da Venezuela anunciou em 30 de dezembro que a economia teve contração de 4,8% no primeiro trimestre; 4,9% no segundo; e 2,3% no terceiro. Foram os primeiros números sobre a atividade econômica em 2014 divulgados pelo governo e confirmam uma recessão que já era prevista no mercado.
— A economia da Venezuela é a única na América Latina com uma retração dessa magnitude e vive uma situação complicada. São quatro problemas principais: falta de divisas, recuo do PIB em três trimestres e que provavelmente vai continuar, inflação em alta. E a queda no preço do petróleo torna a situação muito mais grave — afirma Leonardo Vera, professor de Economia da Universidade Central da Venezuela, em Caracas.

Governo garante que abastecimento está garantido pelos próximos 75 dias

FALHAS JÁ NA DÉCADA DE 1950
Sobrevalorização da moeda e falta de industrialização são uma realidade da economia da Venezuela hoje, mas já estavam entre as preocupações do economista Celso Furtado nas décadas de 1950 e 1970.
Quando economista da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), Furtado esteve em Caracas em 1957 e fez um relatório amplo sobre o país, que acabou não sendo publicado por pressão do governo. Já apontava para a dependência do petróleo e de que maneira a taxa de câmbio sobrevalorizada desencorajava investimentos na indústria.
— Celso costumava dizer que, na Venezuela, até a alface era importada. Seus estudos mostram que o fato de ter recursos naturais em escala gigante não é garantia para o desenvolvimento, ele não é uma fatalidade — afirma Rosa Freire d’Aguiar Furtado, viúva do economista e autora da introdução do livro “Ensaios sobre a Venezuela: subdesenvolvimento com abundância de divisas”, que reúne esses estudos de Furtado.
Em 1974, ano seguinte à primeira crise do petróleo, ele voltou à Venezuela e a estudar o país. E descreveu os excessos da arquitetura de Caracas graças à riqueza do petróleo: “Imensos capitais foram imobilizados para criar este corpo pesado que funciona queimando os royalties do petróleo”.

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