domingo, 11 de setembro de 2011


Casamento infantil vira opção contra a miséria

A cada ano, mais de 10 milhões de crianças e adolescentes se casam no mundo para fugir da fome, de abusos sexuais e de desastres naturais.
A cada três segundos, uma jovem com menos de 18 anos se casa no mundo. Apesar de fatores religiosos e culturais, a pobreza é a principal incentivadora dos casamentos infantis. Segundo organizações de direitos humanos, mais de 10 milhões de crianças e adolescentes se casam anualmente para escapar da miséria. A prática, comum na África e na Ásia, legitima o que o Unicef considera a principal forma de abuso sexual contra crianças.
"As famílias são obrigadas a fazer uma escolha. Se vivem, por exemplo, em áreas atingidas por tragédias naturais, como a seca, inundações ou tsunamis, ou de pobreza extrema, o casamento dos mais jovens torna-se uma questão de sobrevivência. Será possível cuidar melhor dos outros filhos e será uma boca a menos para ser alimentada", disse Kanwal Ahluwalia, da organização Plan UK, que luta contra o casamento infantil.
Nas regiões onde a miséria predomina, as adolescentes chegam a ser negociadas como mercadoria. O noivo - na maior parte das vezes bem mais velho - paga um valor pela jovem ou a troca por água, alimentos ou um animal, como vacas e cabras. A seca que atinge os países do Leste da África - a pior em 60 anos - tornou a prática ainda mais comum. As jovens são conhecidas como "noivas da seca".
Na Indonésia, após o tsunami de 2002, muitos pais viram no casamento infantil uma forma de proteger as meninas de abusos sexuais e estupros nos campos de refugiados. Além disso, com o incentivo financeiro do governo para a formação de famílias, uma ajuda de custo para casais com filhos, o casamento foi uma opção para as adolescentes.
Ann Warner, do International Center for Research on Women (IRCW), ressalta a ligação entre casamentos infantis e o aumento do número de mortalidade materna, infantil, de complicações na gestação e no parto nos países líderes em casamentos infantis. "O corpo das meninas não está fisicamente preparado para a gestação. Quanto mais jovem é a mãe, maior é a chance de ela e o bebê morrerem no parto."


Brasil tem 42,7 mil crianças e adolescentes de até 14 anos casados

Uma prática ilegal, mais relacionada a áreas rurais, persiste hoje até nos principais centros urbanos brasileiros. Um recorte feito nos dados do Censo Demográfico de 2010 mostra que existem ao menos 42.785 crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos casados no Brasil. O número refere-se a uniões informais, já que os recenseadores não checam documentos.
Essas situações se concentram em grupos de baixa renda e alta vulnerabilidade, principalmente nos rincões do País ou na periferia de grandes centros urbanos.
Legalidade. A maior parte dos casamentos de crianças registrados no Censo são informais, já que o Código Civil autoriza uniões apenas entre maiores de 16 anos - abaixo dessa idade, só podem se casar com autorização judicial. O Código Penal, por outro lado, proíbe qualquer tipo de união com menores de 14 anos.
"Isso constitui um crime chamado ‘estupro de vulnerável’, previsto no Código Penal e sujeito a detenção de oito a 15 anos", diz Helen Sanches, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP).
Segundo ela, o crime se refere diretamente às relações sexuais mantidas com crianças e adolescentes, algo implícito quando se fala em casamento. Helen conta que é cada vez mais comum encontrar famílias nos fóruns pedindo autorização para casar uma filha adolescente ou mesmo passar a guarda dela para o seu parceiro, sem saber da proibição legal. "Quando isso acontece e a menina tem menos de 14 anos, o promotor, além de não acatar o pedido, pode denunciar o rapaz por estupro de vulnerável, mesmo que a relação seja consentida ou que os pais concordem com ela", explica.
Entretanto, são poucos os casos que chegam ao conhecimento do poder público. Além de critérios sociais e econômicos, fatores culturais também dificultam o combate a esse tipo de situação. Isso fica claro ao se observar os Estados que lideram o ranking de casamentos com menores de 14 anos: ou são locais de baixa renda per capita, como Alagoas ou Maranhão, ou têm grande concentração indígena, como Acre e Roraima. Na outra ponta estão as regiões mais ricas e urbanizadas, como Rio Grande do Sul, São Paulo e Distrito Federal.

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