segunda-feira, 24 de outubro de 2011
O jogo baixo no Ministério do Esporte
As denúncias de um policial contra o ministro Orlando Silva ressuscitam acusações que envolvem o governador Agnelo Queiroz, investigado no STJ pelas mesmas suspeitas de desvio de dinheiro público do Programa Segundo Tempo.
Nos primeiros meses do ano passado, a política do Distrito Federal passou por uma crise sem precedentes. A Operação Caixa de Pandora, deflagrada pela Polícia Federal no fim de 2009, expôs uma rede de corrupção comandada pelo então governador, José Roberto Arruda (DEM), com consequências diretas na sucessão local. Arruda foi afastado do cargo e impedido de disputar a reeleição, o que aumentou as chances dos outros concorrentes.
Ganhou força a candidatura de Agnelo Queiroz, ex-ministro do Esporte, filiado ao Partido dos Trabalhadores pouco tempo antes, depois de duas décadas de militância no PCdoB. Quando ainda lutava dentro do PT para ser escolhido candidato a governador, Agnelo foi atingido por uma grave denúncia. No ano passado, a Polícia Civil do Distrito Federal concluiu uma investigação sobre desvios de verbas do Segundo Tempo, principal programa do Ministério do Esporte, em convênios firmados com duas entidades de kung fu. Ambas eram comandadas pelo policial militar João Dias Ferreira. As investigações apontaram indícios de envolvimento de Agnelo nas irregularidades dos convênios, como revelou ÉPOCA em maio de 2010. O inquérito da Polícia Civil tinha o depoimento de testemunhas que diziam ter entregado R$ 256 mil em espécie a Agnelo.
Responsável pelo caso, o delegado Giancarlo Zuliani Júnior, da Polícia Civil, concluiu que, por envolver verbas do ministério, as investigações deveriam ser encaminhadas a autoridades federais. Zuliani sugeriu novas providências, entre elas o rastreamento dos telefones celulares de Agnelo e das pessoas com quem teria se encontrado na entrega do dinheiro. Em setembro deste ano, o procurador da República José Diógenes Teixeira pediu que o inquérito fosse transferido para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que comanda investigações contra governadores.
O caso ficou adormecido até a semana passada, quando o policial João Dias acusou o atual ministro do Esporte, Orlando Silva, de irregularidades na pasta, entre elas o recebimento de dinheiro desviado de convênios. No processo do STJ, no entanto, a autoridade mais envolvida nas acusações é Agnelo Queiroz. É a primeira vez que, nesse processo, o nome do atual governador aparece na Justiça Federal. Pesam contra ele as acusações de ter recebido os R$ 256 mil e a proximidade com João Dias. Em viagem à Europa, Agnelo disse na semana passada que só teve relações políticas com João Dias nas eleições de 2006. Segundo o inquérito, porém, era mais que isso. Testemunhas descrevem festas em que Agnelo e João Dias estiveram juntos – como o aniversário de uma filha de Dias. Em nota a ÉPOCA, Agnelo afirma que, como político, sempre compareceu a festas de aniversário – e não se recorda de eventos específicos.
Gravações telefônicas autorizadas pela Justiça mostram que, nos momentos difíceis, João Dias sempre recorreu a Agnelo. Em uma das conversas, Dias pede sua ajuda para preparar sua defesa em um processo na Justiça. Segundo a polícia, Dias temia uma ação civil pública em que o Ministério Público Federal cobra a devolução aos cofres públicos de R$ 3,2 milhões desviados do Ministério do Esporte. Dias nega ter feito esse pedido. Ele diz que foi gravado quando pedia ajuda a Agnelo contra as “sacanagens” feitas para jogar em suas costas a responsabilidade pelos desvios de dinheiro do Segundo Tempo.
Não adiantou. Em abril de 2010, João Dias foi parar atrás das grades por causa dos desvios de dinheiro do Ministério do Esporte repassado a suas entidades. De acordo com o relatório da polícia, na manhã do dia 5 de abril, após a prisão de Dias, sua mulher, Ana Paula Oliveira, tentou falar por três vezes com Agnelo – ela deixou recado pedindo a indicação de um advogado para seu marido.
Com a chegada de Agnelo ao governo, Dias sentiu-se prestigiado. Há 20 dias, porém, lançou o blog Em Rota de Colisão, em que fez ameaças ao governador e ao ministro Orlando Silva. Prometia denunciar os esquemas de corrupção no governo de Brasília. O que ele queria? “Fiquei revoltado com a demissão do Manoel Tavares da presidência da Corretora BRB (banco do governo de Brasília). Ele é meu amigo e saiu porque não concordou com a roubalheira”, disse Dias a ÉPOCA.
João Dias postou no blog a foto de um Honda Civic preto, com os dizeres “Carrinho que ainda vai assustar e abalar a estrutura política do Distrito Federal”. O que quis dizer com isso? “Foi por causa do Geraldo”, diz ele. Trata-se de Geraldo Nascimento de Andrade, principal testemunha contra Agnelo na acusação de recebimento de dinheiro. Sócio de uma das empresas usadas para desviar recursos do Ministério do Esporte, Geraldo confessou o crime, delatou seus parceiros e se tornou réu colaborador da Justiça. Em depoimento à polícia, disse que, entre os dias 7 e 8 de agosto de 2007, sacou o equivalente a R$ 335 mil em uma agência do Banco de Brasília (BRB) para pagamento de propina. Desse dinheiro, ele diz ter colocado R$ 256 mil em uma mochila. Acompanhado de Eduardo Pereira Tomaz – principal auxiliar de João Dias nos projetos pagos pelo programa Segundo Tempo –, ele diz ter entregado a mochila a Agnelo, em um estacionamento de uma concessionária de motos.
Apesar das ameaças, no depoimento que prestou à Polícia Federal, João Dias disse desconhecer o envolvimento de Agnelo com os problemas no Ministério do Esporte. Ele confirmou as denúncias contra Orlando Silva, mas disse a ÉPOCA não ter participado de entrega de dinheiro ao ministro. “Não entreguei e não vi. Quem me disse que por várias vezes entregou dinheiro para o ministro, inclusive na garagem do ministério, foi o Fredo (Ebling, dirigente nacional do PCdoB). O Fredo vivia lá em casa, deitava no sofá e falava do esquema de arrecadação do PCdoB no ministério”, diz Dias. A ameaça de denunciar Fredo como responsável pela arrecadação de dinheiro do PCdoB, em Brasília, foi a principal arma de João Dias para tentar engavetar os relatórios de fiscalização do Ministério do Esporte contra suas ONGs. “Contesto todas as acusações. Só estive uma vez na casa de João Dias, em 2006, para deixar material de campanha, pois nós dois éramos candidatos”, diz Fredo Ebling. “Nunca falei sobre arrecadação com ele e, depois da campanha, não estive mais com ele.”
A pressão sobre Orlando Silva aumentou ao longo da semana passada. Na terça-feira, epoca.com revelou que uma empresa venceu na sexta-feira 14, com uma proposta R$ 20 milhões mais cara, uma licitação para a compra de uniformes no programa Segundo Tempo. Muitas novidades sobre o caso ainda deverão vir à tona. ÉPOCA descobriu que Agnelo é citado em outro inquérito da Polícia Civil, que apura desvios de dinheiro em convênios firmados entre a ONG Novo Horizonte, dirigida por Luiz Carlos Coelho de Medeiros, e os ministérios do Esporte e da Ciência e Tecnologia. Uma testemunha disse à polícia que Agnelo favoreceu a Novo Horizonte como forma de retribuir o apoio financeiro de Medeiros nas eleições de 2006, quando Agnelo foi candidato ao Senado pelo PCdoB. Estagnadas por mais de um ano, as investigações agora tendem a avançar na Justiça.
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