Com país em crise, venezuelanos
fazem filas
para comprar o básico
Queda do preço do petróleo agrava
situação. País enfrenta inflação e escassez de produtos
Em meio a filas cada vez maiores em supermercados,
Em meio a filas cada vez maiores em supermercados,
governo garante que abastecimento está garantido pelos
próximos 75 dias
Venezuelanos fazem fila em supermercado de Caracas |
O vice-presidente de Segurança Alimentar da Venezuela, Carlos
Osorio, disse na segunda-feira, 26.jan.2015, que há alimentos
estocados no país para abastecer a população por dois meses e meio.
Segundo o ministro, isso demonstra que não há necessidade de os
venezuelanos fazerem filas nos mercados do país para comprar comida.
A escassez na Venezuela atinge quase três em cada dez produtos da
cesta básica.
"Distribuímos mais de mil toneladas de alimentos nas últimas semanas
em todo o país. Estamos revisando o inventário para garantir o
acesso a todos os produtos", disse Osorio em entrevista ao canal
Televen. "Temos tudo o necessário para abastecer o povo por dois
meses e meio."
O ministro voltou a culpar a imprensa e a oposição pela formação de
largas filas nos supermercados venezuelanos, nas quais os clientes
varam madrugadas para comprar alimentos e produtos de cuidado
pessoal.
"As pessoas não estão comprando por desabastecimento. As compras são
consequências de uma campanha irresponsável dedicada a espalhar a
mensagem de que não há produtos", acrescentou o ministro. " Eu
estive na Praça Andrés Bello (em Caracas) e ao mesmo tempo chegaram
4 mil pessoas para fazer compras. Não há logística que suporte
isso."
A Venezuela vive uma grave crise econômica desde 2013, agravada nos
últimos meses pela queda no preço do petróleo. Com cada vez menos
dólares em caixa, o governo tem menos recursos para importar
alimentos e bens de consumo. Isso provocou o aumento da inflação e
da escassez de alimentos que não são produzidos no país.
SEGUNDO ANO DE RECESSÃO
A escassez e o racionamento de alimentos e produtos em geral são
apenas um sinal dos problemas enfrentados pela Venezuela. O tombo na
cotação do petróleo venezuelano — cujo preço do barril caiu 46%, dos
US$ 100,64 em junho para US$ 47,05 no fim de dezembro —, na esteira
da queda internacional da commodity, agravou a situação do país, que
já sofria com falta de dólares, inflação elevada (acima dos 60% ao
ano) e economia em queda.
Recebendo ainda menos pelo petróleo exportado, crescem os temores de
que a Venezuela possa suspender o pagamento de sua dívida externa e,
assim, dar calote. Economistas apontam o aumento desse risco, mas
para alguns não é o cenário provável.
A projeção é que 2015 seja o segundo ano seguido de recessão. A
consultoria Capital Economics acaba de rever sua estimativa de queda
para o Produto Interno Bruto (PIB) este ano: de 1,5% para 5%. Isso
após uma retração estimada em 3,5% em 2014. O Banco Central da
Venezuela anunciou em 30 de dezembro que a economia teve contração
de 4,8% no primeiro trimestre; 4,9% no segundo; e 2,3% no terceiro.
Foram os primeiros números sobre a atividade econômica em 2014
divulgados pelo governo e confirmam uma recessão que já era prevista
no mercado.
— A economia da Venezuela é a única na América Latina com uma
retração dessa magnitude e vive uma situação complicada. São quatro
problemas principais: falta de divisas, recuo do PIB em três
trimestres e que provavelmente vai continuar, inflação em alta. E a
queda no preço do petróleo torna a situação muito mais grave —
afirma Leonardo Vera, professor de Economia da Universidade Central
da Venezuela, em Caracas.
Governo garante que abastecimento está garantido pelos próximos 75 dias |
FALHAS JÁ NA DÉCADA DE 1950
Sobrevalorização da moeda e falta de industrialização são uma
realidade da economia da Venezuela hoje, mas já estavam entre as
preocupações do economista Celso Furtado nas décadas de 1950 e 1970.
Quando economista da Comissão Econômica para a América Latina
(Cepal), Furtado esteve em Caracas em 1957 e fez um relatório amplo
sobre o país, que acabou não sendo publicado por pressão do governo.
Já apontava para a dependência do petróleo e de que maneira a taxa
de câmbio sobrevalorizada desencorajava investimentos na indústria.
— Celso costumava dizer que, na Venezuela, até a alface era
importada. Seus estudos mostram que o fato de ter recursos naturais
em escala gigante não é garantia para o desenvolvimento, ele não é
uma fatalidade — afirma Rosa Freire d’Aguiar Furtado, viúva do
economista e autora da introdução do livro “Ensaios sobre a
Venezuela: subdesenvolvimento com abundância de divisas”, que reúne
esses estudos de Furtado.
Em 1974, ano seguinte à primeira crise do petróleo, ele voltou à
Venezuela e a estudar o país. E descreveu os excessos da arquitetura
de Caracas graças à riqueza do petróleo: “Imensos capitais foram
imobilizados para criar este corpo pesado que funciona queimando os
royalties do petróleo”.
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