Economia em sociedade desigual e polarizada depende de decisões políticas
Quem realmente perde com taxas de juros baixas são os verdadeiramente ricos
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Paul Krugman Prêmio Nobel de Economia em 2008 |
Uma lição infeliz que aprendemos nos últimos anos é que a economia é um
assunto muito mais político do que nós gostaríamos de imaginar. Bem,
você pode dizer que está na cara. Mas, antes da crise financeira, muitos
economistas - até eu, em certa medida - acreditavam que havia um
consenso profissional bastante amplo sobre algumas questões importantes.
Isso era especialmente verdadeiro em relação à política monetária. Não
se passaram tantos anos desde que o governo de George W. Bush declarou
que uma lição da recessão de 2001 e da recuperação que se seguiu foi que
"a política monetária agressiva pode tornar a recessão mais curta e
mais branda". Certamente, então, teríamos um consenso bipartidário em
favor de uma política monetária ainda mais agressiva para combater a
crise muito pior de 2007 a 2009. Certo? Bem, não.
Eu escrevi várias vezes sobre o fenômeno do "sadomonetarismo", a
constante exigência de que o Federal Reserve e outros bancos centrais
parassem de tentar estimular o emprego e, em vez disso, aumentassem as
taxas de juros, independentemente das circunstâncias. Eu sugeri que a
persistência desse fenômeno tem muito a ver com ideologia, que, por sua
vez, tem muito a ver com interesses de classe. E ainda acho que isso é
verdade.
Mas, agora, penso que os interesses de classe também operam através de
um canal mais grosseiro e mais direto. Muito simplesmente, as políticas
de dinheiro fácil podem ajudar a economia como um todo, mas são
diretamente prejudiciais para as pessoas que recebem uma grande
quantidade de sua renda de títulos e outros ativos que pagam juros - e
isso significa, principalmente, os muito ricos; em particular, os 0,01%
superiores.
A história até agora é essa: por mais de cinco anos, o Fed tem
enfrentado duras críticas de uma coalizão de economistas, especialistas,
políticos e magnatas da indústria financeira que advertem que sua
política está "degradando o dólar" e preparando o cenário para a
inflação galopante. Você poderia achar que a insistência da inflação em
não se materializar da forma prevista causaria, pelo menos, algumas
dúvidas, mas estaria errado. Alguns dos críticos inventaram novas
justificativas para as necessidades políticas imutáveis - "é por causa
da inflação!"; "não, é por causa da estabilidade financeira!". Mas a
maioria, simplesmente, continuou a repetir as mesmas advertências.
Quem são esses críticos sempre errados e que nunca têm dúvidas? Sem
exceções, pelo que eu saiba. Eles vêm do lado direito do espectro
político. Mas por que os sentimentos da direita andam de mãos dadas com a
paranoia da inflação? Uma resposta é que o uso da política monetária
para combater o desaquecimento é uma forma de ativismo governamental. E
os conservadores não querem legitimar a noção de que uma ação do governo
jamais possa ter efeitos positivos porque abriria um precedente e você
poderia acabar endossando coisas, como seguro de saúde garantido pelo
governo.
Mas há também uma razão muito mais direta para aqueles que defendem os
interesses dos ricos para reclamar do dinheiro fácil: os ricos derivam
uma parte importante de sua renda de juros sobre os títulos, e as
políticas de baixa taxa reduziram muito essa renda.
As reclamações contra as taxas de juros baixas são normalmente
estruturadas em termos do dano que causa para os americanos aposentados
que vivem dos juros de seus Certificados de Depósitos. Mas os recibos de
juros dos americanos mais velhos vão principalmente para uma minoria
pequena e relativamente abastada. Em 2012, o idoso médio americano que
vive de juros recebeu mais de US$ 3.000, mas a metade do grupo recebeu
US$ 255 ou menos. Quem realmente perde muito com as taxas de juros
baixas são os verdadeiramente ricos - nem mesmo o 1% superior, mas o
0,1%, ou mesmo o 0,01%. Em 2007, antes da crise, o membro médio do 0,01%
superior recebeu US$ 3 milhões (em dólares de 2012) em juros. Em 2011,
esse número caiu para US $ 1,3 milhão -perda equivalente a quase 9% da
renda do grupo em 2007.
Isso é muito e, certamente, explica grande parte da histeria em torno da
política do Fed. Os ricos tendem a acreditar que o que é bom para eles é
bom para o país mais do que a maioria das pessoas. E a sua riqueza e a
influência que ela compra garantem que haja sempre uma abundância de
supostos especialistas ansiosos para encontrar justificativas para essa
atitude. Daí o sadomonetarismo. O que me traz de volta à politização da
economia.
Agora está claro que, antes da crise financeira, muitos bancos centrais e
economistas estavam vivendo em um mundo de fantasia, imaginando que
eram tecnocratas isolados da briga política. Afinal de contas, seu
trabalho é guiar a economia por entre os riscos de inflação e depressão.
E quem poderia opor-se a isso? Acontece, porém, que, apesar de ser do
interesse da grande maioria dos norte-americanos, usar a política
monetária para combater a depressão não é do interesse de uma pequena
minoria rica. E, como resultado, a política monetária está tão presa
pelo conflito ideológico quanto a política fiscal.
A verdade é que, em uma sociedade tão desigual e polarizada quanto a nossa hoje, quase tudo é política. Acostume-se com isso.
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