Revista mostra conexões de Cid Gomes com ex-diretor corrupto da Petrobras
A revista IstoÉ publica reportagem em que relatada detalhes das relações
entre o governador do Ceará, Cid Gomes (Pros) e o ex-diretor corrupto
da Petrobras Paulo Roberto Costa, que se encontra preso há cerca de seis
meses, acusado de envolvimento no escândalo de corrupção desmantelado
pela Operação Lava Jato. IstoÉ mostra, que ao contrário do que dissera
Cid Gomes, ele não apenas conhece muito bem o ex-diretor como esteve com
ele várias vezes.
Leia a íntegra da reportagem:
Unidos pelo petróleo
Como era a relação entre o governador
Cid Gomes e o delator e ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que
se estreitou nos últimos seis anos a ponto de ultrapassar a fronteira
do contato institucional
ISTOÉ revelou na semana passada que o ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras Paulo Roberto Costa incluiu o governador do Ceará, Cid Gomes
(PROS), na lista de políticos beneficiados pelo esquema de corrupção na
estatal. Ao ser confrontado com a informação, Cid Gomes começou a se
encalacrar nas próprias versões. Primeiro disse que não sabia quem era
Paulo Roberto Costa. Depois, alegou nunca haver estado com ele na vida.
Suas explicações iniciais, porém, foram desmontadas em pouquíssimas
horas. No mesmo dia da publicação da reportagem de ISTOÉ, pipocaram nas
redes sociais fotografias de encontros e eventos em que Paulo Roberto
Costa e Cid Gomes aparecem lado a lado. Numa das imagens, o delator e o
político cearense demonstram intimidade.
PROXIMIDADE INCONTESTÁVEL
Em 20 de agosto de 2008, o então diretor
de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, esteve ao lado do
governador do Ceará, Cid Gomes,
durante inauguração do Terminal de Regaseificação do Pecém. Também estavam presentes o presidente Lula e autoridades do governo.
durante inauguração do Terminal de Regaseificação do Pecém. Também estavam presentes o presidente Lula e autoridades do governo.
ONDE TUDO COMEÇOU
Em encontro no dia 10 de junho de 2008,
no Palácio de Iracema, Cid Gomes e Paulo Roberto Costa negociaram a
construção da refinaria Premium II, no Ceará.
Sorriem um para o outro. Uma dessas fotos foi tirada no dia 10 de junho
de 2008 no Palácio de Iracema, antiga sede do governo do Ceará. Na
imagem, Cid está sentado à cabeceira de uma ampla mesa de reuniões,
tendo Costa imediatamente a seu lado. No encontro, os dois trataram do
ambicioso projeto da refinaria Premium II, anunciada com pompa pelo
governo do Ceará como a futura maior refinaria de petróleo do mundo com
produção de 300 mil barris por dia e investimentos estimados em R$ 11
bilhões. Foi apenas o primeiro de muitos encontros entre Cid e Costa.
Os dois estiveram juntos participando de reuniões para tratar de
negócios privados, mesmo depois de Costa ter deixado a Petrobras em
abril de 2012. Em maio de 2013, ambos trataram de um projeto pessoal do
delator e ex-diretor de Abastecimento da estatal: a instalação no Estado
de uma minirrefinaria de petróleo. Em 17 de janeiro deste ano, Costa
esteve em mais um encontro com Cid. Na reunião, o governador do Ceará
lhe prometeu uma área de dez hectares no Complexo Industrial e Portuário
de Pecém. À imprensa local, na ocasião, o ex-diretor da Petrobras disse
que estava otimista e previa construir a minirrefinaria em até 18
meses. Dois meses depois, ele foi preso. Esses fatos derrubam
categoricamente a segunda versão apresentada por Cid Gomes. Ao não
conseguir desmentir as fotos em que aparece ao lado de Costa, o
governador refez sua declaração inicial. Em nota oficial, negou qualquer
envolvimento ou tratativas pessoais com o delator. “Todo o meu
relacionamento com a Petrobras sempre foi institucional”, disse. Como se
vê, a nova versão de Cid também não se sustenta.
Evento no Ceará, em 2008, reuniu o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff |
O projeto de minirrefinarias de Costa era antigo, mas enquanto ele
ocupou a direção de Abastecimento e Refino da Petrobras nunca conseguiu
executá-lo. Em 2005, Costa e o então presidente da estatal, José Sérgio
Gabrielli, tentaram emplacá-lo sem sucesso no Rio Grande do Norte, na
ocasião governado por Wilma de Faria (PSB). A ideia era usar a
minirrefinaria como uma forma de compensar a construção da refinaria de
grande porte em Abreu e Lima, Pernambuco. Naquele momento, o hoje
falecido Eduardo Campos gozava de prestígio no Palácio do Planalto. Ao
conseguir para seu Estado o investimento bilionário da estatal, Campos
buscou alternativas para contemplar os aliados do partido, que se
sentiram desprestigiados. Além da governadora Wilma de Faria, era
preciso agradar também aos caciques Cid e Ciro Gomes, hoje no PROS, mas
que, à época, estavam filiados ao PSB de Eduardo Campos. Para o Ceará, o
governo articulou a construção de uma siderúrgica com investimento da
Vale e das coreanas Dongkuk e Posco, e Paulo Roberto Costa acenou com a
criação da minirrefinaria. Mas os Gomes, naquela ocasião, não acharam
suficiente. Queriam algo mais grandioso. Ambicionavam um projeto como a
pernambucana Abreu e Lima.
Quando assumiu o governo em 2007, Cid conseguiu o aval de Gabrielli para
a realização de seu desejo. O encontro de 10 de junho de 2008 no
Palácio de Iracema, registrado pela imagem que ilustra a abertura desta
reportagem, selou as tratativas para a construção da refinaria Premium
II e também marcou o início de uma longa relação entre Cid Gomes e Paulo
Roberto Costa. Depois do encontro com o governador, Costa atravessou a
noite em Fortaleza na companhia de técnicos da Petrobras. No dia
seguinte, visitaram Pecém e a área que seria disponibilizada para a
construção da refinaria. Após sobrevoar o local, o executivo decretou:
“O terreno está numa área industrial bem localizada e próximo a um porto
com logística capaz de atender nossas necessidades”. Acompanhou a
comitiva o então presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do
Ceará (Adece), Antônio Balhmann, hoje deputado federal pelo PROS e homem
de confiança de Cid, e o presidente do Conselho de Desenvolvimento do
Ceará (Cede), Ivan Bezerra.
Dois meses depois, em 20 de agosto, Paulo Roberto Costa voltou ao Ceará
para a inauguração do Terminal de Regaseificação do Pecém. Além do
próprio Cid, estavam presentes o presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, e Gabrielli. No palanque,
Costa sentou-se exatamente atrás do governador do Ceará, como é possível
ver em várias fotos oficiais. A construção da Premium II foi confirmada
com a assinatura de protocolo de entendimentos e o lançamento da pedra
fundamental anunciado para dezembro de 2009, o que só acabou ocorrendo
no final de 2010. Em 29 de dezembro, no último ato de governo, Lula
participou da cerimônia oficial, assim como Gabrielli, Costa e o
presidente da Transpetro, o cearense Sérgio Machado. Àquela altura,
porém, ainda não havia terreno, licença ambiental ou estudos de impacto,
nem mesmo um projeto técnico concluído ou contrato firmado. Naquele
ato, Costa destacou que a produção da refinaria seria destinada ao
mercado interno. Ele sentou-se na primeira fileira de autoridades, ao
lado de Machado, Lula, Cid, Gabrielli e do senador Inácio Arruda
(PCdoB).
Em 24 de abril de 2012, Paulo Roberto Costa, já demissionário, foi a
Fortaleza participar como palestrante do Ciclo de Debates do Centro
Industrial do Ceará. Disse que a Petrobras estava pronta para iniciar as
obras e aguardava apenas a entrega do terreno de dois mil hectares no
Pecém. A doação da área foi um dos grandes entraves para a refinaria,
uma vez que a posse do local era questionada por índios da tribo Anacé.
No dia seguinte, foi à Universidade de Fortaleza, onde palestrou para
alunos de engenharia sobre os projetos de refino da estatal. Foi quando
revelou que a Petrobras buscava sócios para erguer a Premium II. Costa,
então, apresentou o problema a Cid, que se empenhou pessoalmente na
busca de um investidor. Iniciou conversas com a coreana GS Energy, mas a
parceria não prosperou.
Temendo que a Premium II se transformasse num pesadelo eleitoral, Cid
pressionou pelo andamento dos projetos. Costa falava que a refinaria
havia sido concebida a partir de detalhados estudos técnicos e
econômicos, além de ambientais e sociais da estatal, mas logo seria
desmentido. Em auditoria, o Tribunal de Contas da União (TCU) se deparou
com uma série de irregularidades graves em relação aos estudos de
viabilidade técnica, geotécnicos e topográficos. Sobre a ausência de
viabilidade técnica, a Petrobras alegou, por exemplo, que estava
reformulando o projeto, cujo orçamento saltou de iniciais R$ 11 bilhões
para R$ 20 bilhões. O contrato para o estudo inicial era estimado em R$
2,5 milhões. O TCU chegou a pedir documentos para uma auditoria, mas
nada havia sido feito ainda porque faltava a doação do terreno para a
Petrobras.
Uma vez fora da estatal, o ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto
Costa, abriu a empresa “REF Brasil (Refinaria de Petróleo do Brasil),
sediada num novíssimo conjunto de edifícios empresariais da Barra da
Tijuca, no Rio. A REF Brasil funcionaria como guarda-chuva de quatro
minirrefinarias – o velho projeto que ele acalentava desde 2005, mas
que, quando estava na direção da Petrobras, não conseguiu viabilizar. No
dia 13 de setembro de 2013, depois de tratativas informais com Cid
Gomes desde maio daquele ano, Paulo Roberto Costa criou a empresa
Refinaria Cearense num edifício empresarial de Fortaleza, em parceria
com Francisco José Machado Sant’Anna, do grupo Energio Nordeste. No dia
17 de janeiro de 2014, Paulo Roberto Costa encontra-se novamente com Cid
na capital cearense. Após o encontro, anunciou publicamente a
construção de uma mini refinaria no Ceará, através de sua empresa REF
Brasil. Com produção de 5 mil barris por dia e investimento de R$ 120
milhões, a refinaria deveria ficar pronta em 18 meses. O maquinário
seria importado da China. Costa foi preso dois meses depois. Em junho, a
empresa foi formalmente dissolvida. Os rastros da relação entre o
delator e o governador Cid Gomes, no entanto, não têm como serem
apagados.
TOUR COM DINHEIRO PÚBLICO
De jatinho oficial, o governador Cid Gomes levou a mulher e a sogra para a Europa numa viagem que custou R$ 500 mil.
Eleito em 2006 com mais de 62% dos votos válidos, Cid Gomes tem uma gestão marcada por denúncias de favorecimento a parentes e gastos milionários injustificáveis. Logo que foi eleito, Cid protagonizou seu primeiro grande escândalo ao patrocinar um tour pela Europa de jatinho oficial com assessores e respectivas mulheres. Estiveram na comitiva europeia a primeira-dama do estado, além da própria sogra
Eleito em 2006 com mais de 62% dos votos válidos, Cid Gomes tem uma gestão marcada por denúncias de favorecimento a parentes e gastos milionários injustificáveis. Logo que foi eleito, Cid protagonizou seu primeiro grande escândalo ao patrocinar um tour pela Europa de jatinho oficial com assessores e respectivas mulheres. Estiveram na comitiva europeia a primeira-dama do estado, além da própria sogra
de Cid, Pauline Carol Habib Moura. Detalhe, a viagem custou mais de meio milhão de reais. Tudo pago pelos cofres públicos.
As polêmicas não pararam por aí. No ano passado, Cid pagou um cachê de
R$ 650 mil para Ivete Sangalo cantar na inauguração do hospital em
Sobral, berço político dos irmãos Gomes. O evento gerou repercussão
nacional, ainda mais depois que parte da marquise desabou um mês depois
da inauguração da unidade hospitalar. Em 2013, Cid Gomes voltou a ser
alvo de críticas da oposição devido à contratação pelo governo de um
buffet orçado em R$ 3,4 milhões. Destinado a abastecer a cozinha do
Palácio da Abolição, sede do governo do Ceará, o buffet previa até 495
pratos diferentes, uma variação de receitas preparadas com caviar,
escargots, bacalhau, salmão, presunto de Parma, funghi, vieiras, frutos
do mar, pães exóticos, croissants e até trufas. “Enquanto o sertão sofre
com a seca, o palácio do governo se banqueteia”, disse à época o
deputado estadual Heitor Ferrer.
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