Igreja levou três séculos para alçar Jesus à condição de Deus
"E vós, quem dizeis que eu sou?", pergunta Jesus aos apóstolos, numa
das cenas mais importantes dos Evangelhos. De acordo com um historiador
americano, se essa mesma pergunta fosse feita aos autores dos livros que
compõem o Novo Testamento, cada um deles daria uma resposta diferente -
e só um diria que Jesus é Deus.
Analisando os textos produzidos pelos primeiros cristãos,
acompanha-se as controvérsias sobre a natureza de Cristo ao longo de
mais de três séculos.
A análise indica que os atuais dogmas cristãos sobre Jesus - para quase todas as igrejas, ele é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tão eterno quanto Deus Pai - demoraram para se consolidar.
Ocorre, porém, que essa posição, hoje considerada ortodoxa, não está
clara em muitos textos da Bíblia.
Por exemplo, o Evangelho de Marcos, considerado o mais antigo (escrito em torno do ano 65 d.C.), apresenta uma perspectiva que os cristãos dos séculos seguintes chamariam de adocionista - ou seja, Jesus é um homem que é "adotado" por Deus como seu filho.
Por exemplo, o Evangelho de Marcos, considerado o mais antigo (escrito em torno do ano 65 d.C.), apresenta uma perspectiva que os cristãos dos séculos seguintes chamariam de adocionista - ou seja, Jesus é um homem que é "adotado" por Deus como seu filho.
Muitos autores hoje vão tentar defender a ortodoxia de Marcos, porque
afinal ele foi aceito pela Igreja. Mas, se você faz o exercício de ler
Marcos separado do Novo Testamento, se ele fosse o único texto que temos
sobre Jesus, fica difícil sustentar que Marcos acredita que Jesus era o
Cristo desde a eternidade.
Algumas décadas depois, os autores do Evangelho de Mateus e do Evangelho
de Lucas usaram Marcos como fonte, mas inseriram narrativas da infância
de Jesus (da qual Marcos não fala) no começo de seus textos. Eles
mencionam, pela primeira vez, a gravidez milagrosa da Virgem Maria, e
que Jesus seria divino desde a concepção.
Em todo caso, a crença na ressurreição de Jesus é um fator decisivo para
o desenvolvimento das doutrinas sobre a natureza de Cristo. Foi por
acreditarem que Jesus tinha ressuscitado que ao menos alguns de seus
seguidores passaram a vê-lo como algo mais do que humano.
Uma figura-chave nesse movimento é o apóstolo Paulo. Em sua Carta aos
Filipenses, ele diz que Jesus "estando na forma de Deus, não usou de seu
direito de ser tratado como um deus, mas se despojou, tornando-se
obediente até a morte". Por isso "Deus soberanamente o elevou e lhe
conferiu o nome que está acima de todo nome".
Essa passagem, e outras das obras de Paulo, indicam que o apóstolo via
Jesus como um ser divino, mas não idêntico a Deus. Na prática, Paulo
via Jesus como o mais poderoso dos anjos, que se encarnou por ordem
divina.
A visão de Paulo não seria a última palavra. Escrito por volta do ano
100 d.C., o Evangelho de João é o primeiro a dar a entender que Jesus e
Deus Pai estão em pé de igualdade desde a eternidade.
Nos dois séculos seguintes, outros grupos apresentariam perspectivas bem diferentes (veja quadro abaixo).
O dogma atual só seria definido no ano 325, no Concílio de Niceia,
reunião organizada pelo imperador romano Constantino. O dogma enfim
conciliou as várias perspectivas divergentes que existiam sobre Jesus
nos livros do Novo Testamento.
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